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O imbróglio jurídico e ambiental envolvendo barraca em Jericoacoara
Reportagem

O imbróglio jurídico e ambiental envolvendo barraca em Jericoacoara

Cartão-postal de Jeri, a barraca Alchymist, na Lagoa do Paraíso, está no centro de um acalorado embate judicial sobre regularidade ambiental do empreendimento
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[FOTO1]Quem busca pela Lagoa do Paraíso na pesquisa de imagens do Google encontra a Alchymist Beach Club. A megabarraca construída às margens de um dos principais cartões-postais de Jericoacoara tornou-se parte inseparável da paisagem e do imaginário das centenas de milhares de pessoas que visitam a vila todos os anos. As fotografias do caminho ladeado por palmeiras avançando até a água em duas cores são usadas por agências de viagem e campanhas de publicidade.

Mas o paraíso de uns é o inferno de outros. As areias brancas que chamaram a atenção do italiano Giorgio Bonelli em 2009, pela semelhança que guardavam com uma praia inesquecível do Caribe, se transformaram em pesadelo. Enquanto via a popularidade da Alchymist crescer vertiginosamente, passou a enfrentar complicadas questões ligadas ao licenciamento do equipamento junto aos órgãos ambientais do Ceará. O litígio, que começou em 2016, segue até hoje.

 

[SAIBAMAIS]A expectativa é que seja resolvido no início do próximo ano. No dia 25 de fevereiro de 2019 termina o prazo dado pelo juiz Sérgio de Norões Milfont Júnior, da 18ª Vara da Justiça Federal, em Sobral, para que seja dada resposta definitiva sobre o pedido de licenciamento da Alchymist. São duas as alternativas. Caso o licenciamento seja concedido, a barraca pode manter seu funcionamento. Caso seja negado, precisará executar um projeto de demolição e realocação do empreendimento. A manifestação deve partir da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace).

"Não há licença emitida pela Semace para o empreendimento em questão. A Semace não liberou o seu funcionamento. A barraca funciona por decisão da Justiça Federal, que acatou pedido de autorização para funcionar sem licença de operação", declarou a Superintendência, por meio de sua assessoria de comunicação, durante processo de apuração que antecedeu a publicação do projeto especial Jeri. Futuro do Presente, veiculado pelo O POVO no último dia 26 de novembro. Giorgio Bonelli, que havia acabado de chegar ao Brasil, vindo de Praga, na República Tcheca, entrou em contato com O POVO para contestar a afirmação da Semace.

Em visita ao jornal, junto de seu consultor ambiental - o geógrafo Pedro Igor Morais, da Geosis Consultoria -, Bonelli apresentou documentação que, segundo ele, comprova sua boa-fé na execução do projeto da Alchymist. A decisão proferida pelo juiz da 18ª Vara em 25 de outubro deste ano é a última de um processo protocolado em julho pela Alchymist. O magistrado amplia o prazo de funcionamento da barraca, por medida liminar deferida nos autos de ação civil pública, em trâmite na comarca de Jijoca, que determinou a suspensão de qualquer procedimento de licenciamento ambiental no período da Área de Proteção Permanente (APP) da Lagoa do Paraíso.

A decisão do juiz contraria a suspensão da licença pela Semace, publicada em 4 de maio de 2017, no Diário Oficial do Estado. "O presente restaurante está por completo em APP", afirma o texto. Na ocasião, a Superintendência e a Alchymist firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que obrigava as partes a ações específicas: a Semace deveria, no prazo de quatro meses, realizar novo estudo de delimitação da área de preservação permanente da Lagoa do Paraíso, e a Alchymist se comprometia a agir a partir desse estudo, mesmo que isso incluísse a retirada total de sua estrutura e a realização de ações de recuperação da área degradada.

"A Semace decidiu esperar o resultado do estudo em curso na Sema (Secretaria do Meio Ambiente), a que a autarquia é vinculada, tendo, inclusive, autorizado a participação de dois técnicos da Semace nos trabalhos. A autarquia informou a decisão em ofício ao Ministério Público Federal, não tendo sido contestada", afirmou a Superintendência quando procurada pelo O POVO. Para cumprir os termos do TAC, o estudo deveria ter sido concluído até setembro do ano passado. Sob a alçada da Sema, o estudo de delimitação se transformou em uma proposta de Plano de Manejo.

"Esse plano é um instrumento de gestão da unidade realizado a partir de estudos e diagnósticos dos meios físico, biótico e socioeconômico. A partir disso vamos propor o zoneamento da área, e tudo isso com a participação da comunidade local e de atores interessados", explica Flávia Prado, que é orientadora da Célula de Política de Fauna e Flora da Sema e coordena a elaboração do Plano de Manejo. Os estudos, que tiveram início em março último, devem ser concluídos no primeiro semestre do próximo ano, com atraso de mais de um ano em relação ao prazo estipulado no TAC.

"Ainda não há manifestação definitiva. O que a Semace fez foi suspender a licença. O TAC diz que a Semace ia fazer um estudo completo de acordo com a lei, o que não foi feito. Tivemos direito de prorrogação enquanto esse estudo não for apresentado. Queremos que seja concluído, que seja definido para que a gente possa tomar uma decisão", disse ao O POVO Pedro Igor, consultor ambiental do Grupo Bonelli.

Enquanto corriam a ação judicial e os prazos do TAC, também entrou no litígio o Ministério Público Federal, que por meio do procurador José Milton Nogueira Júnior, protocolou, junto ao TRF da 5ª Região, Agravo de Instrumento com efeito suspensivo que questionava a prorrogação do prazo determinado pelo juiz de primeira instância. O Agravo argumenta "proteger uma área que vem enfrentando reiteradas investidas por parte da agravada, que tem utilizado dos mais diversos meios ilegítimos para permanecer na APP". O desembargador federal Alexandre Luna Freire indeferiu o pedido no último dia 19.

Procurado pelo O POVO, o juiz Sérgio de Norões Milfont Júnior declarou, por meio de sua assessoria, que não teria disponibilidade para nos atender. A Semace também preferiu se pronunciar por meio de sua assessoria. 

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LINHA  DO TEMPO 

2013

O italiano Giorgio Bonelli compra a Barraca do Tobias, às margens da Lagoa do Paraíso, pensando em transformá-la em um loteamento

2015

Bonelli abre mão da ideia do loteamento e inicia a reforma e ampliação da barraca, que é batizada como Alchymist Beach Club

2016

A Alchymist recebe a Licença de Operação nº269/2016 a partir de parecer técnico da Semace que diz que "a área construída do restaurante está localizada fora da APP da Lagoa de Jijoca"

2017

Semace suspende a licença a partir de novo parecer técnico que afirma que "o presente restaurante está por completo em APP da Lagoa do Paraíso. As partes firmam Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), publicado no Diário Oficial.

Março de 2018

Sema inicia estudos para elaboração do Plano de Manejo da área. A previsão de conclusão, que vai definir as estratégias de zoneamento e delimitação da APP, é para o primeiro semestre de 2019.

6/6/18

Alchymist protocola ação na Justiça Federal requerendo autorização para seu funcionamento. O juiz Sérgio de Norões Milfont Júnior, da 18ª Vara, em Sobral, autoriza as atividades da barraca até o dia 25 de outubro deste ano.

25/10/18

O juiz defere pedido de prorrogação do prazo até o dia 25 de fevereiro de 2019.

9/11/18

Ministério Público Federal protocola no TRF da 5ª Região, na pessoa do procurador José Milton Nogueira Júnior, Agravo de Instrumento pela rejeição da prorrogação do prazo.

19/11/18

Desembargador federal Alexandre Luna Freire indefere o pedido de efeito suspensivo.

FASES DO PLANO DE MANEJO 

1. Elaboração do Plano de Trabalho, do cronograma e das metodologias para a obtenção dos dados.

2. Levantamento de dados sobre a Unidade de Conservação e coleta de dados secundários em literatura específica.

3. Reuniões de grupos interessados, com funcionários da Unidade, conselho gestor, moradores, líderes comunitários e atores interessados.

4. O ESTUDO ESTÁ NESTA FASE. Diagnóstico de meios físicos (recursos naturais, clima, hidrologia, geomorfologia), bióticos (fauna e flora) e socioeconômicos (potencial da área, geração de emprego, faixa etária produtiva).

5. Elaboração do zoneamento, a partir do diagnóstico, com definição das áreas que devem ser protegidas e das que podem ser utilizadas.

6. Criação de planos e projetos para a Unidade de Conservação, incluindo programas de recuperação para áreas degradadas.

7. Entrega do Plano de Manejo.

O QUE DIZ A SEMACE 

A Semace foi consultada sobre as declarações de Giorgio Bonelli sobre a Alchymist ser a única barraca com todas as licenças na Lagoa do Paraíso. Por meio de sua assessoria de comunicação, a Semace disse: "O estabelecimento não tem licença de operação, mas funciona respaldado por decisão judicial. Todos os estabelecimentos estão sujeitos à legislação ambiental e os infratores sujeitos às punições previstas em lei. As denúncias relacionadas a atos cometidos na margem da lagoa localizada em Jijoca de Jericoacoara devem ser apresentadas à autoridade ambiental do município, que passou a ser responsável pela fiscalização e pelo licenciamento de empreendimentos de impacto local."

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