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Homem feito rio, bicho, planta
Reportagem

Homem feito rio, bicho, planta

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Tipo Notícia
Valdecir Santana é dono do balneário São José, em Tucunduba, Caucaia (Foto: AURELIO ALVES)
Foto: AURELIO ALVES Valdecir Santana é dono do balneário São José, em Tucunduba, Caucaia

Valdecir se guia pelo ciclo da mata. Termina a chuva e, no mais tardar setembro, olhar a serra que separa Caucaia e Maranguape é se deparar com sequidão. Os olhos se enchem de cinza, um amarelo apagado. "É ver que tacaram fogo no serrote inteiro. Uma tristeza". Nessa época, Valdecir Barbosa Santana, 51, morador da Tucunduba, na Caucaia, segue o curso e vive esmaecido. Juntou as economias no "inverno", fez reservas de energia e água para vida, e vai se limitando a sobreviver quando é "verão", nessa mania bonita do sertanejo de chamar as estações pelo que sente na pele, mesmo que a geografia diga o contrário. De corpo delgado e fala pouca e mansa, desses que se comunica mais com os olhos do que com a palavra, Deci aprendeu a ler a natureza - talvez porque vai também florescendo. Naquele pedaço de chão que deu de chamar de lar e de sustento, dá dezembro e o homem aguça: o sapo faz mais zoada, o sabiá dá de cantar, o cupim se achega nas madeiras e o joão de barro vai fazendo casa - a depender da direção, é tempo de encher o coração de esperança. Se vai chover, a terra umedece, num instante angico, mutamba, oiti, gameleira tudo fica verde, e Valdecir renasce como planta na caatinga. Nascido quase na nascente do braço d'água que chama de rio Piorás e que vai dar no rio Ceará, Deci criou-se plantando inhame num sítio que já levava nome de São José e esperando a chuva. Quando se casou e desceu um pouquinho a serra, parou ao lado das terras dos Cardosos, pediu autorização e foi fazendo de passo em passo um balneário. O nome, como mandou a fé, ficou sendo o do santo protetor. "É que sem ele não tem é nada. Aqui, a água só desce pra formar a cachoeira e esse ajuntamento de água aqui se tiver chuva. Esse ano, do dia 5 de janeiro pra cá foi de felicidade". Dali, há mais de duas décadas vai tirando o provimento de tudo. Dá dia de domingo e segunda, vem gente de tudo quanto é canto. Carnaval, mesmo, Deci contou 100 quilos de cará-tilápia para alimentar quem veio se refestelar na água gelada e no chiado da cachoeira. Mas não sendo, a piscina do terreno do lado, construída para aguentar os meses sem chuva, não junta nem um terço do movimento. É que, molhado e conectado com a água corrente e a que caiu do céu, simplifica: "Chuva aqui é feito a vida da gente".

 

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