Logo O POVO+
As nossas telefonistas
Vida & Arte

As nossas telefonistas

| V&A viu | Em Coisa mais linda, a história de quatro mulheres se entrelaça no Rio de Janeiro dos anos 1950 - com a bossa nova e o samba de fundo. A trama beira a narrativa de novela e acaba em um susto
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Maria Casadevall vive Malu, protagonista da série (Foto: fotos divulgação)
Foto: fotos divulgação Maria Casadevall vive Malu, protagonista da série

Pode soar bairrista, mas a expectativa de uma nova série brasileira na Netflix me animou desde os primeiros trailers divulgados. A bela fotografia apresentada desde esses primeiros vídeos e mesmo a cena da discussão entre Adélia, em uma bela atuação de Pathy Dejesus, e Maria Luiza, a Malu (Maria Casadevall) que evidenciava a desigualdade sempre presente entre uma mulher negra e uma branca.

Contudo, para quem inicia cheia de expectativas, a série decepciona. Apresentada como uma história de quatro mulheres - Adélia, Maria Luiza, Lígia (Fernanda Vasconcelos) e Tereza (Mel Lisboa) - unidas em torno do clube de música Coisa mais Linda, a série brasileira se aproxima muito de As Telefonistas (Las chicas del Cable), produção espanhola que retrata a Espanha entre as décadas 1920 e 1930 através, veja só!, da história de quatro mulheres - Lidia (Blanca Suárez), Ángeles (Maggie Civantos), Marga (Nadia de Santiago) e Carlota (Ana Fernández).

A primeira semelhança entre ambas é o tom novelesco com que se apresentam. Em As Telefonistas o tom da narrativa é mais parecido com novelas de países outros da América Latina, como Argentina ou México, enquanto os episódios de Coisa mais Linda poderiam perfeitamente encaixar-se em um dos horários mais tardios das novelas brasileiras.

A aposta tem falhas, entretanto. Os vários diálogos explicativos, típicos de novela, cansam o espectador e transformam a narrativa em algo lento e que demora a capturar a atenção. Além disso, Coisa mais Linda acaba se valendo de diversos clichês sobre o Brasil.

Além disso, ao contrário da série espanhola, a produção brasileira não consegue, de fato, retratar a história das quatro mulheres. Tereza, Lígia e, principalmente, Adélia servem apenas como coadjuvantes da história de Maria Luiza, a paulista filha de fazendeiros ricos que é enganada pelo marido e decide abrir o clube de música que dá nome a série. A Malu de Maria Casadevall é, por outro lado, a atuação mais fraca entre as quatro.

A diversidade de temas retratados é um ponto positivo da história. Relacionamento abusivo, racismo, bissexualidade, desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, dentre tantos outros assuntos caros a discussões sobre os preconceitos - principalmente de gênero- ainda existentes na sociedade, são abordados e servem como excelente ponto de partida para pessoas que não têm essa vivência.

Mesmo nesse aspecto positivo, há ressalvas. Os temas são tratados com superficialidade (outra herança da narrativa novelesca, talvez). Em parte, isso se deve aos poucos capítulos da série - são apenas sete nessa primeira temporada. O roteiro também peca ao quase apagar as histórias das personagens negras.

Adélia, a que menos aparece dentre as protagonistas, e Capitão (Rafael Silveira) foram bem esquecidos no decorrer dos episódios e diminuídos em detrimento de personagens bem menos interessantes. A bissexualidade, retratada através do caso entre Tereza e Helô (Thaila Ayala), é apresentada de maneira desigual em relação aos vários casais heterossexuais da trama e passa uma sensação que está ali apenas para constar na tabela de representatividade.

O final, embora apressado, oferece excelentes ganchos e gera expectativa para uma segunda temporada, ainda não confirmada. Assim como Las chicas del Cable conseguiu se afastar do tom novelesco e corrigir muito dos erros de um início devagar, existem excelentes possibilidades de Coisa mais Linda atingir mesmo êxito, pois as tramas têm força para tal. Quem sabe roteiristas e diretoras mulheres não ajudem a série, que conta a história de quatro mulheres, a atingir a excelência ainda não alcançada?

O que você achou desse conteúdo?