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Morte de Dandara foi por homofobia, diz promotor
Reportagem

Morte de Dandara foi por homofobia, diz promotor

| JUSTIÇA | Somente na 1ª Vara do Júri, mais três casos em andamento, de crimes de homicídio contra travestis, teriam tido a motivação homofóbica
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Os doze acusados de participação no assassinato brutal da travesti Dandara dos Santos agiram por sentimento de homofobia. É o que sustenta o promotor de Justiça Marcus Renan Palácio, responsável pela acusação no caso. O processo tramita na 1ª Vara do Júri. Dos oito réus adultos, seis foram condenados e dois seguem foragidos. Somente na unidade da Justiça da Capital, segundo Renan, há mais três casos, em andamento, de crimes de homicídio contra travestis que teriam sido motivados pela condição das vítimas.

 

"É evidente que a morte de Dandara foi motivada por homofobia. Veja como um dos acusados se refere a ela, conforme está transcrito nos autos. 'Essa carniça está de calcinha. Tu vai morrer, viado (sic)!' Isso não é um sentimento mais do que revelador de homofobia? Isso não é um sentimento, a mais não poder, homofóbico?", questiona.

 

Agredida com chutes, socos e golpes com pedaços de madeira, a morte de Dandara foi registrada em vídeo, o que possibilitou a identificação da maioria dos acusados. Dos 12 envolvidos, oito adultos e quatro adolescentes. O processo contra os dois foragidos está suspenso, bem como o prazo prescricional da ação. Os quatro adolescentes foram apreendidos e cumprem medidas socioeducativas.

 

Nas imagens, após ser espancada, a travesti é colocada em um carrinho de mão e conduzida por seus agressores para além do enquadramento da câmera. "Os caras vão matar o viado" é a última frase que se escuta no vídeo de 1 minuto e 20 segundos. A travesti, que tinha 42 anos, é levada para um beco e assassinada com dois tiros no rosto. Um paralelepípedo é usado para esmagar seu crânio.

 

Para as incontáveis pessoas que assistiam ao espancamento no local, e para os grupos de WhatsApp por onde o vídeo circulou, Dandara virou espetáculo. De início, foi dito que as agressões à travesti teriam sido deflagradas por conta de um boato. Dandara teria praticado assaltos e furtos no Bom Jardim.

 

"Isso foi rejeitado pelo Conselho de Sentença. Para os jurados, o sentimento de ódio foi o que deflagrou as agressões. Prevaleceram as teses do Ministério Público, de homicídio triplamente qualificado, por motivo torpe, consistente de recusa de convivência com o diferente, meio cruel o recurso que impossibilitou a defesa da vítima", destaca o promotor.

 

"O juiz perguntou para os jurados, na ocasião dos julgamentos: 'O réu agiu por motivo torpe, impelido por sentimento de ódio pela condição de homossexual e travesti da vítima?'. Essa foi a pergunta formulada. E os jurados reconheceram que sim. Também reconheceram que os acusados agiram com emprego de meio cruel, consistente nos instrumentos utilizados, como chutes e pontapés, aumentando inutilmente o sofrimento da vítima", completou Renan.

 

Diretor-adjunto do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o delegado George Monteiro afirma que nas investigações da especializada há um "protocolo". Sempre que o alvo é identificado como LGBT, a possibilidade de que o crime tenha sido motivado por ódio, em razão da condição da vítima, é considerada.

 

"A partir daí, vem toda a investigação. Tudo é analisado, mas nenhum fato é analisado de forma isolada, dentro de um contexto, para se aferir as motivações. A gente analisa a materialidade do crime, as circunstâncias, os motivos e a autoria. E os motivos fazem parte de um contexto da investigação", descreve.

 

Para o delegado, a falta de uma tipificação para os crimes de homofobia também pode comprometer essa identificação. "Como não há uma legislação específica, a gente enquadra com o motivo torpe, como bem fez o Judiciário no caso da Dandara. Não participei da investigação e não posso afirmar que se houve a tipificação por motivo torpe no indiciamento, já que o crime de ódio entra como qualificador do homicídio", ressalta.

 

Monteiro reconhece, contudo, que as investigações podem não ser conclusivas. "Nem o juiz nem o MP ficam adstritos à interpretação literal do que foi feito em sede de investigação policial, embora ela seja importante e norteadora, sendo seguida na maioria das vezes. O MP e o magistrado podem entender que há elementos que não foram vislumbrados pelo inquérito", afirma.

 

O delegado defendeu a decisão da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) de incluir o campo de crime por homofobia no estudo, embora não exista essa tipificação penal. "Acredito que a intenção era tratar da forma mais cuidadosa possível, e identificar possíveis ocorrências de homofobia, justamente para ter uma atenção especial para esses crimes e traçar políticas públicas para entendê-los e coibi-los", concluiu.

 

Para entender

Segundo o promotor Marcus Renan, quatro casos de homicídio contra travestis, que teriam sido motivados pela condição das vítimas, tramitam na 1ª Vara do Júri.

 

No caso da travesti Beyoncé, ocorrido em 25 de fevereiro de 2017, o acusado Josimberg Rodrigues de Abreu já foi denunciado. A última movimentação do processo foi uma audiência de instrução.

 

Já o crime de Hérica Izidoro, travesti que foi arremessada de uma passarela na avenida José Bastos, em 12 de fevereiro de 2017, e morta no dia 13 de abril seguinte, continua sendo investigado. A última movimentação foi um pedido de diligências.

 

A morte da travesti Rayca, registrada em 10 de janeiro de 2014, continua em fase de investigação. A última movimentação foi o deferimento de um pedido de quebra de sigilo de dados e interceptação telefônica requerido pelo MP.

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