Logo O POVO+
Balanço da 22ª Mostra de Tiradentes: Forma e conteúdo
Foto de João Gabriel Tréz
clique para exibir bio do colunista

João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Balanço da 22ª Mostra de Tiradentes: Forma e conteúdo

|BALANÇO|Seleção de longas da Mostra Aurora da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes trouxe invenção formal e reflexões sobre identidades e corpos do cinema
O cearense Tremor Iê é uma realização coletiva de Elena Meireles, Deyse Mara, Lila M Salú e Lívia de Paiva
 (Foto: divulgação)
Foto: divulgação O cearense Tremor Iê é uma realização coletiva de Elena Meireles, Deyse Mara, Lila M Salú e Lívia de Paiva

O tema da 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que terminou no último dia 26, foi "Corpos Adiante". A proposta foi discutir os corpos narrados, mostrados, apresentados, refletidos e relacionados ao cinema, a partir de vieses formais e temáticos - como eles são mostrados, quem os mostra, o quanto de subjetividade possuem ou não. Nos sete filmes da competitiva Mostra Aurora, principal do evento, as questões atravessaram as obras em si e as discussões e
reflexões sobre elas.

Neste ano, por exemplo, Tiradentes, pela primeira vez, pediu autodeclaração de raça e gênero dos realizadores no ato da inscrição dos filmes. Entre os 10 cineastas dos sete filmes da Aurora, por exemplo, foram cinco mulheres e cinco homens cisgêneros (pessoas que se identificam com o gênero que as foi designado ao nascer), sendo que apenas uma das mulheres é negra. A decisão de abrir espaço para este mapeamento numérico é importante e coloca o evento em um lugar de compromisso de equalizar os números
nas edições futuras.

Entre os destaques da Aurora, figuram o vencedor do prêmio de Melhor Filme pelo Júri da Crítica, o goiano Vermelha, dirigido por Getúlio Ribeiro; o carioca Um Filme de Verão, com direção de Jo Serfaty; e o cearense Tremor Iê, com direção de Elena Meirelles e Lívia de Paiva. O primeiro ousa especialmente na forma, trazendo uma narrativa alquebrada e aleatória, com desconexão constante entre planos, sons e ideias, mas estabelecendo um olhar curioso para a intimidade das personagens. Arriscar uma sinopse seria difícil, mas é possível dizer que Vermelha mostra relances do cotidiano do protagonista, Gaúcho, com sua família e amigos - todos sendo família e amigos do próprio realizador. Constrói-se, então, um retalho de vivências suburbanas, que, ao mesmo tempo, são relacionáveis e escapam da "normalidade".

A abordagem formal do filme carioca, por sua vez, se aproxima da do vencedor, mas caminhando por outras temáticas. Construído em um processo de seis anos, a partir de um projeto com quatro estudantes de uma escola pública da região do Rio das Pedras, Um Filme de Verão aborda na mesma chave "aleatória" recortes de um período de férias de Karol, Ronaldo, Caio e Júnior. Os quatro atuam como si mesmos e, além disso, também assinam o roteiro da obra, junto à diretora, além de Ricardo Fogliato e Isaac Pipano. No filme, enfim, os corpos são mais diversos e, pelo caráter de juventude e formação inerente às personagens, com mais possibilidades.

Tremor Iê tem roteiro assinado pela dupla realizadora e pelas atrizes principais Deyse Mara e Lila M Salú, além de Petrus de Bairros. Na obra, fortalecem-se as ideias temáticas desta edição da mostra a partir da presença de corpos que são geralmente invisibilizados e dessubjetivados no cinema. Assim, mulheres negras, lésbicas e periféricas são colocadas no centro narrativo, formalmente potente e calcado na ideia de uma realização coletiva e frontal. Contando sobre um futuro que tem muito de hoje e antes, a obra mostra o reencontro de duas amigas em um Brasil comandado por um governo antidemocrático. Mesmo não premiado no evento, Tremor Iê mexeu com os caminhos da mostra, sendo referenciado e citado após sua exibição.

Um destes foi no debate do documentário mineiro A Rainha Nzinga Chegou, de Junia Torres e Isabel Casimira Gasparino, esta última também protagonista do longa. A obra apresenta a Guarda de Moçambique Treze de Maio, tradição cultural pautada na ancestralidade africana. Isabel, rainha da guarda, foi uma das presenças mais marcantes da Mostra. Única diretora negra, repetiu: "tudo é pra todo mundo". Recado importante para ser lembrado em tempos que tentam impor mais "oficialmente" silenciamentos e opressões para
corpos não-hegemônicos.

Compuseram ainda a seleção da Aurora o paraibano Desvio, de Arthur Lins - talvez o exemplar destoante da lista, mais pautado em uma noção clássica de narrativa - e os paulistas A Rosa Azul de Novalis, de Gustavo Vinagre e Rodrigo Carneiro, e Seus Ossos e Seus Olhos, de Caetano Gotardo - ambos focando em sexualidades dissidentes.

O repórter viajou a convite
do evento

 

VENCEDORES

Melhor Longa Júri da Crítica: Vermelha (GO),
de Getúlio Ribeiro

Melhor Curta Júri da Crítica: Caetana (PB),
de Caio Bernardo

Melhor Longa Júri Popular: Meu Nome É Daniel (RJ),
de Daniel Gonçalves

Melhor Curta Júri Popular e Prêmio Canal Brasil de Curtas: Negrum3 (SP),
de Diego Paulino

Prêmio Carlos Reichenbach de Melhor Longa da Mostra Olhos Livres: Parque Oeste (GO), de Fabiana Assis

Prêmio Helena Ignez de destaque feminino: Cristina Amaral, pela montagem do longa Um Filme de Verão (RJ), de Jo Serfaty

Foto do João Gabriel Tréz

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?