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Usos da Casa do Barão de Camocim seguem questionados após reabertura
Vida & Arte

Usos da Casa do Barão de Camocim seguem questionados após reabertura

Mais de seis meses após a abertura do Centro Cultural Casa do Barão de Camocim, inaugurado em agosto do ano passado, os usos do equipamento público ainda são alvo de debates. Alunos dos cursos de formação da Vila das Artes pleiteiam mais espaço na programação
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O Centro Cultural Casa Barão de Camocim será a sede para o 72º Salão de Abril (Foto: Alex Gomes)
Foto: Alex Gomes O Centro Cultural Casa Barão de Camocim será a sede para o 72º Salão de Abril

Datada do século XIX e vizinha da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, da Praça da Bandeira, do intenso comércio da região do Centro e da escola Vila das Artes, a Casa do Barão de Camocim passou por diferentes ressignificações ao longo de sua história para se inserir em tempos nos quais títulos de nobreza já não dizem muito. Após anos fechada e já deteriorada, a construção foi desapropriada em 2005 pela Prefeitura de Fortaleza para ser agregada ao complexo da Vila das Artes. Ainda assim, seguiu não apenas sofrendo ações do tempo, mas também inacessível à população. A abertura começou a ser esboçada em 2016, quando o casarão sediou a Casa Cor - em contrapartida, a promotora do evento teve que reformar e restaurar o imóvel. Já em 2018, acolheu o 69º Salão de Abril e, em 31 de agosto, foi finalmente entregue à Cidade, reaberta como Centro Cultural Casa do Barão de Camocim, voltado às artes visuais. Mais de seis meses depois da inauguração, porém, o pleno uso dos espaços do casarão tem sido questionado.

Pertencente ao complexo da Vila das Artes - que conta com a chamada Casa da escolas, a Casa do Meio e a Casa do Barão -, o casarão é administrado pela Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor) em parceria com o Instituto Iracema. A diretora da Vila, Mileide Flores, que assumiu o cargo em 1º de agosto de 2018, gere também o novo centro cultural. Segundo a gestora afirmou por e-mail ao O POVO, "relevância para a cidade, acervo da Prefeitura de Fortaleza, cessão de espaço e vitrine para as ações da Vila das Artes são alguns dos critérios adotados para a escolha da programação" da Casa do Barão. Segundo informações da Secultfor, o espaço recebeu quatro exposições desde a inauguração: Nossas Janelas, de Descartes Gadelha (agosto-outubro); Dhamma, de Narcélio Grud (novembro-janeiro); Memorial Sinhá D'Amora, com acervo da artista, aberta em 8 de fevereiro e sem previsão de encerramento; e Aguadô, de Léo Silva, aluno da quarta turma da Escola de Audiovisual da Vila, que ficou em cartaz entre 31 de janeiro e 28 de fevereiro.

Mestra em Artes pela UFC, Salvia Braga pesquisa os usos da Casa do Barão desde 2016, tendo defendido em fevereiro a dissertação "Intervenções com a casa: do barão, da vila, das artes, da cidade". "Tenho um panfleto que diz que o 'centro mantém sinergia e consonância com as atividades das escolas de formação da Vila das Artes', mas o que vemos são atividades de pessoas que não têm sequer relação com a Vila. As exposições não dialogam com os fazeres e com os que fazem parte (da escola), o que seria a proposta inicial", aponta a pesquisadora, questionando a nova denominação do espaço. "Com a proposta de ser um Centro Cultural, um espaço que acolhe múltiplas atividades e pessoas, a casa tem sido basicamente uma galeria de arte e tem trazido uma forma de arte apreciativa, que distancia o espectador", declara.

A única exposição que ocorreu no centro cultural enquanto fruto dos processos da Vila das Artes, Aguadô, é também a única até agora que não ocupou o térreo, onde fica o salão principal. "Quando abrem para uma exposição como a do Léo, fica às margens, com a parte de cima, sem o orçamento que foi direcionado para as outras exposições ou mesmo uma divulgação, com banner na entrada, produção, montagem, coquetel de abertura…", elenca Salvia. Na época da reforma da Casa, Léo Silva lembra da empolgação enquanto aluno da Vila com a possibilidade de "ocupar aquele espaço depois de mais de dez de luta dos alunos". "Mesmo antes da reforma, a casa já havia sido ocupada com várias intervenções, inclusive com uma grande exposição da terceira turma (do Audiovisual). Lembro também que se tinha um desejo de levar a biblioteca da Vila e que nossas aulas pudessem acontecer na casa. Até hoje nada disso foi feito e continuamos entrando com muita burocracia e ocupando somente algumas partes", desabafa o artista.

"Sei que acontece o cineclube da Vila (Telas Abertas) e no início do ano realizamos a exposição, mas ainda acho muito pouco, principalmente quando vemos quem ocupa, nesse momento, todo o térreo da casa. Existem vários fantasmas coloniais naquela casa", metaforiza. O processo para Aguadô, sobre trabalhadores e trabalhadoras de carregamento de água, começou em julho de 2018. "Por volta de outubro, ficou acertado com o Instituto Iracema que poderíamos ocupar a casa, usar equipamentos. Só conseguimos preparar tudo para janeiro de 2019 e ficou agendado com a coordenação do curso para abrir dia 31, no segundo andar", recupera. Durante a montagem da exposição, o artista foi informado que a entrada da exposição na abertura seria pelos fundos da casa, por conta da montagem no térreo da exposição de Sinhá D'Amora. Com uma performance prevista para o dia da abertura de Aguadô, Léo teve que repensar o trabalho. "Enquanto uma 'sinhá' ocupa o térreo de uma casa de um ex-barão, tenho que entrar pela porta dos fundos a mando da instituição", resume. Na visão de Léo, ainda não há ainda abertura efetiva do Centro Cultural para a escola.

Segundo Mileide, o entendimento da gestão é de que "o espaço já cumpre um papel importante e fundamental para a cultura da Cidade, possuidor de uma programação diversa e gratuita". "As expectativas em relação ao uso da Casa com a ideia do Complexo Cultural são maiores do que a realizada atualmente. Acreditamos que o desenho melhor detalhado sairá após a imersão colaborativa, prevista para ocorrer no primeiro semestre deste ano, com participação da sociedade civil e poder público", aprofunda a gestora. A imersão, proposta pela gestão, servirá para "afinar o debate da construção desse agrupamento de 'Casas' com personalidade e funções distintas", explica.

A relação do centro cultural com a Cidade também é refletida por quem questiona. "Queriam abrir um café, desses caríssimos, na Casa do Meio. Quem deveria vender café naquela casa são as mães das alunas do curso de Dança, que ainda hoje vendem na porta da Vila. São essas pessoas que deveriam ser escutadas para ocupar um espaço público ainda temido por quem passa em frente devido à sua arquitetura colonial", defende Léo. "É uma questão de abrir mais, de estar mais com e como a Vila. E mesmo a Vila tem seus problemas. Sempre vão ter esses que podem e que não podem entrar. Isso é muito triste e acontece com todas as instituições culturais nessa Cidade", afirma Salvia. "Nesse momento, se você entra na casa, você não tem a Cidade, ou tem uma cidade longe do real e que poucos se sentem à vontade para estar", completa a pesquisadora.

Exposições e atividades

- Nossas Janelas,

de Descartes Gadelha

- Dhamma,

do Narcélio Grud

- Memorial Sinhá D'Amora

- Aguadô, de Léo Silva

- Cineclube Telas Abertas

- Oficina Teatrando na Vila

- Exibição de filmagens dos espetáculos de turmas do Curso de Formação Básica em Dança

- Ensaio aberto do espetáculo Iracema

- Visita guiada com mães e pais dos alunos da Vila das Artes à exposição Nossas Janelas

- Oficina gratuita Laboratório de Pesquisa Corporal e Composição: Corpo e Empoderamento

- Aulão de Palhaçaria Infantil

Eventos ocorridos a partir de 31/8/2018. Fonte: Secultfor

 

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