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Verde que te quero cinza
Vida & Arte

Verde que te quero cinza

Edição Impressa
Tipo Notícia

A Nícia Paes e Paulo Cardoso

Céu de vidro, azul fumaça, quatro graus de latitude, Fortaleza é uma cidade de clima quente. Rua estreita, praia e praça, é arena e ataúde para muita gente. A população desta Loura Incandescente do Sol desenvolveu hábitos curiosos para conviver com a canícula, tais como esperar o ônibus na linha da sombra do poste, aguardar o sinal abrir debaixo dos pés-de-pau e cobrir a cabeça do bebê de colo com um pano. Por estas bandas, sombra é vida, principalmente se tiver um ventinho encanado batendo nos peitos. Nos meios arquitetônicos, essas estratégias conformam o chamado conforto ambiental, modo de fazer a natureza e o construído dialogarem de forma equilibrada em função do bem estar humano. Essa relação rege desde sempre a morada do homem na Terra.

Entretanto, há quem ache que um planeta de concreto, cinza, impenetrável e abafado, é o melhor dos mundos. Que árvores são trambolhos descartáveis e que as cidades devem ser pensadas tendo em vista somente os desígnios do deus automóvel. Que túneis, viadutos e autopistas são o nirvana tornado real. Observando as intervenções realizadas pela municipalidade em nossa cidade, vemos que a supressão arbórea (eufemismo para corte indiscriminado de árvores) caracteriza o seu conceito de urbanismo e paisagismo. Que fogueira será essa que vai consumir tanto lenho transformado em lenha? Parte-se do princípio que as massas verdes são obstáculos a serem retirados do caminho em prol de uma estratégia de embelezamento urbano que privilegia o calorão...

Claro, o planejamento tabajara resolverá todos os nossos problemas: para cada árvore ceifada, outras dez serão plantadas. Lógica obtusa, pois focada na quantidade e não na qualidade ambiental. Quanto tempo leva uma muda para se tornar uma árvore adulta? Como reparar a perda de paisagens notáveis? Na memória, remanescem as tristes imagens da devastação do bosque onde por muito tempo funcionou a Churrascaria Parque Recreio e da verdadeira floresta que um dia foi aquele terreno situado na Aldeota, na confluência das avenidas Santos Dumont e Virgílio Távora. E o que dizer da aridez da Domingos Olímpio, da Aguanambi, da Antônio Sales, da Bezerra de Menezes, entre tantas nossas peladas avenidas? E do que estão fazendo na Beira-Mar? Égua!

Espero que isso não seja reflexo das propostas que o governo bozonazi tem exibido nas praças públicas física e virtual para a agenda ambiental. Ver Chico Mendes como uma nulidade, considerar o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama e o ICM-Bio como meras fábricas de multas, submeter o licenciamento de projetos ambientais ao talante dos ruralistas e propor a retirada do Brasil do Acordo de Paris são itens do menu da atual administração federal. Os crimes de Mariana e Brumadinho tendem a ficar impunes. De nada adianta, ministros, os cocares em vossas cabeças se estas estão apenas comprometidas com a destruição do meio ambiente. Como disse Victor Hugo, é triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a houve. Ou quando, vil, a despreza.

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