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| inclusão | Setor de livros em Braille da Biblioteca Pública Estadual completa 40 anos. Atualmente, o acervo tem 3 mil títulos e pode ser acessado gratuitamente
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FORTALEZA, CE, BRASIL,  22-01-2019: José Newton de Almeida, fundador do Setor Braile do Ceará. (Foto: Alex Gomes/O Povo) (Foto: ALEX GOMES)
Foto: ALEX GOMES FORTALEZA, CE, BRASIL, 22-01-2019: José Newton de Almeida, fundador do Setor Braile do Ceará. (Foto: Alex Gomes/O Povo)

O setor de livros em Braille da Biblioteca Pública Estadual Governador Menezes Pimentel completa 40 anos em 2019. O espaço foi criado em 1979, após um encontro entre Lúcia Frota, à época com 20 anos e em busca do primeiro emprego, e o deficiente visual José Newton de Almeida, recém-chegado em Fortaleza, após casar com uma cearense em São Paulo, onde morava. Lá, ele trabalhava como revisor de Braille na Fundação Dorina Nowill para Cegos. "Eu estava andando sozinho e a Lúcia veio me ajudar a atravessar a rua. Durante nossa conversa, ela disse que queria um emprego, mas era muito difícil. Daí falei pra ela que tinha um projeto para criar um setor de livros em Braille na Biblioteca Pública. Prometi a ela um emprego, caso me ajudasse a realizar esse sonho," relembra ele.

"Vim de Sobral para estudar em Fortaleza. Um dia, quando ia deixar meu sobrinho no colégio Rachel de Queiroz, vi o Zé tentando atravessar a Aguanambi. Pensei 'vou ajudar aquele ceguinho'. Na época, eu via uma pessoa com deficiência com aquele olhar de pena. Comecei a puxar conversa e, poucos dias depois, estava na casa dele para aprender o Braille", completa Lúcia. Três meses após o primeiro encontro e já sabendo ler e escrever em Braille, Lúcia e José Newton bateram à porta da Biblioteca Pública, mas não houve interesse em aceitar o projeto. "Após muitas tentativas, soube que o governador da época, o Virgílio Távora, iria participar de um evento na Secretaria de Cultura do Estado. Fui até lá, passei por baixo do cordão de isolamento dos seguranças e entreguei ao Virgílio um bilhetinho, pedindo para que ele nos recebesse. No dia marcado, fomos lá e ele autorizou o projeto por dois anos", explica Lúcia.

Nos dois anos seguintes, Lúcia Frota e José Newton buscaram vários cegos para saber quais livros tinham desejo de ler. "Muitos diziam que queriam prestar vestibular. A partir daí comecei a gravar em fita cassete os livros que eles queriam ler. Também transcrevi vários livros para o Braille com uma máquina de datilografia que tínhamos e, quando ela quebrava, escrevia a mão, utilizando reglete e punção (equipamentos usados para a escrita em Braille). Após os dois anos iniciais, vendo o êxito do projeto, a Secretaria de Cultura do Estado resolveu dar continuidade ao setor. "Mas quando o Zé Newton se aposentou, 20 anos depois, a diretora da época tentou acabar com o setor Braille. Eu fiquei desesperada e criei vários eventos para que o cego viesse à biblioteca, para impedir que o setor fosse fechado. Deu certo, e estamos aqui até hoje", comemora Lúcia.

Atualmente o setor Braille da Biblioteca Pública disponibiliza cerca de 3 mil títulos, divididos em livros em Braille, áudio ou versão ampliada, destinada a pessoas com baixa visão. Para ter acesso aos livros, o usuário deverá fazer um cadastro e pode locá-los por tempo determinado. "Nós também atendemos a pessoas que querem conhecer mais um pouco sobre a deficiência visual, além de realizarmos palestras em escolas", explica Marcos Rodrigues que, ao lado de Lúcia Frota e Thamyle Vieira, são responsáveis pelo atendimento ao público que visita o local.

Há sete anos trabalhando no setor, Marcos acredita que o número de cegos que optam pela leitura em Braille vem diminuindo. Muitos, segundo ele, preferem ler livros através do computador. "O uso da tecnologia para ler livros é, ao mesmo tempo, um avanço e uma preocupação. Avanço porque é uma ampliação do conteúdo e conhecimento, e isso é positivo, mas também é motivo de preocupação porque muitas pessoas estão indo direto para o digital, sem passar antes pelo Braille. É importante que o cego seja alfabetizado antes no Braille, porque ele vai ter contato com a escrita, com a formação das letras. Aí sim, ele deve ir para a leitura de livros em formatos digitais", aponta Marcos. 

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