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No rastro do mensageiro Pierre Verger
Vida & Arte

No rastro do mensageiro Pierre Verger

|FOTOGRAFIA| Arte-educador em percussão e ogan alagbê do Ilê Axé Omindá (BA), Leno Farias nos acompanhou à mostra Orixás, que segue no Museu da Fotografia
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Carioca do Realengo, Leno Farias é arte-educador em percussão e, no Ilê Axé Omindá (BA), possui o cargo de ogan alagbê (responsável pelos toques rituais, alimentação, conservação e preservação dos instrumentos musicais sagrados do candomblé). Convidado a nos acompanhar numa visita à exposição Orixás, de Pierre Verger, que segue até maio no Museu da Fotografia Fortaleza, ele - que reside em Fortaleza desde 1979 - foi especialmente didático ao se referir ao francês. "Perger foi um etnólogo muito importante. Hoje, você não consegue fazer uma pesquisa voltada às culturas de matriz africana no Brasil sem passar por ele. Não tem como", garantiu. Mas, para Leno, a figura de Verger torna-se importante não somente pela fotografia.

"Ele era, a princípio, um fotógrafo. Gostava de registrar a imagem e, depois, se aprofundou na cosmovisão, se iniciou no (culto a) ifá, abriu o diálogo com as matrizes africanas aqui no Brasil, principalmente com o Ilê Axé Opo Afonjá. Verger foi mensageiro porque, além das informações que ele trazia de África, ele levava do Brasil para lá. Ele foi importantíssimo para essa religação", destacou Leno. "Verger foi mensageiro desses dois mundos, não só do mundo físico, aqui dos descendentes africanos com a África, mas entre os ancestrais africanos. Ele levou e trouxe informações que, tanto de um lado quanto de outro, tinham se perdido na passagem pelo Atlântico. Além de ter vivificado, ele também reconstruiu diálogos", complementou.

Caminhando pelas fotografias, 65 ao todo, Leno, aos poucos, esmiuçou alguns códigos que certamente passariam despercebidos aos olhos de leigos. "Existe a mesma concepção de presente, de ofertório, de correlação com a natureza porque, entenda: dentro da perspectiva iorubana, africana como um todo, a visão de mundo e de criação é que o homem não é o centro do universo. Nós pertencemos à terra, a terra não nos pertence. Então, nós somos partículas da natureza, partículas dessa terra que foi vivificada dentro da gente a partir de uma ancestralidade. Então a água, a terra, o vento, tudo isso é a constituição do ser humano e nós participamos do conjunto. Nós fazemos parte de um todo", contextualizou.

Os orixás, de acordo com o arte-educador, caracterizam-se por serem ancestrais míticos e místicos. "Míticos porque passam dentro de contos, de versos (que são Os Versos Sagrados de Ifá), e contam a história e a vida de divindades que têm correlação com a natureza. No caso, Oxum - que é dessa foto (aponta) - é o rio. É o rio Oxum. E aqui no Brasil, ela é a yê yê ô, a mamãe, a mamãezinha, a dona da água doce. Veja: a relação de local de culto é reverência aonde essa divindade é deificada. E ele, Verger, conseguiu captar o momento em que se tem uma relação mais próxima dentro dessa cosmovisão de uma relação próxima com o seu ancestral". No caso específico de Iemanjá, um dos orixás mais cultuados no Brasil, Leno apontou uma diferenciação entre esses dois mundos.

"Ela se tornou uma divindade do mar. Mas, em África, ela é um rio. Ela é a dona da grande lagoa, do lago doce, do rio. Ela trafega no rio Ogum e faz a condução ao mangue. É a morada de Nanã. Aí você faz uma correlação com o Brasil: nessa vinda de África para o Brasil, Iemanjá ganha o poder de estar no mar, mas o mar é mãe dela. O mar é o berço de toda a humanidade. Em África, o culto dela é em água doce", explicou Leno, que também descreveu alguns rituais registrados por Pierre Verger como sendo um processo familiar. "São povos e comunidades tradicionais que vivificam a perspectiva de família e algumas dessas cerimônias são abertas. Por exemplo, a minha casa é em Salvador - Ilê Axé Omindá. A nossa raiz é Gantois e nós fazemos essa procissão, tanto da água doce quanto da água salgada. Fazemos todo dia 13 de dezembro com cortejo, atabaques, o povo desce, vai ao Dique do Tororó, vai à praia do Rio Vermelho e entrega presente".

Para Leno Farias, o grande legado de Pierre Verger foi o registro da memória dos povos de matriz africana. "Ele não fez só a comunicação do Velho Mundo com o Novo Mundo. Ele deu visibilidade pra gente. Muita. Tem muita gente que acha que ele não deveria ter mostrado o que mostrou, mas tem muita gente que entende. Eu, particularmente, acho as duas coisas! (risos) Eu entendo o porquê, pelo registro, a visibilidade, o que ele fez, como ele constituiu o desenrolar desse processo e o que isso levou".

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