Logo O POVO+
A fé inunda a vida
Reportagem

A fé inunda a vida

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Maria da Conceição Ferreira Sales é agricultora e devota de São José (Foto: AURELIO ALVES)
Foto: AURELIO ALVES Maria da Conceição Ferreira Sales é agricultora e devota de São José

A pendenga começa quando dona Conceição já vai na segunda ou terceira roupa que sai do corpo encharcada. Aos 62 anos, todos eles vividos em Minguaú II, comunidade da zona rural de Caucaia, Maria da Conceição Ferreira Sales é um reboliço só tão logo começa a chuva. Vem o pinga-pinga e a agricultora para o que está fazendo e se banha. É um deleite e é também precisão. No movimento de olhar para o céu e ir agradecendo o dia branco que toca o chão, Conceição vai enchendo os galões azuis de água e repassando num passo miúdo para dentro da cisterna. A mulher de pele curtida de sol e olhos rasgados do traço de índio, se banha quantas vezes chova no dia. E lá de dentro a primogênita Eneida, 44, faz o muxoxo: "Avemaria, a mãe vai molhar as roupas todinhas que têm secas?". Na lida, do vai e vem de água, a devota de São José ri-se e nem escuta, que desde dezembro vive da graça que cai do céu. Chove? Pode procurar que as vistas se encontram com o corpo compacto de Conceição e uma energia sertaneja que vê que é movida à água. E do lado dela, se é feriado, fim de semana, dia de santo ou só de cabular aula, Ana Lívia, a sobrinha-neta de 8 anos, já fez tibum no tanque pequeno - um ofurô sem frescura que tem naquelas paragens. Se deixar, como impressão que passa no sangue, a pequena também só vive molhada. Na casa de Conceição, umas das dez que a família ocupa no Minguaú II, logo na entrada se avista na estante a imagem de três palmos de São José. A morada do santo ali - junto com o terço que se reza todo dia de hoje - começou há oito anos. Antes, a reza para São José se fazia depois de uma caminhada até um açude. Findados três anos de uma seca que Conceição não consegue puxar da memória o ano, o pequeno espelho d'água do amigo Valdir jazia lama rachada. "A gente passou tanta necessidade de água. Não tinha pra nada: pro bicho, pro roçado, pra beber", relembra. O convite, atendido de pronto, era de fazer prece para o santo protetor do sertanejo. Naquele dia, a quentura deu trégua e de noitinha mesmo caiu o pau d'água. O açude nunca mais secou e a reza persistiu ano após ano. Até Valdir finar-se e São José ser acolhido na casa de Conceição. A devoção de menina achou fato concreto e Conceição é um derretimento para os lados do santo. Agradece tudo em quanto: do emprego da filha, à carteira de motorista da caçula, do seguro-safra ao aposento, à cisterna e aos dias melhores, tudo vai para conta de São José, que por ali também tem nome de chuva.

O que você achou desse conteúdo?