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374 mulheres foram mortas em 2017 no Ceará
Reportagem

374 mulheres foram mortas em 2017 no Ceará

Em 2007, foram 126 mulheres assassinadas. Para SSPDS, aumento é resultado do envolvimento feminino com o tráfico. Especialistas destacam violência doméstica
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Em 2017, 28,5% dos assassinatos aconteceram dentro da residência da vítima e mais da metade foi por arma de fogo (Foto: Agência Brasil)
Foto: Agência Brasil Em 2017, 28,5% dos assassinatos aconteceram dentro da residência da vítima e mais da metade foi por arma de fogo

Mulheres, na maioria negras, mortas, todos os dias. Em 2017, 13 homicídios femininos aconteceram no Brasil diariamente, 4.936 ocorrências durante todo o ano. O Ceará registrou a segunda maior variação no número de mulheres assassinadas entre 2007 e 2017, um crescimento foi de 196%. Em números absolutos, o Estado passou de 126 para 374 assassinatos. Se para o poder público a maioria dos casos está ligada ao tráfico de drogas, para especialistas a justificativa para o aumento é o machismo e as questões de gênero.

O Atlas da Violência compila informações do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde (MS), e analisa os dados referentes a uma década. Todas as mortes de mulheres contabilizadas na pesquisa foram por agressão. Considerando apenas o ano de 2017, 28,5% dos assassinatos aconteceram dentro da residência da vítima e mais da metade foi por arma de fogo. Não foi possível classificar as mortes como feminicídio porque a fonte de dados não foi a Polícia Civil, responsável pela tipificação penal.

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Para a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), a maioria dos registros de homicídios contra as mulheres está ligada ao tráfico de drogas, ao latrocínio ou a disputa entre grupos criminosos. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que junto ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) elabora o Atlas, faz outra leitura. "Essas mulheres não morrem nas ruas, mas dentro de casa. Os agressores são pessoas que estão próximas ao ambiente doméstico", explica a pesquisadora e conselheira do Fórum, Thandara Santos.

A defensora pública Gina Moura pondera ainda a questão territorial dos grupos armados pode, muitas vezes, se limitar a identificar a motivação do crime como uma questão de disputa territorial e domínio do tráfico. "Mas se você tirar esse foco limitado e enxergar o protagonismo da mulher é possível identificar a questão de gênero. Por exemplo: mulheres não podem namorar pessoas de outros territórios, estão sujeitas a um risco. Isso significa que ela tem um conteúdo de propriedade para alguém ou algum grupo", analisa.

Outras questões são levantadas pela defensora. Mesmo que uma parte das mulheres mortas tivesse algum tipo de envolvimento com o tráfico de drogas, é preciso pensar outras lógicas sociais. Gina destaca que, no sistema prisional, cerca de 70% das detentas estão lá porque traficaram. "A esmagadora maioria é mãe. Muitas foram mãe muito jovens. Uma jovem, que arca com toda a questão da maternidade, na maioria das vezes sozinha. Deixa de estudar para cuidar dos filhos. Precisa ficar em casa. Qual é a forma mais rentável em casa?", questiona a especialista.

O perfil das mulheres assassinadas inclui ainda uma maioria negra. No Ceará, das 374 mortes de 2017, apenas 32 eram mulheres não negras. Para a pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Thandara Santos, isso demonstra o racismo estrutural ainda presente na sociedade. "Que está expresso nesses dados, mas também no sistema prisional. Sabemos que os negros são alvo prioritário. A incidência que o Atlas levanta é para cobrar uma atenção específica para esse público", detalha.

Por isso é tão relevante que os dados sejam claros e de qualidade. É a partir de recortes sobre perfis e situação sobre a ocorrência que a violência poderá ser combatida. O ideal, de acordo com Thandara, é que os dados da Saúde e da Segurança Pública estejam cada vez mais congruentes. "Percebemos que à medida que os sistemas (estatísticos) se qualificam, essa curva entre Saúde e Polícia em relação aos dados é menor. Em 2017, porém, vimos que houve um crescimento da distância entre as curvas dos dois segmentos. E isso significa problemas com qualificação", analisa.

Os dados qualificados deverão servir como base para criação de políticas públicas. A defensora Gina Moura defende que a transformação social jamais acontecerá apenas através da lei. "É preciso apontar a gravidade. A alteração da lei (fazendo referência à Lei Maria da Penha, de 2015), mas o trabalho contínuo dessas instituições que analisam os dados é o que vai nos fazer desvendar uma realidade a partir de dados e não só de percepção", avaliou.

O Atlas avalia ainda que "a centralidade que a violência contra a mulher assumiu no debate público da sociedade brasileira, bem como os desafios para implementar políticas públicas consistentes para reduzir este enorme problema, causa preocupação a flexibilização em curso da posse e porte de armas de fogo no Brasil". Conforme o documento, apenas em 2017, mais de 221 mil mulheres procuraram delegacias de polícia para registrar episódios de agressão em decorrência de violência doméstica. 

Em uma década, homicídios crescem 181% no Ceará:

Ceará está entre os estados com mais homicídios

O Ceará apresentou o maior crescimento na taxa de homicídios entre 2016 e 2017 do País. Na década considerada pelo Atlas (2007-2017), o total de assassinatos cresceu 181%. Em relação ao percentual por faixa etária de 15 a 29 anos, o crescimento em 10 anos chega a 214,1%.

O documento considera a forte presença de facções criminosas no Estado e o coloca como fundamental na rota do tráfico internacional de cocaína. O aumento das mortes estaria ligado à guerra entre os grupos Primeiro Comanda da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV). Além de citar grupos como Família do Norte (FDN) e Guardiões do Estado (GDE), facção originada no Ceará.

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Conforme o estudo, o tráfico de cocaína, inicialmente coordenado pelo PCC, trouxe alternativas de rotas. A mercadoria ilegal que vinha da Bolívia e Peru chegava ao Acre, sendo transportada na rota do Rio Solimões, chegando depois no Nordeste, em particular ao Ceará e ao Rio Grande do Norte, para serem levadas à Europa.

A configuração que destaca o crescimento da violência, com recortes significativos para jovens e mulheres, é, de acordo com texto do Atlas, a "simbiose entre arma de fogo, droga ilícita e resolução violenta dos conflitos interpessoais, (onde) tem ganho cada vez mais evidência e relevância a presença forte das facções criminosas no estado, não só no interior dos presídios, mas também nos bairros populares, principalmente de Fortaleza". E questiona que, no lugar de o cenário ter sido interrompido com a efetivação de políticas públicas, optou-se pelo "perigoso mecanismo da violência para conter a violência".

 A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) ressalta que os Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) estão reduzindo há 14 meses seguidos em Fortaleza e há 13 meses no Ceará. Os aumentos registrados nos anos anteriores, conforme a pasta, estavam ligados a uma problemática nacional. "O Ceará trabalhou na integração entre instituições, na inserção de pesquisadores de universidades na construção de novas ferramentas tecnológicas, no ingresso de novos servidores e na aquisição de equipamentos para as forças de segurança", afirmou a SSPDS, através de nota. No começo de 2019, o Ceará foi alvo de uma série de ataques relacionados a facções criminosas, em virtude da nova gestão penitenciária. Houve atuação dos profissionais da segurança no Estado, da Força Nacional, que enviou agentes para o Ceará, e também dos demais órgãos da segurança pública, como Polícia Rodoviária Federal, Ministério Público do Estado do Ceará e Prefeitura de Fortaleza.

Conforme informações da secretaria, medidas adotadas dentro dos sistemas prisionais possibilitaram um enfraquecimento dos grupos criminosos. Destaca ainda ações estratégicas em territórios. Como a criação do Programa de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger), que ocorre por meio das bases fixas instaladas pontos estratégicos da Capital, visando o combate aos crimes territoriais. Houve ainda mapeamento de 70 indicadores (como renda, saneamento e educação) referentes às áreas críticas da Capital que colaboram na elaboração de políticas públicas.

Em 2019, foram registrados 758 CVLIs no Ceará, 53,3% a menos do que no mesmo período de 2018. A SSPDS considera que 866 vidas foram salvas no período. No mês de abril, a diminuição de CVLIs foi de 42%.

Ainda de acordo com a pasta, os Crimes Violentos Contra o Patrimônio (CVP), que abrangem roubos em gerais, sofrem redução há 24 meses. Deve isso à estratégia de combate à mobilidade do crime, com a utilização de 3.300 câmeras, e à expansão do motopatrulhamento. 

Redução

Os indicadores de homicídios do Atlas da Violência referem-se ao ano de 2017, com base nos dados oficiais do Ministério da Saúde, divulgados recentemente. Mais atuais, as estatísticas da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará registram há 13 meses seguidos uma redução nos números de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI) no Estado. Em abril último, por exemplo, a redução foi de 42% em comparação com o mesmo período do anterior.

 

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