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O pacote de medidas de Sergio Moro contra o crime
Reportagem

O pacote de medidas de Sergio Moro contra o crime

| JUSTIÇA | Sergio Moro apresentou pacote de medidas contra corrupção e anticrime a um grupo de governadores. Proposta agrava pena, criminaliza caixa 2 e isenta policiais que matarem em serviço
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Henrique Araújo
Jornalista do O POVO
henriquearaujo@opovo.com.br (Foto: O POVO)
Foto: O POVO Henrique Araújo Jornalista do O POVO henriquearaujo@opovo.com.br

Em reunião com 12 governadores e secretários de segurança estaduais ontem, em Brasília, o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro apresentou projeto de lei contra a corrupção e anticrime.

O texto, que tem pouco mais de 30 páginas, altera pelo menos 14 leis do Código de Processo Penal, Código Penal, Lei de Execuções Penais e Legislação Eleitoral.

Entre as medidas, estão a previsão em lei da prisão em segunda instância, a criminalização do caixa 2 e a ampliação do quadro de legítima defesa para policiais que matem durante ações, o excludente de ilicitude (veja quadro abaixo).

O pacote, que constitui um dos três pontos prioritários de Moro para os primeiros 100 dias de governo, também endurece o cumprimento de pena para crimes de corrupção (passiva e ativa), peculato e penalidades consideradas graves.

O projeto alarga ainda o alcance do conceito de organização criminosa. No texto apresentado por Moro, facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) são citadas nominalmente.

Segundo o documento, líderes de grupos criminosos passariam a cumprir pena em regime fechado em unidades de segurança máxima, além de terem a progressão dificultada.

Um dos participantes do encontro, o governador do Ceará Camilo Santana (PT) elogiou as medidas, mas apontou lacunas no projeto. "Tudo que é necessário fazer para qualificar a prisão - é o grande problema de todos os estados, porque temos superlotação nos presídios - é fundamental. Mas queria aqui, ministro, dizer que faltou a questão da lei antiterrorismo", disse durante a reunião.

O governador então afirmou que as medidas reunidas por Moro precisam incluir "ações como essas que aconteceram no Ceará", enquadrando-as como terrorismo. "Nós vimos no Estado explosivos sendo utilizados, e os criminosos não puderam se inserir nessa penalidade."

Uma série de ataques criminosos vem sendo realizada sobretudo em Fortaleza e sua região metropolitana desde o dia 2 de janeiro, tendo como alvos prioritários ônibus. Ao todo, mais de 400 pessoas foram presas suspeitas de ligação com os atentados, muitos dos quais utilizaram explosivos.

Sobre esse ponto, Camilo ponderou que a fiscalização e controle de explosivos é um grave problema hoje no Brasil. "Os criminosos estão utilizando explosivos para arrombar agências bancárias no Interior do Ceará. Sei que isso é responsabilidade do Exército, mas é preciso rever uma forma de garantir controle, seja com monitoramento, seja com uso de chips", falou.

Outro dos que participaram do encontro, Ronaldo Caiado (DEM), governador de Goiás, também destacou o pacote, mas levantou dúvida sobre a aprovação de parte dos itens contidos no material, como a criminalização do caixa 2.

"Não é que seja uma proposta polêmica, mas sempre trouxe um amplo debate. É lógico que essa matéria precisará de discussão e terá de ser debatida", disse Caiado.

Já o chefe do Executivo do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) destacou o endurecimento nas regras de progressão de regime e a possibilidade de regime fechado inicial para crimes de corrupção. "Apoio integral", declarou sobre o projeto.

Corrupção

Como pontos positivos, foram elencadas as medidas de combate à corrupção e também as que preveem a coleta de informações que podem contribuir com o processo de investigação de crimes.

Recursos

Governadores insistiram no encontro com o ministro Sergio Moro para que ele inclua no projeto mudanças para destravar investimentos em presídios com recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).

"Percepção é de que a situação está controlada", diz Moro

Em entrevista coletiva ontem sobre o pacote anticrime, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, falou sobre a onda de violência que ocorre no Ceará desde o início do ano.

"A percepção é de que a situação está controlada, o pico dos incidentes já passou há muito tempo", afirmou. Ele disse que o ministério disponibilizou o que foi pedido pelo governador Camilo Santana (PT) para ajudar no combate aos ataques.

Desde 29/1, não eram registrados ataques no Ceará, quando um ônibus foi incendiado no bairro Jangurussu. No entanto, na madrugada da última segunda-feira, um caminhão com carregamento de trigo foi incendiado no bairro Álvaro Weyne. Moro disse que a visão sobre o controle dos ataques pode mudar, mas até o momento, acreditava na resolução de grande parte da crise.

Perguntado sobre o controle de vendas de materiais explosivos, utilizados em grande parte dos ataques no Estado, Moro concordou com a necessidade de registros mais rigorosos.

Cerca de 5,7 toneladas de explosivos de uma carga foram roubadas em dezembro e os produtos, distribuídos entre os membros de facções criminosas que praticaram as explosões. Medidas relacionadas a restrições de vendas não entraram no pacote.

O projeto de lei anticrime: primeiras perspectivas

O projeto apresentado pelo ministro Sergio Moro tem como principal característica a simplicidade e bom senso, conjugando propostas que visam julgamentos mais céleres com o imediato e efetivo cumprimento das penas impostas, dificultando manobras processuais que conseguiam arrastar os casos por décadas.

O projeto endurece claramente a situação carcerária dos condenados por crimes eleitorais de caixa dois, corrupção ativa ou passiva, apropriação de bens ou valores públicos, roubo à mão armada com vítimas, dos condenados reincidentes e daqueles que, mesmo tecnicamente primários, demonstrem ser habituais no crime.

A principal medida contras as organizações criminosas dirige-se contra suas lideranças, que iniciarão o cumprimento da pena em estabelecimentos de segurança máxima, não sendo permitido qualquer benefício se ainda mantiverem o vínculo associativo.

Por sua vez, a explicitação de que o policial, em conflito armado, ou em risco de tanto, previne agressão, ou risco de agressão, está em legítima defesa não deve, de modo algum, ser encarado como uma autorização prévia para violência policial. Os casos de excessos policiais continuam sendo crime, cabendo ao Ministério Público e às corregedorias policiais orientação preventiva constante e maior acompanhamento dos agentes de segurança.

Por seu turno, adquirindo maior poder de negociação, caberá ao Ministério Público ainda maior controle interno, evitando-se rigores destemperados ou abusos por parte de seus membros ou, ao contrário, franquezas e liberalidades. As propostas apresentadas possuem perspectivas positivas e certamente outras virão.

Corrupção

Como pontos positivos, foram elencadas as medidas de combate à corrupção e também as que preveem a coleta de informações que podem contribuir com o processo de investigação de crimes.

Recursos

Governadores insistiram no encontro com o ministro Sergio Moro para que ele inclua no projeto mudanças para destravar investimentos em presídios com recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).

 

Tendência à punição como prioridade

Entre as propostas apresentadas pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, especialistas ouvidos pelo O POVO criticam a tendência punitiva do projeto, que, na avaliação deles, pode agravar os índices de encarceramento no País.

"Ainda há esse ímpeto de sempre se buscar uma punição a qualquer custo. Parece estar no imaginário brasileiro que o encarceramento seria a grande saída do País", aponta o professor de direito penal e membro da Academia Brasileira de Cultura Jurídica, Waldir Xavier.

O endurecimento das penas e a restrição quanto à progressão penal e liberdade provisória são consideradas medidas que devem ter impacto na população carcerária, em uma "inversão de lógica", como explica a diretora de projetos do Instituto Igarapé, Melina Rissos. "Os gestores podem ficar sem as ferramentas necessárias para fazer a gestão de comportamento", explica.

Para a defensora pública Patrícia Sá, a perspectiva de maior tempo de prisão atrapalha a reinserção do preso na sociedade. "Essas medidas buscam o encarceramento. Não se trabalha em prevenção, só em punição", critica.

Além disso, a defensora enxerga um cerceamento do direito à defesa dos detentos na proposta que trata de acordos que poderão ser feitos com o Ministério Público em troca da redução da pena. Segundo ela, muito desses acordos poderão ser feitos sem que o acusado tenha direito às informações necessárias.

O advogado Hélio Leitão, conselheiro federal da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), também considera que existe a ameaça mencionada por Patrícia Sá, principalmente devido à medida que prevê, em caso de mandado judicial, a gravação de conversas entre advogados e detentos em presídios federais. "Isso atenta contra a dignidade da advocacia e fragiliza a plenitude do direito à defesa, que é garantia constitucional", afirma. "Não é diminuindo o direito de defesa que vamos diminuir a criminalidade", acrescenta Patrícia Sá.

A possibilidade de prisão após julgamento em 2ª instância ser aplicada em todos os processos é uma medida que entra em choque com as discussões feitas no Supremo Tribunal Federal, que ainda discute o tema. Além disso, "existem outros recursos para além da segunda instância e aquela decisão pode ser alterada". "Você imagina o prejuízo para a pessoa que é presa e depois é reconhecida a inocência", argumenta Hélio Leitão.

A ampliação do que pode ser considerado como legítima defesa na atuação de agentes de segurança pública também é ponto sensível da medida. Segundo Melina Rissos, essa ampliação é "preocupante". "O que de fato a gente tem no Brasil é uma polícia que mata muito. Quando a gente vai legitimando isso, se fragiliza ainda mais a profissão policial", explica.

Para Hélio Leitão, o texto sobre a medida não tem efeitos práticos. "Parece mais uma necessidade de jogar para a plateia. Não vai mudar nada, porque essas hipóteses previstas, uma vez ocorrendo, a legislação atual já consideraria legítima defesa ou estrito cumprimento do dever legal", defende.

Os especialistas concordam que ainda é cedo para ter conclusões definitivas. O projeto apresentado por Moro ainda deverá ter análises mais profundas, apontam os especialistas. Melina Rissos ressalta, no entanto, que "um elemento positivo é o Governo Federal assumindo a sua responsabilidade de liderar uma série de agendas no campo da segurança pública". "É papel do Governo Federal trabalhar em conjunto com os estados entendendo que todo mundo tem responsabilidade".

No entanto, Rissos considera que a medida está longe de ser efetiva na resolução dos problemas nessa área. "A crise na segurança pública que a gente enfrenta é muito maior do que medidas simplesmente vinculadas ao direito penal", afirma ela. "A lei penal não serve como instrumento de segurança pública. Ela não se presta a isso", concorda Waldir Xavier.

Pacote anticrime foca consequências e não causas

É louvável ver que a segurança pública se tornou uma pauta relevante do Governo Federal. Desde o segundo mandato de Dilma Rousseff que a União está devendo nesse campo. As organizações criminosas possivelmente não teriam se expandido tanto se tivessem sido alvo de uma ação repressiva organizada em níveis estaduais e federal.

O pacote de medidas anticrime apresentado por Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, deve ser considerado como uma carta de intenções e não como um plano de segurança organizado. Falta articulação às propostas que parecem estar soltas, sem ter uma diretriz que as interligue. Há iniciativas interessantes, contudo, como a criação de um Banco Nacional de Perfis Balísticos, o aumento de penas para crimes relacionados a armas, a alteração do regime de interrogatório por videoconferência e a possibilidade de que os estados possam construir presídios de segurança máxima.

Os pontos fracos do pacote residem na tentativa de atender interesses corporativistas. Embora Moro afirme que não esteja concedendo aos policiais "licença para matar", os critérios "escusável medo, surpresa ou violenta emoção" como atenuantes de condenação são subjetivos demais. A polícia brasileira já é por demais violenta para que o controle sobre a atividade policial seja afrouxado. De 2013 para cá, as mortes por intervenção policial no Ceará aumentaram cinco vezes. Em que essa letalidade se refletiu na redução dos índices de criminalidade?

O conjunto de leis apresentadas passa ao largo ainda de questões estruturais: o que vai ser feito para que as prisões deixem de ser fábricas de criminosos? Como asfixiar financeiramente o crime organizado? Que políticas serão criadas para evitar que os jovens sejam presas tão fáceis das facções? Trata-se de atuar nas causas estruturantes da violência e do crime. Sem que isso seja atacado, a novidade trazida pelo Governo Bolsonaro na área da segurança pública ficará restrita apenas à letra fria da Lei.

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