Logo O POVO+
Por que é difícil cassar um mandato em exercício?
Reportagem

Por que é difícil cassar um mandato em exercício?

Polêmica envolvendo André Fernandes acende questionamentos que existem antes de ele entrar na política: até onde vai a imunidade parlamentar?
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Plenário da Assembleia Legislativa do Ceará  (Foto: Júnior Pio/ALCE)
Foto: Júnior Pio/ALCE Plenário da Assembleia Legislativa do Ceará

Após ter usado a tribuna da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE) para alegar que recebe, cotidianamente, denúncias que apontam para o envolvimento de colegas de parlamento com facções criminosas — e, na mesma oportunidade, ter concordado que "alguns fazem parte desse jogo" —, o deputado estadual André Fernandes (PSL), campeão de votos na última eleição, se viu no centro de uma discussão que envolve imunidade parlamentar.

No último dia 17, a questão ganhou contornos mais graves. Ele encaminhou denúncia ao Ministério Público do Ceará (MPCE) na qual associa jogos eletrônicos ao "jogo do bicho" e aponta o colega Nezinho Farias (PDT) como agente fortalecedor de uma organização criminosa. Isso porque o pedetista apresentou Projeto de Lei para regulamentar os tais jogos e reconhece-los como modalidade esportiva.

Embora a possibilidade, nos bastidores da AL-CE, já tenha sido afastada, cogitou-se a cassação do mandato do pesselista por quebra de decoro parlamentar. Esta é, inclusive, uma das três penalidades possíveis que ele poderá sofrer, caso o Conselho de Ética da Casa decida dar prosseguimento às denúncias protocoladas por PSDB e PDT.

O caso do deputado acende questionamentos que existem antes mesmo de ele dar entrada na política partidária: até onde vai a imunidade parlamentar? Por que é tão improvável a cassação de um mandato em exercício?

Após a instalação da Constituição de 1988, o único deputado estadual cearense cassado sem conseguir reaver mandato foi Sérgio Benevides, pelo ainda PMDB, em 2004. Pesou contra o político denúncia de desvio de recursos federais que iriam para a merenda escolar de escolas de Fortaleza. Um dos protagonistas da investigação que culminou na perda do mandato foi o procurador da República Alessander Sales.

Ele analisa que a imunidade parlamentar, embora irretocável, é um direito que coexiste com outros. "A linha é muito tênue: não se pode usar a cassação para aniquilar a liberdade parlamentar. Também não se pode usar a imunidade parlamentar para fazer acusações que são falsas. Isso não está contido na imunidade parlamentar."

Sob ponto de vista jurídico, Sales explica que a imunidade parlamentar pressupõe que o representante terá atuação "mais rigorosa" que a de um "cidadão comum". Ou seja, protege-se mais, mas espera-se mais. "Não se espera de um parlamentar que ele faça denúncias iguais às de um cidadão comum", exemplifica. A partir de perspectiva política, Sales afirma que a dificuldade para eventuais cassações reside no corporativismo, natural ao ambiente parlamentar.

Quando Benevides foi cassado, ele remonta, as provas apresentadas foram "irrefutáveis" e mesmo assim a Assembleia o absolveu num primeiro momento. Um ano depois, sem "fatos novos" no processo, a mesma composição de deputados o afastou. "Gerou indignação social tão grande, tão grande, que acabou fazendo com que o ambiente político se deteriorasse. O espírito de corpo foi rompido e ele foi cassado", relembra.

Doutor em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e escritor, Airton de Farias ressalta que a imunidade parlamentar é um antídoto contra autoritarismos e perseguições políticas. A história política brasileira, elabora Farias, é perpassada por golpes de diversos tipos. "No fundo, essa blindagem é uma preocupação contra os arbítrios que marcaram o País."

O professor pondera, contudo, que, ao perceber isto, parlamentares podem incorrer em comportamentos que desmoralizem o parlamento. "Se um deputado ou senador acusa alguém sem a devida comprovação, ele atenta contra a instituição. O entendimento médio, histórico, é de que se (a casa legislativa) não tem credibilidade, 'pode fechar mesmo'."

Polêmicas de André Fernandes

Com 109.742 votos, André Fernandes foi o deputado estadual mais votado nas eleições 2018. Em menos de cinco meses de mandato na Assembleia Legislativa, o jovem parlamentar colecionou desavenças com outros colegas de Casa e declarações polêmicas.

7/2/2019

Propina?

"Não estou acusando ninguém, mas no dia em que algum amigo, colega deputado chegar no meu gabinete oferecendo dinheiro para qualquer que seja o motivo, no outro dia eu venho no Plenário e coloco em público, eu coloco em público. Não venham no meu gabinete oferecer dinheiro." O hoje deputado licenciado Fernando Hugo (PP), decano da Casa, reagiu: "Se ele for um moleque, ele fique com a molecagem dele, isso é um insulto ao parlamento cearense!"

22/2/2019

Decoração no Gabinete

Fernandes recebe de presente quadros que fazem menção a armas de fogo. A Mesa Diretora da Casa abordou assunto em reunião, decidindo não haver problema na decoração. "Gabinete opressor", escreveu em tom sarcástico no Instagram.

15/5/2019

Família Ferreira
Gomes é "facção"

"Ciro Gomes vende ao Brasil uma imagem falsa do Ceará, porém quem mora aqui sabe de toda a verdade! Um absurdo!", opinou o parlamentar estadual da tribuna. E completou: "E ainda tem deputado do Ceará que se elegeu ao lado de Bolsonaro que em vez de estar fiscalizando e lutando contra essa facção criminosa aqui no Estado, está atacando o próprio governo Bolsonaro. Parece brincadeira."

O Conselho de Ética

O CONSELHO de Ética da Assembleia Legislativa é formada por oito parlamentares titulares e oito suplentes. São eles:

TITULARES

Antonio Granja (PDT) — Presidente

Walter Cavalcante (MDB) — Vice-presidente

Romeu Aldigueri (PDT) — Ouvidor

Sérgio Aguiar (PDT)

Augusta Brito (PCdoB)

Bruno Pedrosa (PP)

Acrísio Sena (PT)

Guilherme Landim (PDT)

Fernanda Pessoa (PSDB)

SUPLENTES

Marcos Sobreira (PDT)

Leonardo Araújo (MDB)

Jeová Mota (PDT)

Osmar Baquit (PDT)

Nizo Costa (PSB)

Elmano de Freitas (PT)

Queiroz Filho (PDT)

Nelinho (PSDB)

Histórico na Assembleia

PROCESSOS DE CASSAÇÃO

Embora não seja comum, alguns deputados estaduais cearenses já passaram por processos de cassação na Casa que chegaram a ser votados em plenário. Em apenas um deles, o parlamentar perdeu de fato o mandato.

Dep. Sérgio Benevides (PMDB) na Assembléia Legislativa.13.06.03-fotos Maximo Moura
Dep. Sérgio Benevides (PMDB) na Assembléia Legislativa.13.06.03-fotos Maximo Moura

Sergio Benevides (MDB) - 2004

Acusação assentada no benefício ilícito de R$ 1,8 milhão, que iria para merendas em escolas públicas de Fortaleza. Benevides foi cassado por quebra de decoro parlamentar. A votação foi quase unânime. Estiveram presentes 44 parlamentares: 42 parlamentares votaram pela cassação, um se absteve e um votou contra. A Assembleia que cassou foi a mesma que absolvera, em 2003, quando julgou o mesmo processo.

Deputado estadual José Guimarães respondeu a processo de cassação na AL-CE em 2005
Deputado estadual José Guimarães respondeu a processo de cassação na AL-CE em 2005

José Guimarães (PT) - 2005

Num placar apertado, 23 a 16, o então deputado estadual livrou-se da perda do mandato. O Conselho de Ética havia recomendado a cassação. A denúncia foi de que o petista recebeu R$ 250 mil do empresário Marcos Valério para suposto caixa dois na campanha de José Airton Cirilo (PT), candidato em 2002 ao Governo do Ceará. Em sua defesa, embora tenha admitido o recebimento do valor, ele alegou que apenas entregou o dinheiro. No caso, o parlamentar dispensou trabalhos de advogado. Atualmente, exerce o quarto mandato consecutivo como deputado federal.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 06-11-2014: Carlomano Marques, deputado estadual, discursa no plenário. Camilo Santana, governador eleito, comparece à Assembleia Legislativa, após as eleições. (Foto: Sara Maia/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 06-11-2014: Carlomano Marques, deputado estadual, discursa no plenário. Camilo Santana, governador eleito, comparece à Assembleia Legislativa, após as eleições. (Foto: Sara Maia/O POVO)

Carlomano Marques (MDB) - 2012

Em decisão baseada em reportagem do O POVO, o emedebista teve mandato cassado por captação ilícita de sufrágios. Na campanha eleitoral de 2010, constatou-se que atendimentos médicos no comitê eleitoral dele eram trocados por voto. Carlomano foi vencedor ao apresentar recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao voltar à Assembleia, beijou a tribuna. Atualmente, exerce mandato como prefeito de Pacatuba, onde foi eleito em 2016 com 11.999 votos.

O que você achou desse conteúdo?