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Estado quer reaver R$ 90 milhões de 23 principais sonegadores de ICMS no Ceará
Reportagem

Estado quer reaver R$ 90 milhões de 23 principais sonegadores de ICMS no Ceará

Empresários maus pagadores do imposto estadual serão intimados para negociar valores de dívidas. Se não fecharem acordo, poderão responder criminalmente por apropriação indébita de tributo. Medida é parte das primeiras operações definidas pelo Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) no Ceará
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Fachada do prédio da Sefaz, localizado na avenida Pessoa Anta, no Centro de Fortaleza. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO) (Foto: TATIANA FORTES)
Foto: TATIANA FORTES Fachada do prédio da Sefaz, localizado na avenida Pessoa Anta, no Centro de Fortaleza. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO)

A relação das 23 principais empresas devedoras do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no Ceará tem incluídas uma empresa de ônibus, indústrias do segmento de mineração e bebidas, estabelecimentos comerciais de serviço e do ramo varejista. Elas chegam a declarar o recolhimento do tributo, mas não repassam os valores ao Estado. A divulgação dos nomes na lista é impedida por conta do sigilo fiscal. Seus débitos principais, somados, são de R$ 57,1 milhões. Quando acrescidos de juros, correções e multas, em dívidas acumuladas desde 2015, o montante salta para a casa dos R$ 90 milhões.

O governo estadual não vai abrir mão desse dinheiro e definiu que cobrará de forma mais incisiva. As primeiras notificações deverão ser expedidas até o próximo mês. Os maus pagadores serão intimados para audiência e deverão comparecer já com as situações do débito negociadas - quitadas integralmente ou em parcelamento. Caso contrário, poderão ser cobrados judicialmente na área penal, além da dívida do imposto. O empresário devedor poderá responder pelo crime de sonegação, que prevê de seis meses a dois anos de detenção e multa, além da quitação do débito. Se a Justiça avaliar a situação de delito continuado, pode agravar o tempo da pena.

Estas serão as primeiras medidas executadas pelo Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) no Ceará. O grupo foi criado em março deste ano. Até então vinha mantendo reuniões de planejamento, antes desta fase de efetivação das ações. Nele estão representantes de cinco órgãos e a intenção é frear os grandes esquemas e práticas deliberadas de sonegação local de ICMS.

Os membros são representantes da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), secretarias da Fazenda (Sefaz) e da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e do Tribunal de Justiça (TJCE). Os trabalhos são divididos internamente entre os grupos diretivo (formado pelos chefes de cada instituição, que deliberam as ações), e operacional (com mais integrantes dos órgãos-membros, para executar o que foi definido).

O modelo do Cira já é aplicado em 24 dos 27 estados da federação para reforçar a cobrança dos impostos estaduais (exceção ao Piauí, Rondônia e Tocantins). Alguns atuam há cerca de dez anos, como Minas Gerais e Espírito Santo. O Cira-Ceará foi criado em ato normativo pelo governador Camilo Santana.

Segundo o promotor de justiça Ricardo Rabelo, coordenador operacional do Cira, as empresas listadas estão sendo tratadas como "devedoras contumazes". Por usarem repetidamente a fraude para aumentar suas margens de lucro e tentar driblar o fisco estadual. Os membros operacionais vinham se reunindo desde março e a primeira reunião do grupo diretivo ocorreu no início de junho, quando foram aprovados os critérios para essa primeira fase de atuação. O procurador-geral do Estado, Juvêncio Vasconcelos, é o coordenador diretivo do Cira.

"Um dos critérios estabelecidos pelo Cira é diferenciar o inadimplente do sonegador. Separar o empresário que passa realmente por uma dificuldade financeira, e não conseguiu recolher o tributo, daquele que faz isso como uma estratégia financeira da empresa", afirma Rabelo, que também é o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf) do Ministério Público Estadual.

O promotor afirma que o Cira adotou "critérios 100% objetivos" para estabelecer o perfil dos maiores sonegadores. "Não existe margem nenhuma para discricionariedade, para que o Cira defina que essa empresa sim, essa não. São critérios objetivos". O principal deles: a empresa deve estar com débito de ICMS declarado e não pago, inscrito na dívida ativa, referente a quatro períodos, consecutivos ou não, no tempo de 12 meses. Os devedores serão ordenados na listagem do valor maior para o menor e também pela quantidade de períodos declarados e não pagos.

Também foi acertado que serão cobradas apenas dívidas nascidas a partir de 2015, por conta do prazo de prescrição, estabelecido na Lei de Crimes contra a Ordem Tributária. Os casos se enquadram no artigo 2, inciso II, da lei 8.137/90: "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos".

Ricardo Rabelo esclarece que há a prescrição penal, mas não a tributária. Interrompe a acusação do crime, mas a cobrança do imposto continua. Foi deliberado pelo Cira que só serão notificadas as empresas devedoras que estejam com o nome ativo no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Foram excluídas do perfil as que estão em recuperação judicial ou com bens ou quantias empenhadas como garantia para cobrir a dívida. A proposta, no momento, é mirar a prática irregular, não um segmento específico.

STF decidirá se empresário que não declara imposto é criminoso ou inadimplente

Uma decisão da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, de agosto do ano passado, referencia a criação, em março de 2019, do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) no Ceará. Até então, a interpretação dos magistrados era dividida nas turmas da Corte, sobre considerar se havia ou não o crime de apropriação indébita tributária, cometido por empresários que não pagavam valores declarados de ICMS cobrados aos seus clientes.

Com o entendimento dos ministros, em votação por seis a três, a conduta passou a ser criminosa, não mais apenas de inadimplência. A decisão negou um pedido de habeas corpus de dois empresários de Santa Catarina que haviam sido condenados pela mesma situação. O caso está agora no Supremo Tribunal Federal (STF), para julgamento do mérito do recurso.

"O trabalho do Cira acabou ganhando força por conta das decisões no STJ, que passaram a dizer que era possível essa responsabilização criminal dos contribuintes que declaram valores relativos a ICMS mas não recolhem - enquadrando-os na figura de devedores contumazes", reconhece a secretária da Fazenda no Ceará, Fernanda Pacobahyba. Segundo ela, os Estados estão cheios de valores em que os contribuintes declaram e não pagam o imposto.

Com a iniciativa dos Ciras, "cada comitê estabelece seus critérios próprios para definir o perfil local do devedor contumaz", explica Pacobahyba. Coordenador operacional do Cira-Ceará, o promotor Ricardo Rabelo ressalta que o valor do tributo sequer é pago pelo empresário, mas pelo consumidor. "O consumidor é o verdadeiro contribuinte. O CNPJ é mero repassador do valor. Quando não repassa e se apropria, entra nos critérios de devedor contumaz". (Cláudio Ribeiro)

Sobre o Cira-Ceará

Entre os integrantes do Cira-Ceará, no grupo operacional, há dois auditores da Secretaria da Fazenda, três promotores de Justiça, três procuradores do Estado e dois delegados da Polícia Civil.

Entre as cinco instituições, o TJCE tem representação apenas no grupo diretivo do Cira. A ideia é manter o distanciamento das execuções, porque será julgador das possíveis ações penais.

Nessa primeira etapa de atuação do Cira, o foco é o combate aos contribuintes omissos, mas isso não impede que eventual denúncia de fraude, encaminhada ao Cira ou diretamente às instituições, seja executada paralelamente pelo Cira. A medida dependerá de decisão do grupo diretivo do Comitê.

Em setembro, em Recife, será realizada a 3ª Reunião Nacional dos Ciras. As outras duas foram em Belo Horizonte (2017) e João Pessoa (2018).

Quem é devedor contumaz de ICMS

Critérios de cobrança definidos pelo Cira-Ceará

Para efeito de atuação inicial do Cira, será considerado contumaz aquele que possui débito de ICMS declarado e não pago, inscrito na dívida ativa referente a quatro períodos, consecutivos ou não, no período de 12 meses

Ordem de cobrança dos devedores seguirá do maior para o menor valor do débito

Também será considerada ordenação dos devedores a partir da maior quantidade de períodos declarados e não pagos

Serão vistos débitos a partir de 2015, por causa da prescrição da Lei de Crimes contra a Ordem Tributária

Será considerado o valor principal da dívida, sem juros, multas e encargos

Serão cobrados contribuintes ativos, com CNPJ em vigência

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