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Pra seguir tocando

|novos projetos| Depois de lançar seus primeiros discos solo em 2018, Roberto Lessa e Marília Lima preparam o terreno para levar o blues cearense ao Brasil
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Se, no mundo, o blues nunca foi um fenômeno de massa mas conquistou fiéis adeptos, em Fortaleza a regra não é diferente. Há cerca de duas décadas, o estilo que deu origem ao rock se espalhou pela Cidade, ocupou espaços, apresentou uma geração de músicos e conquistou novos ouvintes. De uns tempos pra cá, esse cenário foi amornando à medida que a avalanche sertaneja foi crescendo. No entanto, resistir aos modismos é algo entranhado na história do blues, que sempre encontrou quem defendesse suas raízes.

Marília Lima e Roberto Lessa estão entre esses defensores e ambos tiraram o ano de 2018 para estrear como artistas solo no estilo que veio do Mississipi. Ele, entre uma série de projetos musicais, como a Blues Label, a Gumbo Blues (trio que montou com Gabriel Yang e Marcelo Holanda) e o Blues do Nordeste (dividido com André de Sousa, do Piauí; Gustavo Cocentino, do Rio Grande do Norte; e Rodrigo Morcego, de Pernambuco), lançou em outubro o EP Lone Wolf, com cinco composições próprias inéditas e uma regravação. Marília, que surgiu em 2011 como vocalista da InBlues, lançou em agosto Rosa Negra.

Para Roberto, 2018 começou com ideias voltadas para todos os seus projetos, ao mesmo tempo em que o disco solo foi amadurecendo como um espaço que seria voltado a um blues mais puro. "Eu, que sou um cara absolutamente apaixonado pelo blues, tento fazer algo diferente em cada trabalho. E o que tem de mais diferente nesse disco é que eu tento deixar ele o mais blues possível", explica o músico que, em outros projetos, fica mais livre para mexer com outros estilos, como o rock, o soul e a black music. Até 44 Blues, tema tradicional que ganhou um acento "cabaçal" com o acréscimo das flautas do Maestro Ferreira Jr., tem a intenção clara de aproximar duas culturas. "É um blues feito no norte do Mississipi, que é o 'fife and drums', com o som das bandas cabaçais do Cariri. Quem ouve, fica impressionado do quanto é parecido", diz.

As demais faixas de Lone Wolf são puro blues, com seus maneirismos típicos, solos suingados e letras em inglês narrando desventuras da vida. Rosa Negra tem a mesma raiz, mas aponta para outras vertentes. "Tem todas as minhas referências dentro do som negro, do qual eu sou muito fã. Tem blues, reggae, disco...", explica Marília Lima, que gravou o álbum ao vivo no Cuca Jangurussu em fevereiro do ano passado como parte de um projeto aprovado no Edital das Artes, da Secultfor. "Eu ainda não tinha passado por essa experiência de gravação ao vivo. Foi um desafio muito grande", comenta a cantora que fez um disco cru, roqueiro e com letras, em sua maioria, em português.

"Foi uma oportunidade maravilhosa, até por conta das pessoas que perguntavam por um CD. A gente estava sempre trabalhando e canalizando para outras coisas. Então chegou a hora, as pessoas estavam pedindo e eu também queria", comenta Marília. As composições de Rosa Negra foram divididas com o marido e tecladista Leonardo Vasconcelos. Lançar o disco físico foi importante para ampliar um trabalho e levá-lo para outros estados. "O álbum tem rendido convites. Tenho conseguido mostrar para fora do Estado que eu tenho um trabalho, para que eu possa me apresentar em alguns festivais. Estou caminhando, estou jogando e pensando em novos singles, clips", explica a cantora. Atualmente sendo mãe (do Teo) e artista em tempo integral, Marília precisa sempre encontrar novas formas de divulgar a própria música. "Porque todo mundo quer coisa nova sempre e daqui pra frente vai ser mais ainda. Tem que inventar e mostrar pra eles", atesta.

Essa fome por novidades também move Roberto Lessa, que tomou gosto pelo disco de estreia e já planeja mais gravações em meio aos shows, produções e os compromissos de funcionário da Cagece. "Eu ainda não estou tocando tanto quanto gostaria. O disco ainda não está rendendo porque você tem que ter um trabalho intenso. Você que é independente, pra conseguir mostrar seu trabalho, tem que aparecer, ser presente. Felizmente, estou tendo algumas parcerias muito boas de gravação e produção, e isso tem me ajudado muito a fazer todo esse processo", analisa ele, adiantando que já tem várias canções prontas para entrar em estúdio.

A vontade de novos discos para ambos é presente, mas é preciso entender o novo momento do mercado, quando o disco físico virou produto de nicho e toda a produção precisa estar nas plataformas de streaming. "O CD eu tenho fisicamente porque é bonitinho, tem encarte, dedicatória. Mas as pessoas querem mesmo saber é se está nas plataformas. As pessoas perguntam como acham, em quais plataformas está", confirma Marília. A cantora pretende seguir com gravações disponibilizadas online ao longo de 2019. "Principalmente quem é independente, não tem aquele padrão de lançar um disco, passar um ano em turnê e só no outro ano lançar outro disco. Você tem como gravar, tem como fazer e estar sempre lançando porque o prazo de validade dos lançamentos está mais curtinho. Ou seja, voltamos aos compactos que talvez o Brasil não tenha encarado como os EUA", comenta Roberto. "Se a gente tem material pra colocar pras pessoas, e enquanto a gente puder, já que é tão apaixonado por música, por que não colocar? Se não fizer, como vamos chegar ao público que pede?", devolve Marília.

Para Roberto muita coisa mudou no blues cearense. Houve uma época em que, com a cena forte e articulada, eles montaram uma associação, a Casa do Blues, que promovia shows, tinha sede e realizava eventos. Com o tempo, essa cena foi se pulverizando. "Talvez a gente nunca tenha produzido tanto quanto agora em termos de gravações, lançamentos, mas nunca tocamos tão pouco. Diferente da época em que a Casa do Blues tinha uma atuação mais frequente, quando existiam vários shows, bandas surgiram a partir disso", rememora. "Tem também outros estilos que dominam, que é o sertanejo, o forró. Eles dominam todo o cenário, a mídia, porque eles têm muito dinheiro. Hoje tem algumas exigências, mas não são as casas. É o público", acrescenta Marília.

"Até gente que tem uma história no blues nacional está com dificuldade de tocar no Brasil. Minha agenda, normalmente, é em bares e restaurantes, mas poucos são os bares que aceitam o blues", amplia Roberto que, assim como Marília, não pretende deixar as dificuldades amornarem sua vontade de fazer música. Ele começa 2019 em Teresina (dia 16) se apresentando ao lado dos músicos Flávio Stambowsky e André de Sousa. Além de tentar "furar" mais a programação dos festivais de blues, ele também pretende seguir as gravações solo e com as bandas Gumbo Blues e Blues Label. Ela segue com agenda fixa no La Frontera Tex-Mex (junto com a guitarrista Débora Marc, às quintas) e na Toca do Plácido (aos sábados).

Capa do disco Lone Wolf, de Roberto Lessa
Capa do disco Lone Wolf, de Roberto Lessa

Lone Wolf, Roberto Lessa

6 faixas

Independente

Preço médio: R$ 10 (CD) e disponível nas plataformas
de streaming

Capa do disco Rosa Negra, de Marília Lima
Capa do disco Rosa Negra, de Marília Lima

Rosa Negra, Marília Lima

12 faixas

Independente

Preço médio: R$ 20 (CD) e disponível nas plataformas
de streaming

 

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