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O valor de retornar à sala de aula e descobrir potencialidades
Reportagem

O valor de retornar à sala de aula e descobrir potencialidades

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[FOTO1]Há dois anos, algumas descobertas têm feito a comerciante Vanda de Sousa, 44, se surpreender consigo mesma. Umas das mais recentes é que é boa em poesia. "Não sabia que eu era boa nisso. Foi a maior nota que eu tirei em Português. Porque mexeu com o coração e quando mexe com o coração, é espontâneo". Mas, a história de ser boa com as palavras começou com uma provocação do filho.

Os percalços da vida fizeram Vanda interromper os estudos na 5ª série. Posteriormente, as obrigações de trabalhar e cuidar da família transformaram a escola em um sonho a ser realizado mais à frente. "Quando colocar meu filho na faculdade, volto a estudar", prometeu a si mesma. "Meu filho passou na universidade, mas não gostou e trancou. Eu sempre batia na tecla para ele voltar. Ele dizia 'a senhora devia estudar para ver como é difícil'. Depois, percebi que aquele sonho podia não ser o dele, mas era meu. No fundo, eu que queria".

A provocação do filho retomou o sonho, que se fez realidade no Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) Gilmar Maia, no Centro, onde ela começou a cursar o 6º ano do ensino fundamental. "Voltar a estudar é uma oportunidade que poucos têm. Só fica aqui quem realmente quer", resume.

"É como se tivesse voltando à minha juventude, que ficou incompleta. Quando a gente não realiza um sonho nova e vai tentar depois de adulta é um pouco difícil, mas não é impossível". Ela lembra que a estranheza com as palavras era uma constante. "No Português, quando você fala é uma coisa. Na hora de escrever é outra. Tinha muita dificuldade de escrever. Eu vim aprender aqui nesta sala".

[FOTO2]As consequências da falta de intimidade com a escrita ampliaram a necessidade de defender a própria voz: ela quer cursar Direito. "Eu trabalhava de doméstica e fui muito injustiçada. Toda vida eu dizia, se tivesse estudo, ia atrás dos meus direitos. É tão ruim você querer saber uma coisa, como se defender e não saber", conta. E completa: "As pessoas dizem: 'Ela não tem esclarecimento, como é que vai falar com firmeza?'. Ninguém dá importância. É como se não tivesse opinião própria. O que eu dizia ficava no vazio, por eu não ter estudo".

Assim como a de Vanda, não são raras as histórias de vida que mudam quando se aproximam novamente da Educação. Para Conceição da Silva, 54, retomar os estudos vem com a expectativa de melhorias no trabalho. A auxiliar de serviços gerais também precisou abandonar a escola na 5ª série. Natural de Camocim, as circunstâncias ditaram a escolha: estudar ou trabalhar. "Minha família era muito humilde, não tinha condições de continuar. Meu pai era pescador e minha mãe torcia cordas. Às vezes, a gente também ajudava".

O desafio surgiu com a sugestão da chefe de Conceição. "Uma das minhas gerentes pediu. Ela dizia: 'Quero que você continue seus estudos para eu te colocar uma coisa melhor'". A partir de então, a expectativa de melhores oportunidades caminha no mesmo passo que a motivação para conseguir. Todos os dias, Ceiça, como é conhecida, cruza a cidade de ônibus, do Vicente Pinzón ao Centro, em busca do objetivo. "Penso: vou e vai dar certo. Tenho força de vontade de vir, é difícil, mas quero meu diploma aqui", ri, apontando para as mãos.

"O que eu não tinha visto, comecei a ver. Antes lia, mas não entendia, agora eu entendo". Além dos novos sonhos no horizonte e do ânimo heroico no percalço do saber, outro elemento une as histórias de Vanda e Ceiça: o carinho pelos mestres.

Querida pelas alunas, a professora Antônia Costa Lima, 53, define a experiência de trabalhar no EJA: "Eles querem recuperar o tempo perdido. Muitos pensam em desistir e a gente reforça que a pessoa é capaz, que precisa ir em frente. Alguns têm a autoestima lá embaixo e a gente ajuda a resgatarem sonhos que tiveram na infância".

 

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