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Alerta contra os pedófilos
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Alerta contra os pedófilos

| YOUTUBE | O youtuber Felipe Neto divulgou vídeo em que expõe como predadores sexuais utilizam a plataforma para compartilhar conteúdo infantil erotizado. A questão suscita debate sobre regulamentação e sobre a proteção da infância em ambiente virtual
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Reportagem sobre pedófilos no YouTube (Foto: O POVO)
Foto: O POVO Reportagem sobre pedófilos no YouTube

Jogar bola enquanto um celular posicionado no chão grava, dançar para uma câmara, ou fazer slime sentada no chão. Feitos por crianças e, na maioria dos casos, também para que outras delas os assistam, vídeos postados no YouTube acabam entrando no radar de predadores sexuais. Recortar esses vídeos aparentemente comuns, erotizá-los e marcar nos comentários os exatos instantes em que, por descuido, a criança mostra partes do corpo têm sido práticas recorrentes no YouTube. A ação desses adultos em busca de conteúdo infantil, a facilidade com que se entra na reprodução automática em vídeos de conteúdo semelhante, e a então inoperância da plataforma foram alvos de um vídeo do youtuber Felipe Neto.

De acordo com Felipe, "pessoas utilizam o YouTube para disseminar conteúdo pedófilo". "Você entra em um looping em que passa a só receber conteúdo de menininhas dançando, fazendo acrobacias, usando pouca roupa, fazendo festinha na piscina de uma maneira que seria inocente para qualquer outra criança, que são conteúdos criados para outra criança, mas que são assistidos por milhões de pedófilos ao redor do mundo. Eles sabem o que estão fazendo, compartilham entre eles e debocham, de certa forma, do sistema", critica o youtuber no vídeo.

O youtuber ainda pontua que os perfis autores dos comentários impróprios agem às vistas da plataforma, já que em alguns casos os comentários são desabilitados dos vídeos, mas os perfis dos adultos não são apagados. A presença de crianças com menos de 13 anos no ambiente virtual do YouTube não é sequer permitida pelos termos de uso da empresa, e ainda assim perfis infantis seguem a fazer uso da plataforma. Após as críticas de Felipe Neto, que são espelho do que especialistas que estudam mídias e a relação com a infância já denunciam há algum tempo, o YouTube anunciou uma série de medidas, como desativação de perfis e exclusão de comentários. No entanto, a abordagem e as medidas posteriores incitam debate sobre a exposição de crianças e a regulação das plataformas. No vídeo, Felipe Neto divulga a campanha #YouTubeWakeUp (acorda, Youtube), de alerta para a situação. 

"Precisamos considerar dois fatores. O primeiro é a criança ter a liberdade de se expressar, de ser produtora de conteúdos, e a outra é reconhecer que em alguns caso essa exposição vai ser prejudicial ao seu desenvolvimento. Assim, a nossa constituição prevê que crianças e adolescentes devem ter absoluta prioridade no cumprimento dos seus direitos, e que isso deve ter responsabilidade compartilhada entre poder público, família e sociedade - e dentro de sociedade estão incluídas as empresas, como YouTube", aponta a advogada Thaís Dantas, do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, organização da sociedade civil que há 25 anos atua na garantia de condições para a vivência plena da infância.

Lembrando que o assunto já foi alvo de denúncias por outros youtubers e tem pautado discussões em fóruns e mesmo no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Inês Vitorino, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará (ICA-UFC) e vice-coordenadora do Laboratório de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia (LabGrim), alerta que o assunto da pedofilia surge e assusta, por se tratar do rompimento grave do limite de proteção da infância, mas que outras violações também acontecem em ambiente virtual.

"O fato de se ter crianças produzindo comunicação, visando a promoção de consumo, sendo monetizada por promover consumo junto a outras crianças isso é comunicação mercadológica e isso é ilegal. O YouTube está deixando que isso aconteça todos os dias, porque isso gera lucro", critica. O trabalho infantil de youtubers mirins, sem que haja critérios para definição de jornada de trabalho, o não prejuízo às atividades educacionais e a preservação do desenvolvimento infantil também são alvos de críticas das duas especialistas.

A advogada alerta que há a presença massiva de crianças menores de 13 anos na plataforma e, uma vez posta a responsabilidade compartilhada do YouTube, acredita que é preciso que se crie mecanismos de proteção. Thaís Dantas lembra o limite de idade fixado pela própria plataforma, mas questiona as medidas adotadas para que a regra seja de fato respeitada. "É sabido que as crianças estão massivamente presentes e, diante dessa informação, o que o YouTube faz? Ele tem sim uma responsabilidade de olhar que efetivamente essas crianças estão na plataforma e a partir disso tomar medidas para protegê-las. É importante falar isso, porque muitas vezes esse debate acaba caindo numa responsabilização excessiva dos pais", indica.

Para ela, os pais podem auxiliar a prevenir as violações, mas há que se considerar as dificuldades nessa tarefa, como o acesso à internet feito prioritariamente por smartphones e tablets - mídias móveis que diminuem o controle do que é acessado. Além disso, Thaís Dantas cita as diferenças geracionais que fazem com que muitos pais desconheçam ou não saibam gerenciar os riscos. "É importante o olhar atento de pais a esse vídeos, porém ele não é suficiente. Os pais não podem ser culpabilizados sozinhos. E hoje as medidas tomadas pelo Youtube (para a proteção de crianças e adolescentes) parecem ser insuficientes", define.

Tornar o ambiente virtual seguro passa, para a advogada, pela verificação eficaz dos comentários, pelo rigor das regras para permissão de monetização dos vídeos, pela transparência na captação de dados do usuários, e pelos mecanismos dos algoritmos que gera a reprodução automática de vídeos. "Nesse ponto, há duas situações: casos em que crianças estão assistindo a determinado conteúdo e nessa reprodução automática elas caem em uma conteúdo que não é adequado a ela; e da mesma forma, nos vídeos sexualizados de crianças, em que a plataforma começa a sugerir vídeos semelhantes, em alguma medida alimentando aqueles usuários que estão buscando pornografia infantil", enumera.

 

Diálogo, formação e segurança: O que cabe aos pais e à sociedade

Usadas muitas vezes como forma de entreter as crianças, a internet e suas ferramentas não podem ser de acesso irrestrito e desregrado. É o que pontua a psicóloga infanto-juvenil e gestalt-terapeuta Evely Franca Parente. Conforme explica, a exposição excessiva de crianças e adolescentes "interfere na formação de personalidade, de caráter, de valores, propensão a ansiedades, distúrbios de comportamento e de atenção". "Já recebi casos de sexualidade precoce, porque essas crianças foram estimuladas por propagandas que aparecem em vídeos, em jogos", comenta. Por isso, o monitoramento constante das atividades online dos filhos e o diálogo são as principais recomendações da psicóloga."O ponto principal e norteador para que essa relação seja mais saudável é a construção do diálogo entre a criança e o adulto. Assuntos como sexualidade vão surgir naturalmente", indica. Acompanhar, saber o que ela gosta de assistir, querer fazer parte desse mundo junto com a criança, gerar perguntas, buscar compreender o que do conteúdo assistido foi assimilado, falar sobre a música ou sobre o desenho assistido em outros momentos do dia e demonstrar interesse são algumas das dicas da terapeuta. "Ser companheiro dessas descobertas é sempre melhor do que olhar de vigilância, que, principalmente no caso dos adolescentes, pode afastar", indica.O canal aberto entre filhos e responsáveis legais também é citado pelo delegado adjunto da Delegacia de Combate a Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa), Levy Lousada. Ainda assim, Lousada recomenda cautela e alguns cuidados, como realizar o cadastro na rede social para a criança, colocando o e-mail de um dos pais para notificações, assim "as atividades online serão de acesso imediato por parte dos genitores".Outro ponto é usar aplicativos que bloqueiam alguns conteúdos ou repassam relatórios dos conteúdos acessados. "Se o pais tiverem essa aptidão, é interessante e recomendável que se faça, mas para ganho de confiança e estreitamento de laços, o diálogo ainda é a melhor ferramenta", pontua. Quanto ao uso desses aplicativos espiões, a psicóloga alerta que, ao utilizá-los, é preciso estar preparado para o que irá encontrar e como deverá proceder. "Saber do acesso de algum conteúdo pornográfico e só colocar de castigo não vai resolver, pode até fazer com que ele volte a acessar assim que possível. Por isso é preciso conversar, saber o porquê das curiosidades. Se ele não acha respostas em casa, é natural que busque na internet".Salientando se tratar de uma responsabilidade compartilhada, Inês Vitorino, vice-coordenadora do Laboratório de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia (LabGrim), acredita que a formação para uso seguro online é preciso estar presente nas escolas e nas casas. "Há que se pensar em ações de comunicação em larga escala de caráter formativo, isso deve ser tratado como conteúdo disciplinar nas escolas, e o Estado tem de ser o agente articulador dessas políticas", argumenta. Para ela, além de segurança, conteúdos de educação sexual que ultrapassem temas reprodutivos precisam ser tratados em ambiente familiar e escolar, "de forma tranquila e aberta". "Não tratar com a criança sobre o direito ao próprio corpo e o entendimento da sexualidade é deixá-la vulnerável a ação também de pedófilos", alerta.

 

Canais de denúncia

Ao verificar comentários impróprios nas redes sociais dos filhos, é possível realizar denúncia do comentário e do perfil autor utilizando os próprios mecanismos das redes sociais. Prints dos comentários podem embasar denúncias em âmbito federal, como Ministério Público e Polícia Federal, e também em boletins de ocorrência junto á Polícia Civil.

Apps gratuitos para controle parental

Kids Place (ios e android), Qustodio (ios e android), Kuukla (para tablets android), Abeona (para android) 

PARA OS PAIS ASSISTIREM O video do youtuber Felipe Neto sobre a campanha #YoutubeWakeup pode ser assistido no link https://youtu.be/70GxO69R5Qo

 

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Os riscos da sexualização da infância. Especialistas explicam como os pais podem reconhecer e regular comportamentos que não fazem parte do universo infantil

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