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Abertura de novo sangradouro em Ubajara gera apreensão
Reportagem

Abertura de novo sangradouro em Ubajara gera apreensão

Moradores foram retirados de casa devido aos riscos envolvidos na liberação de água da barragem do Granjeiro, programada para começar na manhã de hoje. Medida atinge mais de 500 famílias
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"Ninguém aqui dorme direito". "A gente tem medo". Essas são as frases mais recorrentes de moradores das comunidades próximas à barragem do Granjeiro, em Ubajara (a 326 km da Capital). A abertura de novo sangradouro na manhã de hoje, por um lado significa alívio, como medida paliativa para reduzir o risco de rompimento. Por outro, traz angústia para as famílias ribeirinhas, pela possibilidade de uma inundação quando a água liberada se encontrar com rios. Até ontem, famílias migravam para a casa de parentes ou alojamentos em busca de segurança. Mesmo as que permaneceram até a última chamada para evacuação da área falavam da agonia.

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A liberação do novo sangradouro está projetada para ocorrer às 10 horas da manhã de hoje. A ideia, segundo a Defesa Civil do Estado, é que a abertura ocorra de forma gradual para que engenheiros possam avaliar o comportamento do leito do rio Jaburu. O apego ao lar faz com que, mesmo receosa e já na casa de parentes, dona Francisca Ferreira vá de vez em quando na casinha que fica na localidade do Sítio Trizidela. Já com corpo arqueado, marcado pela lida, ela se emociona com saudade de casa. "Foi um aperreio quando pediram pra gente sair. Tô sendo bem tratada onde eu tô, mas não tem nada como o lugar da gente", conta enquanto prepara alimento aos porcos.

Outra comunidade que recebeu ordem de retirada foi a do Boi Morto. No local há um balneário que já está transbordando. Muitas pessoas penduraram móveis ou migraram para a parte mais alta da comunidade. Uma das pessoas que se recusaram a sair foi seu Luis Rodrigues de Sousa, 78. Diz que é coisa de apego. "Não é porque não queira atender (o pedido de saída), mas acho que de onde a água vai passar não chega aqui. Penso que dava pra eu ficar. Depois que minha veinha foi, me deixou nessa casinha, a minha vontade é terminar minha vida debaixo dela", conta. E, por causa dele, a família toda ficou. "Ninguém vai deixar ele só, e nem levar à força", decidiu a neta Djacira Silva, 20.

A aflição desta vez foi mais forte para os moradores, mas não é nova. Enquanto uns não se afastam por não acreditar no risco avisado por autoridades, outros lembram das chuvas de 2009, em que a barragem sangrou e a água chegou muitos quilômetros depois das margens dos açudes. Quase na casa de seu Augusto Crispim, 84, onde mora com dona Nazídia Fernandes, 64. Ele mostra na marca da árvore onde a água chegou. "A gente nunca parou de ter medo dessa barragem. Eles têm que fazer uma revisão geral, se não fizer não vai acabar com esse problema". Ele também foi um dos que saiu de casa, mas sempre volta durante o dia. "Viemos só fazer uma revisão e assustados. O perigo tenho certeza que não passou, enquanto o sangradouro não vazar essa água a gente está preocupado", diz.

A operação de hoje é considerada pela equipe da Agência Nacional de Águas (ANA) como emergencial. "É para baixarmos o nível do reservatório de forma controlada para garantia de segurança da população. Após isso, iremos atuar na fase de descomissionamento da barragem", explica Rogério Menescal, especialista em barragens da ANA. Descomissionamento, em tese, é o fim da estrutura. É a técnica para que ela possa ser integrada ao ambiente.

Previsão é de chuva em todas as macrorregiões

Quem olha para o céu neste 19 de março, dia de São José, na espreita pela água terá a esperança que um dia cinza traz para o nordestino. Céu nublado e eventos de chuva devem ser registrados em todas as oito macrorregiões do Ceará, conforme a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Amanhã, o Hemisfério Sul é marcado pela saída do verão para dar lugar ao outono, fenômeno chamado equinócio de outono.

Apesar do cenário propício para chuvas em todas as regiões, a previsão não indica que choverá em todos os municípios, pondera Raul Fritz, supervisor da Unidade de Tempo e Clima da Funceme.

"A gente espera que uma boa parte do Estado receba chuva. Parte do Estado pode receber uma maior incidência, mas a Zona de Convergência Intertropical(ZCit) está condicionada de forma que favorece o Estado como um todo. Apesar de a parte sul do Estado estar com menor incidência de chuvas, como no Cariri, essa região também pode receber", explica.

A passagem do equinócio, que este ano ocorrerá no dia 20, marca a mudança de estações, o que impacta na temperatura dos oceanos e, consequentemente, na formação de fenômenos meteorológicos que ditam carestia de água ou precipitações. O equinócio de outono ocorre no dia 20 ou 21 de março de cada ano. O equinócio da primavera, por sua vez, ocorre em setembro. Nos dois dias do ano, a Terra se situa em pontos onde os raios solares incidem perpendicularmente à Linha do Equador. Por isso, a duração do dia é igual à da noite e os hemisférios Norte e Sul recebem a mesma quantidade de luz.

Fritz ressalta que o equinócio não é responsável por chuvas diretamente. "Quando estamos no verão no Hemisfério Sul, essa estação facilita o aquecimento das águas do Oceano Atlântico Sul". Ele explica que a condição ideal para que a ZCit traga chuvas mais regulares é quando as águas abaixo do Equador estão mais aquecidas que as águas acima do Equador. "As nossas chuvas começam no período do verão e se prolongam durante o outono no Hemisfério Sul. As pessoas costumam chamar nosso período de chuva de inverno, mas, na verdade, aqui estamos no verão e outono", ensina.

Conforme Fritz, as pesquisas científicas não chancelam a crença popular que associa as precipitações no dia do padroeiro do Ceará a um bom período chuvoso. "Cientificamente, chover bem no dia 19 não garante que vá chover bem até maio, final da quadra. Temos exemplos de anos em que choveu bem no dia 19, mas não tivemos uma quadra na média ou acima da média. E o contrário também".

O Litoral de Fortaleza foi a única macrorregião que já superou este ano a média histórica para março. Foram 255,1 milímetros (mm) - desvio 1,7% superior aos 250,8 mm registrados na média do mês. Nas outras regiões, as precipitações ainda não alcançaram a normal. Com relação ao Estado, o acumulado está abaixo da média (203,4 mm), com 110,9 mm. "Está dentro do esperado, porque choveu a metade até a metade do mês. Se continuar no mesmo ritmo observado na primeira quinzena, vamos alcançar a média história do mês de março", diz Fritz.

CHUVAS em março no Ceará estão, proporcio- nalmente, dentro da média histórica, de 203,4 mm
CHUVAS em março no Ceará estão, proporcio- nalmente, dentro da média histórica, de 203,4 mm (Foto: Mateus Dantas)

 

Dono

A barragem do Granjeiro pertence à empresa Agroserra, de propriedade de Avelino Forte. Ele diz que só tinha pendências "burocráticas" com a ANA.

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