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O embate dos alvarás
Reportagem

O embate dos alvarás

| Bares e restaurantes | Fechamento de estabelecimentos reacendem a polêmica entre empresários e Prefeitura de Fortaleza quanto aos custos dos alvarás de funcionamento e registro sanitário
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Motivos de embates entre o empresariado e a Prefeitura de Fortaleza, os alvarás de funcionamento - com reajuste e renovação anual obrigatória desde o ano passado - voltaram a estar no centro de polêmicas.

Com números de estabelecimentos fechados em 2018 que beiram alegados 30% dos associados, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-CE) credita ao alvarás parte do mal momento do setor.

Já a Prefeitura refuta que a taxa tenha causado prejuízo ao segmento, e aponta a abertura de 2.724 novos alvarás registrados para o setor, entre setembro de 2017 e dezembro de 2018 - o que totalizaria um aquecimento de 302%, no comparativo de período anterior a Lei de Uso e Ocupação dos Solos (Luos). 

Sem bater com os números indicados pelo Município, a Junta Comercial do Estado do Ceará (Jucec) divulgou que, no período delimitado pela Prefeitura, 1.162 bares e restaurantes foram abertos na Capital. De acordo com o órgão, em 2017, 596 empresas do segmento abriram, enquanto em 2018 foram 982. Uma alta de 96%.

Na outra ponta, no entanto, 2018 apresentou um número 246% maior (839) de empresas que fecharam em relação ao ano anterior - quando as novas regras para alvarás não estavam em vigor. Em 2017, apenas 242 bares e restaurantes encerraram suas atividade.

"Em mais de 26 anos de existência da Abrasel no Estado, nunca presenciamos uma mortalidade tão forte dos restaurantes instalados em via pública", afirmou Rodolphe Trindade, presidente da entidade.

O anúncio do encerramento da operação do restaurante Soul Gourmet, no início de fevereiro, também reacendeu a polêmica quantos aos alvarás. Conforme Oliver Sampaio, sócio do Soul, fechar um restaurante de sete anos de existência é uma decisão que passa por uma confluência de fatores.

Como explica, o segmento sofreu o impacto da redução de receita, motivado pela crise econômica, que levou ao arrefecimento "dos ânimos das pessoas em saírem e fazerem refeições fora". A consequência foi a redução de receita.

"Além disso, houve um aumento grande dos custos de um modo geral sem que, em função da crise, fosse possível repassar essa elevação para o preço final, porque era de impossível absorção pela clientela", avalia. Entre as elevações de custo, Oliver acredita que se sobressaíram "o preço dos insumos, os gastos com segurança, e o pagamento de impostos, como os alvarás".

Ele relata que pagou uma taxa de R$ 580 apenas quando abriu o restaurante e para a renovação teria sido cobrado cerca de R$ 3 mil, o que deverá ser pago anualmente.

Com a matriz da avenida Barão de Studart fechada desde dezembro, o sócio da Casa do Frango Reginaldo Nogueira Braga conta que as taxas - tendo de pagar R$ 5 mil para cada matriz e filial, na Washington Soares - também pesaram na decisão de fechar a casa principal, com a demissão de 85 funcionários.

"De 2015 pra cá, o movimento vinha diminuindo, a informalidade maior, as exigências dos poderes públicos maiores, e as margens de lucro menores - uma redução de receita em torno de 30%. A gente não tem estímulo para ser empresário", lamenta.

Para o economista Sérgio Melo, burocracia e tributos não seriam fatores decisivos que levam à mortalidade dos estabelecimentos. Para ele, as crises econômica que o País passa e a de segurança do Estado geraram maior impacto na falência de bares e restaurantes.

Há 21 anos no mercado, o chef de cozinha, empreendedor e professor do curso de Gastronomia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Rodrigo Viriato, aponta que as taxas, mesmo não sendo determinantes em alguns casos, são a última "gota d'água".

"Quando já estávamos todos do setor sobrecarregados, vieram os aumentos do alvará de funcionamento e de vigilância sanitária. Pode ser pouco, mas quando o empreendedor está sem lucrar e chega um aumento como esse, alguns empresários que vêm se segurando, desistem da expectativa de lucrar, de assumir riscos com o empreendimento, de gerar emprego, porque não se vê contemplado", sinaliza.

Alvarás

De acordo com a Abrasel, os 2,7 mil alvarás registrados pela Prefeitura seriam da renovação compulsória. O Município é categórico ao afirmar que se trata de novos alvarás - a renovações seriam cerca de 600 documentos, a parte dos 2,7 mil. Para Viriato, boa parte do número seria de bares e restaurantes que funcionavam na ilegalidade e se formalizaram, mas a que não são novos, o que não denotaria incremento no setor.

 

Renovação

De acordo com a Seuma, 49% dos estabelecimentos pagam pela renovação de alvará de até R$ 500 e 8% pagam o teto, de R$ 5 mil.

 

A polêmica

O novo Código da Cidade atualiza o Código de Obras e Posturas de 1981. A Prefeitura enviou o projeto original para a Câmara Municipal de Fortaleza em junho de 2016. O texto-base foi apreciado em maio de 2017 e, no fim do ano passado, foi proposta a alteração de 489 artigos sistematizados em 11 emendas.

O alvará de funcionamento, documento que autoriza o início do funcionamento de qualquer atividade não residencial estabelecida em imóvel, era
cobrado pela Prefeitura no momento de abertura de uma empresa ou sempre que houvesse alteração da área do imóvel utilizado, modificação do endereço, de atividades econômicas ou da razão social. Porém, no fim 2017, foi aprovada uma lei que tornou obrigatória a renovação anual.

2018

17 de março

O Sindicato das Construtoras do Estado (Sinduscon-CE) pediu esclarecimentos à Prefeitura de Fortaleza devido a impactos ocasionados pela atualização das taxas de funcionamento e do registro sanitário.

23 de março

4ª Vara da Fazenda Pública da Capital determinou 10 dias para que a Câmara Municipal de Fortaleza e o Executivo municipal se pronunciassem sobre as altas do novo Código Tributário.

26 de março

Prefeitura anunciou reunião para explicar as taxas ao empresariado. De acordo com o Município, a estimativa era incrementar em R$ 45 milhões as receitas com a atualização

dos valores das taxas de alvarás de funcionamento e registros sanitários na Capital. O valor seria um terço do que é gasto nos sistemas online e na fiscalização, que é de R$ 150 milhões por ano.

28 de março

Fiec pediu suspensão da lei.

22 de maio

Prefeitura e construtoras do Estado associadas ao Sinduscon-CE chegaram a acordo sobre alvarás de construção. O documento, que custaria R$ 10 mil para dois anos, passaria para R$ 30 mil nos cinco anos.

27 de junho

Com prazo para pagar taxas de renovação de alvarás esgotando em 30 de junho, setores empresariais orientavam seus associados a intensificar ações contra a alta na taxa das licenças para localização e funcionamento. A expectativa era que 100 empresas entrassem na Justiça do Estado.

5 de julho

Em audiência
pública, vereadores e empresários pediram a revogação da lei de taxas de alvarás.

10 de julho

Fecomércio-CE anunciou medidas contra alta nas taxas de alvarás.

31 de julho

Sem acordo na Câmara, alvarás deveriam ser pagos em única parcela.

1º de agosto

Prefeito permitiu parcelamento do valor anual de alvará.

11 de outubro

Então presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, Salmito Filho (PDT), anunciou a tramitação

do Projeto de Lei Complementar 23/2018, que revoga os aumentos das taxas de alvará (Lei Complementar 241/2017) e perdoa as empresas multadas no período de 1º de janeiro a 30

de setembro de 2018 por não terem renovado alvará.

11 de novembro

TJCE suspendeu taxa de alvará em Fortaleza para algumas micros e pequenas empresas. Estabelecimentos não poderiam ser mais enquadrados como devedores nem sofrer interdição pela Prefeitura.

22 de novembro

Prefeitura anuncia que vai recorrer de liminar que exime empresas.

23 de novembro

A 8ª Vara da Fazenda Pública negou mandado de segurança impetrado por cinco empresas solicitando a suspensão da taxa de renovação de alvarás dos estabelecimentos na Capital.

2019

Fevereiro

Restaurante Soul Gourmet fecha e reacende polêmica do custo de renovação dos alvarás. Abrasel se manifesta em nota afirmando que 30% dos associados fecharam no último ano, com acúmulo de problemas, entre eles os custos dos novos alvarás.

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