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A violência que mora na delicadeza
Vida & Arte

A violência que mora na delicadeza

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Maria Cecília se suicidou no dia em que seu pequeno seria batizado. O menino, que ganhou o nome de Matheus, é hoje um dos principais atores que nosso País tem. A poesia deixada por essa mulher é agora encenada em um concerto para o que não tem conserto (nem nunca terá). O espetáculo é simples e turvo, assim como as palavras deixadas pela mãe do artista. Num palco íntimo, Matheus desfia – sem grandes preocupações aristotélicas de uma história com começo meio e fim – os retalhos escritos por uma mulher que demostra ter sido à flor da pele. Assim como os sentimentos de Maria Cecília narrados, a encenação tem uma beleza perturbadora. A agonia do violino se casa com a calmaria do violão para banhar a plateia com um som que é ao mesmo tempo grito, choro e alívio. A plateia que for buscando o Nachtergaele da TV vai se frustrar. Temos aqui um homem, que por acaso é ator, compartilhando uma dor íntima com o público. Ao optar pelo mínimo, o artista parece radicalizar a noção proposta pela diretora teatral norte-americana Anne Bogart, que diz que uma montagem tende a ser violenta ao escolher uma forma de contar em detrimento de outra. Processo de Conscerto do Desejo é uma das obras mais sensivelmente violentas que tive a sorte de assistir.


Renato Abê, Repórter e dramaturgo



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