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Era uma vez na Dinamarca...
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Era uma vez na Dinamarca...

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NONONONO (Foto: Library of Congress)
Foto: Library of Congress NONONONO

... dos anos 1800, um casal muito humilde: o sapateiro Hans Andersen e a lavadeira Anne Marie Andersdatter. Recém-casados e moradores de um único cômodo na cidade de Odense, em 1805 deram luz àquele que se tornaria o maior escritor de contos de fadas da história: Hans Christian Andersen. Autor de uma vasta obra composta por romances, poemas e narrativas de viagens, Andersen se consagrou nos contos infantis numa época em que o gênero era muito raro. Ao longo de seus 70 anos de vida, o dinamarquês escreveu mais de 150 histórias que até hoje povoam a imaginação de crianças no mundo inteiro. Data de seu nascimento, o 2 de abril é celebrado como Dia Internacional da Literatura Infantil em homenagem ao seu trabalho.

Apesar da extrema pobreza familiar e o consequente abandono escolar ainda com 11 anos, logo após a morte prematura de seu pai, Andersen viveu uma infância repleta de referências literárias: aprendeu a ler a partir dos contos de La Fontaine e encantou-se com as aventuras das Mil e uma noites. Ouvia também, nos relatos dos internos no hospital psiquiátrico onde seu avô vivia, histórias quase folclóricas e encenava peças com um simples teatrinho de marionetes fabricado por seu pai. Aos 14 anos, já trabalhando como aprendiz de tecelão para auxiliar no sustento da casa, o órfão partiu para Copenhague e na capital dinamarquesa conheceu o diretor do teatral Jonas Collin - iniciava, ali, sua brilhante trajetória artística.

Considerado lunático por uns e visionário por outros, Andersen revolucionou a literatura com sua imaginação inesgotável: entre os anos de 1835 e 1842, o escritor escreveu seis volumes de contos infantis e é autor de histórias mundialmente famosas como A Princesa e a Ervilha, O Patinho Feio, A Caixinha de Surpresas, Os Sapatinhos Vermelhos, A Pequena Sereia, A Roupa Nova do Rei, O Soldadinho de Chumbo e A Rainha da Neve. "Hans Christian Andersen é extraordinariamente importante dentro da literatura como um todo. Ele é fundamental na literatura para crianças porque foi sua obra que inventou o leitor infantil. Antes dele, no século XIX, a gente tinha uma literatura infantil que era composta por histórias reaproveitadas da mitologia popular - mas Andersen entendeu que a literatura colocada à disposição do sujeito logo a partir dos primeiros anos faria uma diferença enorme. Ele conversa com as crianças nos textos e logo elas se sentiram valorizadas", argumenta a professora de Teoria Literária da Universidade Federal do Ceará (UFC) Fernanda Coutinho.

O reconhecimento da criança enquanto sujeito autônomo e a construção do imaginário são destaques notáveis na obra de Andersen, como destaca a pedagoga e psicóloga do Instituto de Especialidades Integradas Eveline Câmara. "A concepção de infância começou a surgir no século XIII, mas a importância dada a ela foi apenas no XIX. Quando isso se desenvolveu na sociedade, o conto de fadas foi ganhando características mais infantis, mas ao mesmo tempo não perdendo essa concepção subjetiva com capacidade de projeção em relação a valores éticos e morais. A obra de Andersen tem uma característica muito específica, pois é fortemente influenciada pela vida dele e sua origem pobre. Ele traz para as histórias infantis essa luta, que a gente pode até falar como luta de classes, esses trabalhadores explorados e grupos diminuídos. Tem um amplo caráter autobiográfico, que se manifesta de maneira ora real, ora simbólica. Os contos de fadas são, nesse sentido social, um objeto até de humanização - mas é importante respeitar sempre o espaço da criança, o que ela está percebendo daquela história. Quando fazemos uma imposição de interpretação, voltamos a criança para um lugar inferior. Contar uma história para uma criança é buscar entender a visão de mundo que ela desenvolve", explica.

"Os contos de Andersen são tão diversos que pensar em estilos limita sua obra. Ele trabalha bem essa questão da pobreza, do desvalimento, e nesse aspecto ele pode ser jogado no Romantismo e no Realismo, por exemplo. Mas é um autor que extrapola. Ele está tocando em pontos absolutamente essenciais do coração humano", continua Fernanda Coutinho. Para Eveline, a riqueza do dinamarquês - e também das adaptações de sua obra pela Disney - é essa quebra de maniqueísmos. "Percebemos cada vez mais que os clássicos estão sendo adaptados para que os personagens não tenham essa dicotomia de todo mau/todo bom. As pessoas não são assim e isso afasta o leitor daquela obra. Esse movimento de quebra é característico da nossa sociedade. Na literatura infantil, o personagem de todo mau tinha até características físicas para isso - a bruxa, o lobo, o erro está ligado à monstruosidade. Hoje em dia, a gente vê uma desconstrução: não é porque uma pessoa erra que ela é má. As camadas da literatura infanto-juvenil são bem mais profundas que a gente vê no superficial e as crianças sempre conseguiram apreender isso muito bem", finaliza Eveline Câmara.

A Rainha da Neve

Frozen - Uma Aventura Congelante (2014) é um dos filmes de maior sucesso da Disney. Adaptado do conto de Andersen A Rainha da Neve, a história foi publicada originalmente em 21 de dezembro de 1844.

O enredo das princesas irmãs Elsa e Anna e o destemido Kristoff se difere sobremaneira da narrativa primeira do autor dinamarquês. Na história de Andersen, o conto gira em torno de uma disputa entre o bem e o mal, as trevas atribuídas à razão e o calor manifestado pelo coração humano. A trama é protagonizada pelos amigos Gerda e Kai, que estaria "amaldiçoado com a negatividade" após ter seu coração perfurado com um caco de vidro de um espelho encantado por trolls. Mais tarde, Kai é sequestrado pela Rainha da Neve - em seus feitiços, a vilã o faz esquecer de Gerda. Com uma rena emprestada, a jovem enfrentou uma tempestade de neve e foi até o Castelo de Gelo procurar Kai, que acreditava estar morto. Ao chegar na residência da Rainha da Neve, viu seu amigo congelado e chorou sobre ele. Suas lágrimas inocentes e amorosas entraram no coração de Kai e quebraram o feitiço, libertando-o.

A Pequena Sereia

Mais uma história de Andersen adaptada Disney em 1989, A Pequena Sereia foi publicada pelo dinamarquês em 7 de abril de 1837.

O enredo da Disney difere-se da história original de Andersen. No filme, a sereia adolescente Ariel está insatisfeita com a vida no mar e curiosa sobre como é o mundo dos humanos. A despeito dos conselhos de seu pai, o grande Tritão, Ariel vai até a superfície e assiste a celebração do aniversário do Príncipe Eric, por quem se apaixona. Para viver esse amor, a sereia faz um trato com a bruxa do mar Ursula para transformá-la em um ser humano durante três dias em troca de ficar com a voz da sereia. Nesse período, Ariel ganha pernas e deve receber o beijo do verdadeiro amor de Eric. Entre percalços causados pela vilã, Ariel e Eric finalmente se casam em um navio e partem em direção ao pôr do sol.

Na trama de Andersen, a história possui camadas mais sombrias. A sereia do livro tem a língua cortada e, por isso, não pode falar. As novas pernas doem terrivelmente, como se ela andasse sobre cacos de vidro. Caso ela não consiga o beijo verdadeiro, a sereia morre ou mata o príncipe para voltar à forma original. Incapaz de matar o amado, a personagem se joga no mar e se transforma em espuma.

O Soldadinho de Chumbo

O romance entre um soldadinho de brinquedo que tem apenas uma perna e uma bailarina de papel foi o primeiro conto escrito totalmente por Hans Christian Andersen e se destaca por quebrar a lógica de contos de fada com finais felizes.

Publicado em 2 de outubro de 1838, a história relata a dramática paixão do soldadinho pela bailarina. O boneco, que não via a perna de sua amada por estar inclinada em um passo de dança, acreditava que eles eram iguais, reconhecia-se nela.

Certo dia, um sopro de vento derruba ambos no fogo e os consome - sobram, apenas, cinzas e um coração de chumbo derretido.

Em sua releitura, o texto original de Andersen foi adaptado para um dos segmentos do filme de animação Fantasia 2000 pela Disney. O conto serviu de inspiração para o filme Toy Story, também produzido pelo estúdio.

O Patinho Feio

Publicado pela primeira vez em 11 de novembro de 1843, O Patinho Feio é o conto de Andersen que mais se aproxima de uma autobiografia, na visão de pesquisadores de sua obra. Ao longo de sua vida, o escritor foi menosprezado por sua fisionomia dita "excêntrica".

A fábula aborda a história de um pato cuja aparência destoa dos demais irmãos. Um dia, cansado da humilhação sofrida por ser considerado feito e inapto, ele foge do ninho e para em diversos lugares durante jornada -

sempre escorraçado, no entanto. Por fim, uma família de camponeses o acolhe durante o inverno, mas ele logo é expulso pelo gato doméstico. Desolado, o patinho segue até um lago encontra alguns cisnes, reconhecendo assim sua verdadeira espécie. As questões sobre autoimagem e relações sociais são muito atuais na abordagem psicológica da infância.

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