A disputa começa na linguagem. Venenos ou defensivos agrícolas? O Brasil é o primeiro no consumo de agrotóxicos, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). O aumento vertiginoso da liberação dos produtos nos seis últimos meses atiça a discussão sobre a utilização das substâncias no País. Acrescente a este cenário, a interferência internacional diante da perspectiva de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE).
Aproveitando a proximidade com o governo de Jair Bolsonaro, o agronegócio tenta "virar o jogo" da opinião pública nacional e do mercado exterior com relação à própria imagem. A questão é que o Brasil é considerado permissivo com relação ao uso e à liberação dos agrotóxicos. "Nós não temos conseguido convencer nem a própria sociedade brasileira. Há desinformação", reconhece Marcos Montes, ministro interino da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Para ele, é preciso "derrubar teorias ideológicas que não querem o Brasil competitivo".
Larissa Bombardi, professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo Universidade de São Paulo (USP), destaca que dos dez pesticidas mais vendidos no Brasil, três são proibidos na União Européia. Dos liberados neste ano, 33% são classificadas como "extremamente ou altamente tóxicos" para a saúde e 52% são considerados "muito perigosas" para o meio ambiente.
Conforme Caio Carbonato, professor do Departamento de Produção e Melhoramento Vegetal da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a maior parte das liberações são de registros de produtos que já estão no mercado. "São genéricos de produtos amplamente utilizados pelo mercado e considerados seguros. O importante é analisarmos as novas moléculas que estão sendo analisadas pelas agências reguladoras", diz o diretor presidente da Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais (Fepaf).
Ele argumenta que apesar de o Brasil fazer uso de produtos proibidos na UE, muitos continuam em uso nos Estados Unidos, Austrália, Canadá e Japão. "Países com sistemas regulatórios e fiscalização seguros", conclui. Conforme Carbonato, para fazer uma comparação correta entre os países, é preciso dividir o consumo absoluto pela área cultivada. O que deixaria o Brasil em situação "bem mais confortável."
A pesquisadora Larissa Bombardi discorda do cálculo. Ela propõe uma equação que considere que 45% da área considerada cultivada é dedicada a pastagens - que consomem menos de 10% dos agrotóxicos.
Conforme Elizabeth Nascimento, professora doutora do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da (USP), é preciso diferenciar os conceitos de risco e perigo dos praguicidas. O perigo está relacionado à toxicidade, que é a propriedade inerente à substância em causar efeito nocivo. O risco é a probabilidade da substância produzir dano sob determinadas condições. Assim, seria preciso considerar as substâncias sob as condições adequadas de uso.
"A condição ideal não necessariamente vai se materializar no mundo real. A prescrição do produto deve andar junto com a realidade. Muitos trabalhadores não recebem equipamentos de proteção, não são conscientizados, não entendem o rótulo", contrapõe Luiz Cláudio Meirelles, agrônomo e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Esnp) da Fiocruz. Ele cita que as condições de controle, monitoramento e vigilância são aquém no Brasil.
Ele critica ainda o projeto de Lei 6299/2002, que tramita no Congresso e trata do registro de agrotóxicos. "O projeto reduz o poder e autonomia de estados para legislar e proibir os produtos. Retira as competências dos órgãos de saúde e meio ambiente. Só o Mapa vai fazer isso. Atualmente, os órgãos têm o mesmo peso e competência de avaliar e autorizar.
Evento
O tema foi abordado no Fórum Internacional - Inovação para Sustentabi- lidade na Agricultura, realizado no dia 27, em Brasília, pela Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).