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Longa de cearense, "António Um Dois Três" brinca com narrativa
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Longa de cearense, "António Um Dois Três" brinca com narrativa

Jogando com a narrativa, filme António Um Dois Três, do cearense Leonardo Mouramateus, trata de deslocamentos, crise e afeto
Filme
Foto: divulgação Filme "António Um Dois Três", do cearense Leonardo Mouramateus

Primeiro longa do cearense Leonardo Mouramateus, António Um Dois Três se passa em Lisboa e segue histórias de jovens do Brasil e de Portugal que estão quase sempre indo e vindo - seja entre os dois ou mais países, ou ainda por pontos diferentes da capital lusitana. O filme "brasileiro-português, português-brasileiro", como diz o realizador, é protagonizado por António (Mauro Soares) e conta causos e desventuras - amorosas, familiares, profissionais - da vida dele e daqueles que o orbitam em três versões distintas, abrindo espaço para repetições, reedições e referências. A estreia ocorre hoje, às 20 horas, em sessão no Cinema do Dragão com a presença do cineasta e do ator.

A estrutura narrativa da obra, como conta Leonardo em entrevista por telefone ao O POVO, surgiu espontaneamente. A ideia inicial, inclusive, era a de filmar curtas. "Não necessariamente se sabia que ia virar longa. A primeira ideia era fazer alguns curtas com o mesmo personagem. Muito naturalmente a gente viu que aquela história tinha relevo, seria ainda mais forte estando em conjunto", contextualiza. O modo de fazer, inclusive, foi crucial para o modo como o filme é. "Eu escrevia o roteiro, a gente ensaiava, filmava, editava e, seis meses depois, via o resultado e fazia outra parte. Então o que a gente vê no filme também é uma passagem de tempo. O filme é um jogo e o próprio modo que a gente o fez é jogado. A estrutura dele, o que vemos, revela muito os modos que operamos para construí-lo", afirma.

Além de roteiro e direção, Leonardo co-assina a montagem do longa junto de Raul Domingues. "Há um interesse meu de brincar com as temporalidades, algumas trucagens de palavras, a ideia de repetição. O processo de montagem acontece desde o começo, assim como o processo de escrita acontece até o final. O filme inteiro existe e vai sendo construído, montado, do começo ao fim", considera. Tal processo, há de se ressaltar, é sobretudo coletivo.

"Tivemos a oportunidade de construir o filme juntos desde o começo, eu e a equipe, e claro que muito das nossas vivências estão espalhadas por ele. Fazendo um filme a partir das nossas experiências, seja enquanto estrangeiros ou portugueses, acabamos fazendo pequenos retratos de relações possíveis com uma cidade como Lisboa", partilha. Se a diretora de fotografia Aline Belfort teve uma experiência de estudo da área na Rússia, um curso de fotografia em Moscou aparece nas falas das personagens, ora do próprio António, ora da brasileira Débora (Deborah Viegas), por exemplo.

Outros fatos atravessaram a produção do filme como forma de inspiração, sendo um dos mais importantes o conto Noites Brancas, de Dostoiévski. "Ele e alguns outros autores que aparecem misturados no filme nascem de algumas influências, admirações estéticas que vejo nesses trabalhos. Noites Brancas está ali porque transmite a mesma melancolia alegre que eu acho que esse filme tinha que ter. Encontrei nele um diálogo forte da construção do longa", aponta.

A ideia de "melancolia alegre" se conecta facilmente à figura de António, construído de modo doce e perdido por Mauro. Os ainda presentes sentimentos por uma ex-namorada, a relação com o pai, o dinheiro somado com o de um amigo para dividirem um café, as tensões da vida adulta. Cada recorte do protagonista é composto por ternura e inadequação juvenis. A doçura como modo de lidar com a crise, enfim, "não foi uma decisão muito pensada", reconhece Leonardo. "Ela reflete o meu estado em Portugal, muito pessoal, e o da equipe também. Os deslocamentos da equipe, as relações que a gente tinha, a gente cultivando o estar fazendo o filme pelo desejo, tudo se reflete nele", pontua o cineasta, citando mais uma referência para António Um Dois Três. "As comédias do (Ernst) Lubitsch (cineasta alemão que trabalhou entre as décadas de 1910 e 1940) influenciam o tom. O trabalho dele tem um tom de que o mundo é cruel e as pessoas querem saber de si mesmas, todas em crise com alguma coisa, mas intimamente a gente só quer poder amar e ser amado. Acaba que isso tá no filme. No meio desse caos a ternura pode tratar um pouco dessa crise - e não falo isso de maneira ingênua", ensina.

Estreia de António Um Dois Três

Com a presença do cineasta Leonardo Mouramateus e do ator Mauro Soares

Quando: hoje, às 20 horas

Onde: Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81)

Quanto: R$ 14 (inteira)

Mais infos: www.facebook.com/antonioumdoistres/

Foto do João Gabriel Tréz

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