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Revisão de patrocínios culturais da Petrobrás causa indefinição a projetos
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Revisão de patrocínios culturais da Petrobrás causa indefinição a projetos

|FOMENTO| Revisão de patrocínios culturais da Petrobras anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro traz indefinição para projetos e grupos culturais apoiados pela estatal
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Foto: divulgação orlando

Em pouco menos de dois meses, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) vem trazendo dúvidas e receios ao setor cultural no Brasil. Se no programa de campanha a área não era sequer citada, o discurso e a prática do pesselista apontam para a descontinuidade de políticas públicas voltadas à área, com a suspeição quanto à Lei Rouanet - um dos principais mecanismos de fomento artístico do País - e a recentemente anunciada "revisão" de todos os contratos de patrocínio cultural firmados pela Petrobras.

No começo do mês, pelo Twitter, o presidente se referiu à empresa afirmando que o incentivo à cultura "não deve estar a cargo de uma petrolífera estatal", ressaltando que "a soma dos patrocínios dos últimos anos passa de R$ 3 bilhões" e que havia determinado a "reavaliação dos contratos". Na semana passada, ao mencionar a "revisão" na mesma rede social, o presidente afirmou que ela estava sendo feita "para maior transparência e melhor empregabilidade do dinheiro público", "objetivando enfoque principal dos recursos para a educação infantil e manutenção do empregado à Orquestra Petrobras". Para além das publicações do presidente, não há definições formais acerca dos patrocínios, mas jornais como O Globo vêm noticiando que o movimento na estatal é de não renovação e até cortes nos contratos firmados. Em nota enviada à imprensa, a Petrobras afirmou que "está revisando sua política de patrocínios e seu planejamento de publicidade, em alinhamento ao novo posicionamento de marca da empresa" e que "os contratos atualmente em vigor estão com seus desembolsos em dia".

O programa Petrobras Cultural, responsável pelo patrocínio de museus, grupos de diferentes linguagens e grandes eventos, já apoiou milhares de projetos por todo o País. Entre eles, os grupos de teatro cearenses Expressões Humanas, Bagaceira, Máquina e Nóis de Teatro foram contemplados pelo Programa Petrobras Distribuidora de Cultural 2017/2018 para circularem por cidades brasileiras com os espetáculos Orlando Fishman, Diga Que Você Está de Acordo! Máquinafatzer e Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro, respectivamente.

O Bagaceira foi aprovado em outras duas ocasiões, em 2010 e 2014, tendo circulado em diferentes estados do País. Agora, "com um ano de atraso", como lembra o ator e produtor Rogério Mesquita, levam Fishman para Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Norte. "(O programa) proporcionou ao Bagaceira ampliar a rede de comunicação, abrangência no País, novas parcerias e fortalecimento de outras. Esse pequeno circuito gera empregos diretos e indiretos, dá visibilidade midiática a teatros alternativos e, o que eu acho mais importante, dá a possibilidade de públicos tão distintos terem acesso a espetáculos cearenses tão diferentes da maneira que a cultura do Ceará é veiculada na grande mídia", elenca o produtor. O Máquina também foi contemplado em outras duas ocasiões, tendo levado no ano passado o espetáculo Máquinafatzer para quatro cidades da região Norte. "Foram experiências valiosíssimas. Além dos espetáculos fizemos encontros, debates, residências, trocas artísticas com os grupos locais", destaca Fran Teixeira, do Máquina.

"Ser contemplado por um edital federal é sempre motivo de muita comemoração, já que é extremamente difícil esses recursos chegarem no Nordeste", comemora Herê Aquino, do Expressões Humanas, que começa a circulação neste ano. Com a sombra da descontinuidade dos apoios da Petrobras, a diretora vê a situação com revolta. "É muito revoltante ver direitos conquistados sendo desmantelados por quem não entende nada da área que ocupa. Não foram poucas as fake news e as falácias que essa 'coligação' alardeou, ainda durante as campanhas, envolvendo arte e cultura por meio da Lei Rouanet. O intuito era colocar a população contra os artistas", considera. "Essa 'revisão' é mais um 'golpe' carregado de falsas informações. Os patrocínios ameaçados atingem grupos como o Galpão (MG), consagrado e respeitado internacionalmente", ressalta. Para Fran Teixeira, esse primeiro movimento "esvai" o fomento de encontros entre artistas de diferentes locais e de públicos com diferentes artistas. "Sem um programa assim jamais teríamos podido nos deslocar até Rio Branco, por exemplo. Sem um Programa assim toda uma cena teatral brasileira fica sem poder ser conhecida fora de sua cidade. O teatro é um acontecimento que depende do encontro. Reduzir, minguar, querer anular essa possibilidade é um profundo desrespeito com todos nós", aponta.

Rogério questiona o modo com que a revisão está sendo feita. "Acho importante a revisão de qualquer política cultural desde que o debate seja público, com dados concretos que mostrem por exemplo quanto de retorno de marca em mídia que a Petrobras ganhou contrastando com o seu investimento, a diversidade dos projetos, a abrangência nacional. O que vai ter continuidade? E o que vai ter que mudar?", elenca. "Cultura é investimento, não despesa", defende. "Não só os artistas perdem com isso, mas a sociedade como um todo", dialoga Herê. "Cultura é o elemento de união de um povo, é tão fundamental quanto saúde, transporte e educação. Por isso, deve ser também uma das prioridades dos governos", acrescenta a diretora. Para ela, o discurso de eleger "outras prioridades" põe a população contra os artistas. "Com isso, eles criam medidas antidemocráticas e excludentes tais como a extinção do Ministério da Cultura, a retirada dos incentivos culturais destinados ao sistema S, as revisões dos contratos da Petrobrás e outras estatais, estimulam a censura nos equipamentos culturais e ameaçam perseguição aos movimentos culturais. Acredito, porém, que toda ação provoca uma reação. Está mais do que na hora de reagirmos", defende.

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