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Sessão suspensa
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Sessão suspensa

| CONTINUAÇÃO DA CAPA | Sessão Vitrine, projeto de distribuição de filmes brasileiros, deixa de ter apoio da Petrobras em meio à "revisão" dos patrocínios da estatal anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro
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Temporada, de André Novais, foi lançado na Sessão Vitrine Petrobras em janeiro (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Temporada, de André Novais, foi lançado na Sessão Vitrine Petrobras em janeiro

Mais de 25 filmes lançados em mais de 25 cidades em todas as regiões do País. Ingressos em salas parceiras a R$ 12 no máximo. Público total estimado de 150 mil pessoas. Firmada na cadeia produtiva do audiovisual, a Sessão Vitrine Petrobras, projeto da distribuidora Vitrine Filmes, deixará a partir de março de ter o patrocínio da estatal, conforme adiantou a coordenadora e curadora do projeto Talita Arruda. A notícia vem na esteira da recentemente anunciada "revisão" dos patrocínios da estatal anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL).

O projeto iniciou sem patrocínio em 2011, seguindo-se uma edição em 2013, na intenção de trazer filmes recentes do cinema brasileiro às salas de cinema. "Filmes circulavam nos festivais tendo ótima recepção de crítica e público, só que tinha o gap que eles não chegavam às salas comerciais. A Sessão Vitrine nasce com essa proposta, visando formação de público e sendo conhecida pelo zelo de curadoria", contextualiza Talita.

O apoio da Petrobras à Sessão veio em 2017, quando o projeto retornou. "Era um desejo voltar, e com (o valor do) ingresso reduzido para facilitar a acessibilidade do público a este cinema mais independente", explica a coordenadora. "A gente foi crescendo, na dinâmica de um lançamento por mês e a parceria (com as salas) permite que o filme fique pelo menos duas semanas em cartaz, o que ajuda bastante na performance", elenca.

Em janeiro, a Sessão Vitrine Petrobras lançou o longa mineiro Temporada, de André Novais, e na próxima quinta, 21, estreia o paulista Lembro Mais dos Corvos, de Gustavo Vinagre - último lançamento da Sessão sob o patrocínio da estatal. "Nosso contrato com a Petrobras está vigente até agora, sendo que não irá acontecer a renovação. O último contrato se referia a 16 títulos para serem lançados e o 16º é o Lembro Mais dos Corvos. A Sessão Vitrine passa a não ter patrocínio a partir de março", adianta Talita.

O longa paulista é um documentário protagonizado pela atriz trans Julia Katharine e, junto dele, será distribuído o curta Tea For Two, dirigido pela protagonista. Rodrigo Carneiro, produtor do filme, destaca a visibilidade que a obra ganha ao ser lançado pelo projeto. "Há todo um cuidadoso serviço de promoção do filme que começa antes do lançamento que é fundamental para atrair o público. O alcance do programa também é um fator notório: será lançado em aproximadamente 27 salas e ficará em cartaz por duas semanas. Para um filme como o nosso, documentário, intimista, com um orçamento que não ultrapassou R$ 10 mil, poder ser distribuído nessas condições é uma vantagem grande", lista.

Com a descontinuidade, Rodrigo sublinha que filmes com "perfil mais 'autoral' certamente terão mais dificuldades em encontrar um espaço de visibilidade tão grande" quanto a proporcionada pela Sessão. "Está cada vez mais difícil visualizar alguma saída nos diversos âmbitos da atividade cinematográfica, falo isso desde o meu lugar de pequeno produtor. As reconfigurações que estão sendo implantadas nos editais de financiamento de produção veiculam mais fortemente a pontuação dos projetos a números de bilheterias. Acredito que estamos passando por um momento de reconfiguração das práticas de produção e exibição cinematográfica e há mais incertezas do que possíveis caminhos", afirma Rodrigo.

Para Pedro Azevedo, curador e programador do Cinema do Dragão, parceiro do projeto em Fortaleza, a Sessão se destaca, além da reunião de "filmes que dificilmente ganhariam amplo espaço de distribuição comercial", pelos debates com os realizadores. "Ao longo dos últimos dois anos pudemos receber figuras como Leandra Leal, André Novais Oliveira, Pablo Giorgelli, Quentin Delaroche, Beatriz Seigner, Julia Katharine, entre vários outros", lista. A descontinuidade do patrocínio, para o curador, é "a descontinuidade de um projeto que vem demonstrando resultados concretos de sucesso". A média de espectadores por filme, conforme Pedro, é superior a 6 mil, número acima da média de mais da metade dos lançamentos nacionais em 2018, compara. "Temo não só pela Sessão Vitrine, mas também por festivais e salas que dependem do patrocínio da Petrobrás. Estamos falando de bilhões de reais investidos na cultura e que geram uma massa enorme de patrimônio material e imaterial pro Brasil", reforça Pedro.

"A Sessão Vitrine é um projeto que com certeza impacta a cadeia produtiva do audiovisual e isso é uma coisa que a Petrobras também tinha muita ciência. Ela é uma empresa que de fato prestava atenção a todos os elos do audiovisual, patrocinava a produção de filmes, a realização de festivais, como o Festival do Rio, e a distribuição. Essa não renovação do projeto é um retrocesso que diz de um pensamento que deixa de existir, um pensamento que entendia a importância do cinema brasileiro", aponta Talita. "Enquanto empresa que majoritariamente lança filmes brasileiros, com mais de 100 lançados, ficamos preocupados de já ter essa sinalização logo no início do ano. A Sessão vinha mostrando resultados positivos. Ter um corte, uma mudança de prioridades, o simbólico dessa ação é muito forte, pode antever medidas que virão. A Petrobras tinha uma política de continuidade das políticas públicas voltadas à cultura que foi rompida e sempre quando você tem um rompimento é muito difícil a renovação, a retomada disso", conjectura. "A Sessão Vitrine continua, vamos buscar novos patrocinadores, nos reestruturar e ver como seguir, mas entendo que essa mudança de prioridades é um grande retrocesso de políticas que a gente vem conquistando", aponta. (João Gabriel Tréz)

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