O que é ser "macho"? Para uns é ser intimidador, forte, violento. Ser, em essência, como a sociedade ocidental sempre pintou os vikings - que são até retratados como peludos e fedidos, para completar o clichê. Essa é a realidade de Como Treinar Seu Dragão (2010), de Dean DeBlois e Chris Sanders, que abriu uma ótima trilogia que se encerra agora. Stoico, pai do protagonista da história - o magricela de voz esganiçada Soluço - é o suprassumo do que se vê como masculinidade e, naturalmente, lidera o povo de Berk contra a ameaça dos dragões.
"Macheza", no entanto, não é qualidade. Tampouco é característica, já que o ideal muda de sociedade a sociedade, de geração a geração. Como Treinar Seu Dragão 3, de Dean DeBlois, é todo sobre um líder destemido, determinado e capaz de feitos heroicos. Acontece que Soluço segue sendo o magricela inseguro com voz de "taquara rachada", como bem define um dos personagens do filme. Diante de tanta adversidade, o protagonista da trilogia é alguém que, com sentimentos, com delicadeza, se prova um personagem extremamente forte. Quase tão forte como Astrid, sua namorada e a verdadeira dona de Berk.
Existe o lado fácil e mais palpável de Como Treinar Seu Dragão. E ele é essencialmente a amizade entre Soluço e Banguela - o "fúria da noite" que vira melhor amigo do garoto no filme de abertura da franquia. O dragãozinho desdentado com força descomunal é intimidador e fofo - ou seja, manufaturado para conquistar tanto adultos quanto a criançada. E nesse universo construído em três filmes, as criaturas aladas ganham diversas sub-divisões, que inteligentemente são apresentadas de forma enciclopédica nos filmes, através do personagem Perna-de-Peixe.
Mas o que transforma Como Treinar Seu Dragão em uma obra de fato marcante é Soluço. No primeiro filme, ele é quase um filho pródigo, que desperdiça os conhecimentos que o pai tenta incuti-lo. Já ali, no entanto, o rapaz se mostra um agente de revolução. Ele transforma uma sociedade a partir do afeto com Banguela. Nesse terceiro filme, isso tudo está escancarado e, ainda que relutante, Soluço se mostra o tipo de líder que o mundo - não só o do longa - precisa.
Como Treinar Seu Dragão apresenta uma "fúria da luz". Em resumo, uma namorada para Banguela e que quebra o status quo de Berk. Com seu dragão de estimação ocupado, Soluço precisa assumir o papel de protagonista que sempre foi dele. Pela primeira vez, o personagem é realmente o líder dos vikings. Alguém capaz de errar ou acertar, mas sobretudo de tomar decisões. Astrid é alguém com características mais clássicas de homens no cinema - naquela visão machista de força - e o filme consegue ainda não impôr uma competição no casal.
No meio desse belo crescimento do personagem, Dean DeBlois constrói, mais uma vez, uma trama graficamente bonita e extremamente divertida. O vilão mais uma vez é descartável - novamente um caçador de dragões e, desta vez, logo aquele que promoveu a quase extinção dos Fúrias da Noite. Só que "Como Treinar Seu Dragão" nunca foi sobre o bem contra o mal. Sempre foi sobre voar, sozinho, com o amor da sua vida ou auxiliado pelo seu melhor amigo. Mas voar.