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Rio Coaçu. Justiça determina remoção de moradores
Reportagem

Rio Coaçu. Justiça determina remoção de moradores

| ÁREA DE PRESERVAÇÃO | Pela decisão, Prefeitura de Fortaleza deve demolir o restaurante Zé do Mangue e remover da comunidade. Município recorreu da decisão
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JOSÉ OSMAR da Silveira, 62, é proprietário do restaurante Zé do Mangue (Foto: AURELIO ALVES)
Foto: AURELIO ALVES JOSÉ OSMAR da Silveira, 62, é proprietário do restaurante Zé do Mangue

O funcionamento do tradicional restaurante Zé do Mangue, assim como a permanência dos moradores da comunidade do entorno do estabelecimento é incerto. Isso porque a 7ª Vara da Fazenda Pública ordenou à Prefeitura de Fortaleza a remoção de propriedades às margens do rio Coaçu, na Sapiranga, por se localizarem em Área de Preservação Permanente (APP).

Para o Ministério Público do Estado (MPCE), órgão que moveu a ação, a Prefeitura não efetuou a devida proteção da área e "se esquivou da obrigação de proteger o meio ambiente em área de proteção."

A decisão dá prazo de um ano para a "demolição de todas as unidades residenciais e comerciais no espaço." Conforme o texto, também é de responsabilidade da administração municipal a indenização dos afetados. Segundo moradores, em torno de 300 famílias vivem na região.

O Município, por outro lado, recorreu da sentença. "A Prefeitura de Fortaleza interpôs recurso de apelação contra a decisão de demolição e desapropriação do empreendimento 'Zé do Mangue'." Nota enviada pela assessoria da Procuradoria Geral do Município (PGM) informa que "o município aguarda decisão judicial do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ- CE) para providências."

José Osmar da Silveira, 62, conhecido como Zé do Mangue, afirma morar na área há 42 anos e que, se tiver de sair, espera uma indenização. "Eu não tenho pra donde ir. Pra eu poder sair daqui, só se for indenizado, pra eu comprar um ponto que me agrade. Eu criei minha família toda aqui. Por sinal, estou criando os netos também já. Eu não tenho como ir pra outro canto. O meu trabalho é aqui. Daqui é que a gente tira o sustento da minha família toda", externa José.

A sentença prevê que o Município realize levantamento de "todos os imóveis indevidamente edificados" na área de preservação do Rio Coaçu. Com a remoção, os moradores deverão ser incluídos em "unidades habitacionais". Após o processo, deve ser realizada vigilância da área "para evitar novas invasões."

A Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) e a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) não responderam os questionamentos da reportagem sobre a realização de estudo de impacto da comunidade no mangue, a quantidade de residências na região afetada nem o processo de remoção dos moradores.

À parte desse processo, a Secretaria do Meio Ambiente (Sema), gestora do Parque do Cocó, realiza cadastramento das edificações de famílias dentro da área do equipamento. "Estamos fazendo levantamento das edificações no Parque do Cocó no trecho entre a BB 116 e a foz do rio", explica Leonardo Borralho, articulador das unidades de conservação. Além disso, estão sendo feitos diagnóstico socioeconômico da área e estudo antropológico sobre comunidades tradicionais. Os estudos servem de base para remoções realizadas pelo Estado.

Rio

Com pelo menos 25 quilômetros de extensão, as águas do Rio Coaçu percorrem quatro municípios da Grande Fortaleza: Itaitinga, Aquiraz, Eusébio, além da capital, onde deságua no rio Cocó.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 09-07-2019: Zé do Mangue. Moradores das proximidades do Rio Coaçu e do Rio Coco estão sem mobilizados para ser retirados das proximidades dessa area verde. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 09-07-2019: Zé do Mangue. Moradores das proximidades do Rio Coaçu e do Rio Coco estão sem mobilizados para ser retirados das proximidades dessa area verde. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

Moradia e sustento

Ao final da rua Tancredo de Souza Carvalho, no Edson Queiroz, e à beira do rio Coaçu, José Osmar da Silveira, 62 anos, encontrou, em 1976, o lugar onde espera viver toda a sua vida. "Por mim mesmo eu ficava aqui até o finzinho", garante. Foi neste terreno que José formou a família e construiu o restaurante que desde 1982 é parte da história da Cidade: o Zé do Mangue. "Eu criei minha família toda aqui. Por sinal, estou criando os netos também já", conta. Além do restaurante, seis casas ocupam a terra, que, para o Zé, representa tranquilidade e o sustento da família.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 09-07-2019: Sr. Rocha. Moradores das proximidades do Rio Coaçu e do Rio Coco estão sem mobilizados para ser retirados das proximidades dessa area verde. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 09-07-2019: Sr. Rocha. Moradores das proximidades do Rio Coaçu e do Rio Coco estão sem mobilizados para ser retirados das proximidades dessa area verde. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

Vida tranquila

Raimundo Aguiar Rocha, 70 anos, descobriu o restaurante Zé do Mangue na década de 1990. Apaixonado por natureza e já tendo morado em diversas praias, o comerciante aposentado decidiu que seria ali seu novo lugar. "Tranquilidade, não tem barulho. Eu gosto da paz aqui", externa. Ao lado do restaurante, o Sr. Rocha, como é conhecido, leva uma vida pacata, cercado de seus diversos bichos: pôneis, vacas, cachorros, carneiros e pássaros. Sobre a possibilidade de ir embora, o aposentado diz não ter preocupações: "Qualquer paixão me diverte. Se tiver que sair, vou pra um lugar que seja igual ou parecido".

FORTALEZA, CE, BRASIL, 09-07-2019: Adriano, Operador de maquinas. Moradores das proximidades do Rio Coaçu e do Rio Coco estão sem mobilizados para ser retirados das proximidades dessa area verde. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 09-07-2019: Adriano, Operador de maquinas. Moradores das proximidades do Rio Coaçu e do Rio Coco estão sem mobilizados para ser retirados das proximidades dessa area verde. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

Lugar de recomeço

A morte de um irmão por conflitos de facções levou o operador de máquina Adriano Rodrigues, 32 anos, a buscar novo lugar com a família. Há sete anos no terreno, que, hoje está no centro do conflito judicial, ele afirma que não tem para onde ir sem uma indenização. Voltar a morar em um bairro sem segurança também não é cogitado. "O medo que a gente tem de sair daqui é porque eles oferecem casa de mutirão. Pra gente ir pra mutirão, eles têm que perguntar qual é a facção que a gente quer, porque está desse jeito", receia Adriano.

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