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Uma sala para Pedrina
Vida & Arte

Uma sala para Pedrina

| ACERVO | Documentos e publicações pertencentes à Pedrina de Deus encontram-se agora na Sala do Nuafro, na Uece. O lançamento acontece amanhã, com direito a roda de samba
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Acervo da professora e publicitária Pedrina de Deus reúne obras relacionadas a questões de gênero, sociologia, movimento negro, marxismo, comunicação e história (Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO Acervo da professora e publicitária Pedrina de Deus reúne obras relacionadas a questões de gênero, sociologia, movimento negro, marxismo, comunicação e história

Feminista, professora universitária, militante do movimento negro, publicitária e, claro, amante do samba - gênero no qual até ganhou status local de "madrinha". Do alto de suas kaftas longas, cabeça raspada e brincos sempre vistosos, Pedrina de Deus (1950-2017) conseguiu ser muitas em uma só. Paraense que escolheu as terras de Iracema para fincar moradia (depois de passar por Brasília e Rio de Janeiro), por mais de duas décadas, sua lembrança ainda permanece vigorosa, mesmo após sua chegada ao Orun (céu, em iorubá), há dois anos completos no último dia 20 de abril.

Pedrina de Deus, ao longo de sua trajetória, reuniu livros e demais documentos relacionados a questões de gênero, sociologia, movimento negro, marxismo, comunicação e história. De posse desse material, o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidade, Gênero e Família (Nuafro) fará o lançamento oficial do Acervo Pedrina de Deus amanhã, 24, às 18 horas, no Campus do Itaperi, numa programação que irá destacar visita à sala, distribuição de folders sobre o funcionamento do local e, ao final, a roda de samba Eccos - Encontro Cearense de Compositores de Samba.

"Nós ficamos muito felizes quando fomos contemplados com o Acervo Pedrina de Deus. Ela, como uma mulher negra, foi muito importante para nós. Foi minha amiga também e a família colecionou todos os seus livros, reportagens e fez a doação para nós como NEAB (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros). Ela tinha essa preocupação - e acredito que a família também - que esse material tivesse uma destinação útil porque ali vai servir para pesquisa, para que as pessoas possam consultar o material dela", afirmou Zelma Madeira, professora doutora à frente do Nuafro e atual Coordenadora Especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial no Estado.

A catalogação dos documentos, segundo Zelma, foi feita por ela e pela professora Milena Fernandes Barroso, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Feminista antirracista e amiga pessoal de Pedrina, como prefere ser identificada, Milena cita a relevância do material em questão. "É importante pelo conteúdo e simbolismo, pois é uma semente que se propõe a compartilhar com estudantes, ativistas, militantes, interessados no samba, na cultura, no movimento negro e feminista. É 'a história que a história não conta', como diz o samba da Mangueira", frisou.

Milena chama a atenção ainda para obras referentes, sobretudo, ao movimento negro brasileiro. "Além de livros, o acervo conta com documentos selecionados por Pedrina ao longo de sua militância. Ela era bastante preocupada com o registro da memória e, ao selecionar esses registros da sua vida e dos espaços que atuou, deixou um material importante a ser conhecido", revela. "Penso que será uma importante contribuição no sentido de não deixarmos apagar mais uma grande mulher que a história oficial não conta", completou ela, que a conheceu no samba, no início dos anos 2000. "Foi sintonia de cara e depois só estreitamos a amizade e parcerias", recorda.

Após o lançamento, o Acervo Pedrina de Deus ficará aberto à pesquisa pública de segunda a sexta-feira, sempre das 14h às 18 horas. "Nós estamos querendo e vamos construir um projeto dentro da iniciação científica da Uece, no Nuafro, para que a gente possa catalogar as notícias. Mas, pra nós, também é muito importante a discussão das relações raciais, da questão da mulher negra, do movimento de mulheres negras e da experiência dela, porque nós estamos entrando em contato também com outras pessoas que escreveram sobre ela. Então esse viés dela, essa forma de resistência negra que é plural, ela tinha uma forma específica de fazer. A Pedrina conseguiu juntar toda essa dimensão da militância e do ativismo com a arte, a composição e o samba", enaltece Zelma.

 

Lançamento do Acervo Pedrina de Deus

Quando: amanhã, 24, às 18 horas, com participação da roda de samba Eccos

Onde: Sala do Nuafro/ Centro de Educação da Uece (av. Doutor Silas Munguba, 1700 - Campus do Itaperi)

Visitação: de segunda a sexta-feira, das 14h às 18 horas

Info: @NUAFRO (Facebook)

FORTALEZA, CE, BRASIL: 12-02-2014: Pedrina de Deus, diretora de planejamento da SG Propag e militante negra. Entrevista com Pedrina de Deus. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL: 12-02-2014: Pedrina de Deus, diretora de planejamento da SG Propag e militante negra. Entrevista com Pedrina de Deus. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

"Alegria no rosto, samba no pé"

"Era difícil não gostar da companhia de Pedrina! Alegria no rosto, samba no pé e afeto sem distinção". Assim definiu Milena Barroso (Ufam), amiga pessoal da paraense que viu no samba mais uma forma de militância e ligação mais estreita com o ancestral. Nas rodas de samba da Capital, Pedrina de Deus era figura fácil e, sobretudo, inconfundível. Foi em sua casa que, em 2012, um grupo de músicos encontrou guarida e condições para a criação do conhecido Eccos - Encontro Cearense de Compositores de Samba.

"Ela sempre foi apaixonada pelo samba, fazia amizade com todo mundo e aquela alegria dela contagiava. Quando a gente começou, não tinha onde se reunir, então ela ofereceu a casa dela: fazia café, chá, uma cesta de pipoca... Era uma pessoa muito boa, razão pela qual todo mundo gostava dela. Foi uma pessoa que realmente teve a sua importância no que diz respeito aos compositores", ressaltou Carlinhos Palhano, à frente do grupo Samba de Mesa.

Para Jota Carlos, um dos fundadores do movimento de compositores, a figura de Pedrina de Deus era única. "Ela era inigualável. A gente sente falta e uma saudade muito grande porque ela era uma pessoa que unia todo mundo, batalhava as coisas e essa homenagem a ela com esse acervo é muito mais que justa", afirmou. Na ocasião do lançamento, a roda de samba Eccos dará o tom da noite, inclusive trazendo à tona composições como Ai Mulato (com letra de autoria da própria Pedrina).

Carlinhos Palhano também escreveu sobre uma das consideradas madrinhas do samba cearense. "Fiz um samba em homenagem a ela que diz assim: 'Seu sorriso negro já se faz saudade/ Seu abraço negro da pura amizade/ Sei que ela volta pra casa/ Ao pedido do Pai atendeu/ Até qualquer dia, Pedrina de Deus/ São Jorge, leva ela em teu cavalo/ E o destinatário é a casa do Senhor/ Pessoa tão querida e tão amiga/ Que viveu cantando a vida/ Não morreu, desencantou'".

"Não só Fortaleza, mas o Brasil não conhece e reconhece a trajetória de militantes. O pensamento de Pedrina tem muito a nos dizer. Sempre questionando o óbvio e visões tradicionais - inclusive do próprio movimento negro e feminista -, Pedrina nos convidava a pensar, nos provocava a ir além no pensamento e na ação. Trazer seu pensamento e sua trajetória ao público, nesse contexto de tantos retrocessos, é uma contribuição importante para fortalecer o compromisso com a história e com as lutas sociais, especialmente contra o racismo e sexismo", destacou Milena.

(Teresa Monteiro)

 

VENTILAÇÃO

"Seu sorriso negro

Já se faz saudade

Seu abraço negro

Da pura amizade

Sei que ela volta pra casa

Ao pedido do Pai atendeu

Até qualquer dia

Pedrina de Deus

São Jorge, leva ela em teu cavalo

E o destinatário é a casa do Senhor

Pessoa tão querida e tão amiga

Que viveu cantando a vida

Não morreu, desencantou"

(Trecho do samba Pedrina de Deus, de autoria de Carlinhos Palhano) 

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