A relação das 23 principais empresas devedoras do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no Ceará tem incluídas uma empresa de ônibus, indústrias do segmento de mineração e bebidas, estabelecimentos comerciais de serviço e do ramo varejista. Elas chegam a declarar o recolhimento do tributo, mas não repassam os valores ao Estado. A divulgação dos nomes na lista é impedida por conta do sigilo fiscal. Seus débitos principais, somados, são de R$ 57,1 milhões. Quando acrescidos de juros, correções e multas, em dívidas acumuladas desde 2015, o montante salta para a casa dos R$ 90 milhões.
O governo estadual não vai abrir mão desse dinheiro e definiu que cobrará de forma mais incisiva. As primeiras notificações deverão ser expedidas até o próximo mês. Os maus pagadores serão intimados para audiência e deverão comparecer já com as situações do débito negociadas - quitadas integralmente ou em parcelamento. Caso contrário, poderão ser cobrados judicialmente na área penal, além da dívida do imposto. O empresário devedor poderá responder pelo crime de sonegação, que prevê de seis meses a dois anos de detenção e multa, além da quitação do débito. Se a Justiça avaliar a situação de delito continuado, pode agravar o tempo da pena.
Estas serão as primeiras medidas executadas pelo Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) no Ceará. O grupo foi criado em março deste ano. Até então vinha mantendo reuniões de planejamento, antes desta fase de efetivação das ações. Nele estão representantes de cinco órgãos e a intenção é frear os grandes esquemas e práticas deliberadas de sonegação local de ICMS.
Os membros são representantes da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), secretarias da Fazenda (Sefaz) e da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e do Tribunal de Justiça (TJCE). Os trabalhos são divididos internamente entre os grupos diretivo (formado pelos chefes de cada instituição, que deliberam as ações), e operacional (com mais integrantes dos órgãos-membros, para executar o que foi definido).
O modelo do Cira já é aplicado em 24 dos 27 estados da federação para reforçar a cobrança dos impostos estaduais (exceção ao Piauí, Rondônia e Tocantins). Alguns atuam há cerca de dez anos, como Minas Gerais e Espírito Santo. O Cira-Ceará foi criado em ato normativo pelo governador Camilo Santana.
Segundo o promotor de justiça Ricardo Rabelo, coordenador operacional do Cira, as empresas listadas estão sendo tratadas como "devedoras contumazes". Por usarem repetidamente a fraude para aumentar suas margens de lucro e tentar driblar o fisco estadual. Os membros operacionais vinham se reunindo desde março e a primeira reunião do grupo diretivo ocorreu no início de junho, quando foram aprovados os critérios para essa primeira fase de atuação. O procurador-geral do Estado, Juvêncio Vasconcelos, é o coordenador diretivo do Cira.
"Um dos critérios estabelecidos pelo Cira é diferenciar o inadimplente do sonegador. Separar o empresário que passa realmente por uma dificuldade financeira, e não conseguiu recolher o tributo, daquele que faz isso como uma estratégia financeira da empresa", afirma Rabelo, que também é o coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf) do Ministério Público Estadual.
O promotor afirma que o Cira adotou "critérios 100% objetivos" para estabelecer o perfil dos maiores sonegadores. "Não existe margem nenhuma para discricionariedade, para que o Cira defina que essa empresa sim, essa não. São critérios objetivos". O principal deles: a empresa deve estar com débito de ICMS declarado e não pago, inscrito na dívida ativa, referente a quatro períodos, consecutivos ou não, no tempo de 12 meses. Os devedores serão ordenados na listagem do valor maior para o menor e também pela quantidade de períodos declarados e não pagos.
Também foi acertado que serão cobradas apenas dívidas nascidas a partir de 2015, por conta do prazo de prescrição, estabelecido na Lei de Crimes contra a Ordem Tributária. Os casos se enquadram no artigo 2, inciso II, da lei 8.137/90: "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos".
Ricardo Rabelo esclarece que há a prescrição penal, mas não a tributária. Interrompe a acusação do crime, mas a cobrança do imposto continua. Foi deliberado pelo Cira que só serão notificadas as empresas devedoras que estejam com o nome ativo no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Foram excluídas do perfil as que estão em recuperação judicial ou com bens ou quantias empenhadas como garantia para cobrir a dívida. A proposta, no momento, é mirar a prática irregular, não um segmento específico.
STF decidirá se empresário que não declara imposto é criminoso ou inadimplente
Uma decisão da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, de agosto do ano passado, referencia a criação, em março de 2019, do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) no Ceará. Até então, a interpretação dos magistrados era dividida nas turmas da Corte, sobre considerar se havia ou não o crime de apropriação indébita tributária, cometido por empresários que não pagavam valores declarados de ICMS cobrados aos seus clientes.
Com o entendimento dos ministros, em votação por seis a três, a conduta passou a ser criminosa, não mais apenas de inadimplência. A decisão negou um pedido de habeas corpus de dois empresários de Santa Catarina que haviam sido condenados pela mesma situação. O caso está agora no Supremo Tribunal Federal (STF), para julgamento do mérito do recurso.
"O trabalho do Cira acabou ganhando força por conta das decisões no STJ, que passaram a dizer que era possível essa responsabilização criminal dos contribuintes que declaram valores relativos a ICMS mas não recolhem - enquadrando-os na figura de devedores contumazes", reconhece a secretária da Fazenda no Ceará, Fernanda Pacobahyba. Segundo ela, os Estados estão cheios de valores em que os contribuintes declaram e não pagam o imposto.
Com a iniciativa dos Ciras, "cada comitê estabelece seus critérios próprios para definir o perfil local do devedor contumaz", explica Pacobahyba. Coordenador operacional do Cira-Ceará, o promotor Ricardo Rabelo ressalta que o valor do tributo sequer é pago pelo empresário, mas pelo consumidor. "O consumidor é o verdadeiro contribuinte. O CNPJ é mero repassador do valor. Quando não repassa e se apropria, entra nos critérios de devedor contumaz". (Cláudio Ribeiro)
Sobre o Cira-Ceará
Entre os integrantes do Cira-Ceará, no grupo operacional, há dois auditores da Secretaria da Fazenda, três promotores de Justiça, três procuradores do Estado e dois delegados da Polícia Civil.
Entre as cinco instituições, o TJCE tem representação apenas no grupo diretivo do Cira. A ideia é manter o distanciamento das execuções, porque será julgador das possíveis ações penais.
Nessa primeira etapa de atuação do Cira, o foco é o combate aos contribuintes omissos, mas isso não impede que eventual denúncia de fraude, encaminhada ao Cira ou diretamente às instituições, seja executada paralelamente pelo Cira. A medida dependerá de decisão do grupo diretivo do Comitê.
Em setembro, em Recife, será realizada a 3ª Reunião Nacional dos Ciras. As outras duas foram em Belo Horizonte (2017) e João Pessoa (2018).
Quem é devedor contumaz de ICMS
Critérios de cobrança definidos pelo Cira-Ceará
Para efeito de atuação inicial do Cira, será considerado contumaz aquele que possui débito de ICMS declarado e não pago, inscrito na dívida ativa referente a quatro períodos, consecutivos ou não, no período de 12 meses
Ordem de cobrança dos devedores seguirá do maior para o menor valor do débito
Também será considerada ordenação dos devedores a partir da maior quantidade de períodos declarados e não pagos
Serão vistos débitos a partir de 2015, por causa da prescrição da Lei de Crimes contra a Ordem Tributária
Será considerado o valor principal da dívida, sem juros, multas e encargos
Serão cobrados contribuintes ativos, com CNPJ em vigência