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Entrevista: A vida bandida de Carioca
Reportagem

Entrevista: A vida bandida de Carioca

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Leia trechos da entrevista com Antônio Carlos de Souza Barbosa, o Carioca. Nesta reprodução no formato pergunta-resposta, O POVO por manter literalmente a conversa com o sequestrador de dom Aloísio Lorscheider, inclusive com algumas incorreções de sua narrativa, incertezas de tempo, pessoas, lugares ou crimes que tenha (ou não) cometido. Para ajudar no entendimento, O POVO abre capítulos durante a fala. A sequência é idêntica à que está na gravação original.

Confira o especial
 
 
Leia a entrevista:
 
[SAIBAMAIS]PRÓLOGO – antes da entrevista...
Por que não me mandaram embora? Está constando no sistema, desde 1998, que eu sou um fugitivo. Sendo que eu paguei 29 anos, 11 meses e 9 dias de reclusão de pena e não devo mais nada. Estou esperando vir um papel lá de São Paulo pra comprovar que eu saí no dia 2/2/2017, de cumprimento de pena. Com alvará de soltura lá de Presidente Prudente (SP).
 
O POVO - Você já ficou preso em quais estados, além do Ceará?
Antônio Carlos Souza Barbosa (Carioca) – Rio, São Paulo. Teve as penitenciárias federais também. Estive em Porto Velho (RR), Mossoró (RN), Campo Grande (MS) e Catanduvas (PR). Passei nas quatro.
 
OP – Você quer ser chamado como na entrevista?
Carioca – Pode chamar Carioca, Antônio Carlos, tanto faz. Não tenho mais nada pra esconder.
 
OP – Você está com quantos anos?
Carioca – 50 anos. Faço 51 em outubro (Aniversariou dia 20 do mês passado).
 
OP – Você hoje cumpre pena pelo quê?
Carioca – Estou preso pelo artigo 16, que é porte de arma de uso restrito.
 
OP – Você tem outras condenações a cumprir?
Carioca – Nenhuma.
 
OP – Você se notabilizou, em março de 1994, por ter sido o detento que manteve dom Aloísio Lorscheider como refém. Até então, você tinha que penas a cumprir?
Carioca – Eu tinha pena de aproximadamente 97 anos em São Paulo. Por assalto e sequestro. O sequestro do empresário Abílio Diniz, eu participei na época. Fugi de São Paulo e vim para Fortaleza.
 
OP – Veio fugido e aqui foi preso?
Carioca – Fui preso em 1993 aqui.
 
CARDEAL REFÉM: PLANO ERA EXPLODIR MURALHA DO IPPS
OP – Como foi pensado, na época, o plano para sequestrar dom Aloísio?
Carioca – Tinha um pessoal meu que vinha fazer pra nós uma fuga do IPPS pela muralha. Só que na época era muito próxima da festa da Páscoa e a muralha estava com o (Batalhão de) Choque. A gente chamava de “os boinas vermelhas”. Aí o pessoal que vinha do Rio e São Paulo pra apoiar essa fuga desistiu. A gente tava conversando, eu e os sequestradores da filha do Edson Queiroz (Nota: a empresária Paula Queiroz foi sequestrada em 22/9/1992. Passou 28 dias em cativeiro. Os réus, presos no mês seguinte ao caso, foram colegas de presídio de Carioca no IPPS). Também uns italianos que tinham sido presos na época. Nós naquela conversa, foi quando dois presos falaram “tá chegando umas autoridade aí que levanta nossa liberdade”. Eu perguntei que autoridade era. “O cardeal dom Aloísio Lorscheider, o secretário, a imprensa e várias autoridades”. Mas dentro da cadeia? “Dentro da cadeia”.
 
OP – Vocês souberam quando sobre a ida das autoridades?
Carioca – A gente ficou sabendo... assim... questão de uma hora e pouco antes. (Nota: Em matéria de 24/3/1994, ao ser preso, ele contou que ter sabido da visita dez dias antes, não algumas horas antes). O nosso plano mesmo era ir pela muralha.  Vinha gente de fora pra explodir a muralha pra mim e pra outras pessoas.
 
OP – Seria explodida quando?
Carioca – Ia ser no mesmo mês, mês da Páscoa. Só que pelo fato de ser festa, a muralha tava com os PMs do Choque. Tava reforçada. Tinha dois PMs em cada guarita. Os boinas vermelhas. Eles ficavam de fuzil. Então os meninos que iam fazer pra nós desistiram. “Não dá pra nós ir não, vamo esperar até junho”. Eu falei tá bom. Quando nós tava lá no P-8 (pavilhão) reunido, dizendo que ia dar um tempo na situação, foi onde surgiu essas ideia. O preso veio de lá e falou “em duas horas tá vindo as autoridade”.
 
OP – Mas você sabia quem era dom Aloísio?
Carioca - Eu já tinha lido reportagem dele, que ele no Ceará era como se fosse, nas nossas palavras, um manda-chuva. Praticamente mandava mais que o governador, que na época era o Ciro Gomes. Falei “não acredito que esse homem vai entrar aqui na cadeia”. O cara confirmou que ele ia entrar. “Então vamos se organizar”. Nos organizamos, todo mundo dentro. Eu falei “eu vou pegar ele. Quando eu pegar, o resto tudo se aproxima”. Tem que fazer e vamo embora.
 
OP – Naquele dia, dentro do presídio, nós acompanhamos a visita até o pavilhão final (P-8). Até aquele momento, tudo parecia estar tranquilo. Vocês pensaram em dominar o cardeal ainda lá ou já marcaram que seria no auditório?
Carioca – Quando as autoridades estavam chegando no auditório, elas passaram pela administração. Nós se encontrava ali no P-7, na cela oito. Fizemos uma reunião ali, onde foram colocados todos os ponto e vírgula. Eu falei “quando chegar na voz do dom Aloísio é o sinal pra nós pegar”. Quando eu pegasse dom Aloísio, todo mundo tinha que vir pra cima e pegar as outras autoridades que estivessem lá.
 
OP – Então cogitaram pegá-lo ainda antes?
Carioca – Isso. Começou a apresentação de todas as autoridades, “eu sou Raimundo Brandão (ex-coordenador do Sistema Penal), o coronel tal, eu sou Eunísia (Barroso, à época da Pastoral Carcerária), sou o deputado estadual, sou fulano. Quando chegou na voz dele, ali eu queria até desistir. Me deu um medo muito grande ali. Só que tinha sido conversado entre nós que se eu ou qualquer um desistisse, a pena seria a morte. Se eu desistisse ali, quando voltasse lá pra dentro iria morrer. Eu tive que ir. Eu tava na terceira fila, me levantei e tive que grudar o homem lá.
 
OP – Quem teve exatamente a ideia de sequestrar o cardeal?
Carioca – Fui eu. Foi pelo fato de eu ter passado muitos anos nas cadeias do sul e lá é praticamente impossível uma autoridade entrar no sistema prisional. Quando vi secretário, coronel, cardeal, eu disse “aqui com certeza tem como nós levantar (fugir)”. Porque fazia um tempo que eu tinha tentado uma fuga e tinha sido frustrada lá em Araraquara (SP). Lá nós pegou o diretor e não deu certo. Lá não tem acordo. Veio policial pra negociação e nós se entregou. Aqui praticamente nós viu nosso alvará de soltura na mão.
 
FUGA SERIA TOMAR AVIÃO NO AEROPORTO
OP – Como as armas chegavam até vocês? Porque havia facas, cossocos (facas artesanais), revólveres, outras armas.
Carioca - Nosso plano era fugir pela muralha e eu tinha colocado três revólveres pra dentro. Um tinha sido pego. Nós pulava a muralha assim: a gente mandava dar um curto em Itaitinga, nos fios de alta tensão, apagava toda a luz do penal. Demorava um minuto e pouco pra ligar o gerador, dava tempo pular o muro e ir embora. Porque tinha fios de alta tensão de 1.200 volts, tinha que ser rápido. Aí o Océlio foi pular o muro e perdeu um (revólver) tinha ficado mais dois dentro do IPPS. Foram esses que nós usou pra fazer essa fuga. Era muito fácil naquela época. Hoje em dia o sistema penitenciário do Ceará tá mais moderno, mais avançado.  Antigamente, 24 anos atrás, o padrão de segurança, o agente prisional andava de bermudão, de chinelo, tinha PM dentro da cadeia. Não tinha um rigor. Hoje existe. Quando fui preso e me deparei com o sistema, os policiais igual ao de Wenceslau II, em São Paulo, onde tirei a maioria da minha pena. Lá são os homens de preto. Aqui parece que tá em São Paulo, tudo de preto, calibre 12, metralhadora. Naquela época era completamente diferente.
 
OP – Aquelas armas foram obtidas através de agentes, de policiais, de visitas?
Carioca – Não, foi por rebolo mesmo (jogadas de fora por cima da muralha). Porque no Penal (IPPS), o senhor mesmo sabe porque esteve lá dentro naquele dia, tinha mato lá que dava quase cinco metros de altura. Era muito fácil, a pessoa vinha por trás do muro depois das dez da noite, jogava o rebolo. Depois você pagava aos meninos e eles iam buscar no pé do muro.
 
OP – Quando vocês decidiram pegar o cardeal e as autoridades, como planejaram que seria a saída?
Carioca – Quando nós pegamos (os reféns) e levamos para o quartinho do auditório e começaram as primeiras negociações, veio o coronel Davi, da PM. Lembro das primeiras palavras dele: “Ei, Carioca, o que vocês estão querendo?”. Só queremos a liberdade. “Dá o dom Aloísio?”. Como vou dar dom Aloísio se é o principal que a gente tem na mão? Ia dar o PM que tava baleado. Água e óleo não se misturam, os presos queriam tirar a vida dele lá dentro. E eu disse ao coronel que como prova da negociação ia dar o PM. E ele “não quero PM não. Quero o cardeal”. Levei o PM baleado, em seguida liberei dona Eunísia e que saiu levando uma fitazinha com o que a gente queria. Aí começou a negociação. Só que era muita contradição da parte da PM. Porque conversavam uma situação, depois vinham com outra. Cada vez colocando obstáculo. Vi que estavam querendo ganhar tempo. “Ó, coronel, vou falar pro senhor: se daqui a duas horas nossas exigências não forem atendidas, vou ser sincero pro senhor, não vai ter como controlar. Porque tava impossível segurar a situação lá dentro.  “O primeiro sinal, a gente vai ter matar um e jogar pro senhor ver. A gente só quer ir embora”. Aí “não fiz isso não”, e negociação. Vieram delegados. Só foi resolvido à noite quando veio um delegado federal lá de Brasília, mandado na época pelo Itamar Franco, porque o papa na época tinha ligado lá. Que o que nós quisesse era pra dar porque o cardeal Aloísio Lorscheider era muito importante no sistema católico. O coronel perguntou “o que vocês querem?”. Nós tá querendo armas, colete, carro-forte. “Chegou a nós que até o governador Ciro Gomes queria negociar com vocês de ficar no lugar do cardeal. Eu falei que a gente não queria governador, presidente. Manda as armas que tamo querendo e deixa nós ir embora e pronto. Depois vocês faz o que quiser com nós”. E ele “tudo bem, vou buscar as armas”. Foi aí que começou a negociação. Essa pessoa de Brasília veio na situação de resolver o problema.
 
OP – Você cogitou realmente matar o cardeal?
Carioca – Não. Pra ser sincero, nunca passou pela minha mente tirar a vida do cardeal nem a de nenhum dos reféns ali. Até porque se eu fosse tirar a vida de qualquer pessoa, era a pena de morte completamente garantida pra mim naquele momento.
 
OP – Relatos dos reféns contam que vocês pediam desculpas ao cardeal, que ele era o mais protegido, mas que aconteceram momentos de tensão. Na transferência do quartinho para o carro-forte e dentro do veículo, na fuga. Houve isso? Vocês chegaram a ser seguidos por uma viatura e uma equipe de reportagem. 
Carioca – Os planos na época era pra nós ir pro aeroporto, invadir o aeroporto, pegar um avião. Meu plano era esse. Desde o começo. Só que quando chegou as armas, carro-forte, eu dei uma balançada no carro pra ver se o tanque tava mesmo cheio ou só pregado o ponteiro pra gente andar uns três, quatro quilômetros e o carro parar. Tanque tava cheio, dei uma examinada, tava normal.
 
OP – E por que não foram para o aeroporto?
Carioca – O finado Roberto Fazendeiro disse que iria pilotando o carro. Quando a gente foi fazer o retorno na BR-116 sentido Fortaleza, na época não era duplicado. A Polícia Federal e todas as viaturas fecharam o acesso para Fortaleza. Nós seguiu pro Interior. Nessa daí, quando chegou mais ou menos em Pacajus, tinha uma ruazinha de chão, muita escuridão, falei “entra nessa rua aqui”. Ele entrou na rua, apagou a luz do carro-forte. A gente ficou olhando, muita viatura, ambulância, falei “esse carro tá rastreado”. Foi onde que o finado falou “meu pai tem uma fazenda aqui perto, vamo pra lá. Lá nós dispensa os refém, pega uns três, quatro carro e nós segue viagem”. Nós vimos que o carro-forte tava rastreado. Quando chegou na fazenda, na casa dele, como a gente fala na linguagem do crime, foi o conto do vigário. Tinha os pacotes de pão duro e dois litros de cachaça. Cachaça só serve pra deixar a pessoa com a mente louca. Começaram a beber cachaça, a perder o controle.
 
OP – Vocês pararam quanto tempo lá?
Carioca – No sítio lá, ficamos uns 20 minutos.
  
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TENSÃO, CACHAÇA E DESCONTROLE
OP – Tem a fala de um dos reféns que a mãe do Beto Fazendeiro pediu perdão várias vezes a dom Aloísio. E o pai teria sido contra vocês terem ido lá e negou dar um carro pra vocês fugirem.
Carioca – Isso é verdade mesmo. A mãe dele falava “ô Carioca, deixa o dom Aloísio aí”. Eu ia deixar ele lá mesmo. Íamos deixar todos os reféns. Mas aí a gente viu um monte de viatura vindo, tudo de farol aceso. “Entra todo mundo no carro, vamo embora”. Peguei o carro e já tirei da mão do Betinho e fui guiando.
 
OP – Teve tiroteio nessa hora?
Carioca – Teve uns tirozinhos.
 
OP – Você conhecia a família do Fazendeiro?
Carioca – Não, nunca tinha visto. É que ela tinha me visto na TV. Por isso falou meu nome. Aí a gente seguiu. Já começou o descontrole. Os meninos colocando fuzil pra fora do carro-forte, atirando. Eu não conhecia a região, bati com o carro na pedra na entrada da serra (em Quixadá). O carro parou lá. Questão de dois minutos, muita viatura, falei “Seja o que Deus quiser, cada um por si”. Abri as portas do carro-forte e todo mundo saiu correndo.
 
OP – O Beto Fazendeiro teria cogitado jogar reféns com o carro em movimento? E teria ameaçado matar? Como foi a tensão dentro do veículo, durante a fuga?
Carioca – A tensão já foi por causa da bebida alcoólica.
 
OP – Vocês estavam bebendo no carro?
Carioca – Eu não bebo. Havia dois litros de cachaça no sítio que eles pegaram e começaram a beber. O autocontrole não tinha mais como dominar. Por mais que eu falasse “para com isso aí”, eles diziam “não quero mais saber”, aquelas ideias. Eu tava tentando proteger a minha vida naquele momento, sou realista. Não tava querendo proteger a vida de refém ou de preso. Porque já tinha perdido o controle da situação, essa é a realidade.
 
OP – O que dom Aloísio dizia pra vocês dentro do carro?
Carioca – Ele tava perto de mim dentro do carro. Eu tava no piloto do carro-forte, ele sentado do meu lado. Ele falava assim, aquela voz de italiano: “Que Deus lhe abençoe” (imita o jeito de falar do cardeal). E colocava a mão em mim (risos). Eu não entendia como um homem daquele... que Deus tenha colocado ele em bom lugar, porque deve ser um santo mesmo.
 
OP – Ele não perdeu a calma?
Carioca – Não, porque os outros pediam. E minha preocupação era com as mulheres (Nota: houve apenas uma mulher refém). Porque no crime não é permitido certas situações. Se acontece uma situação anormal ali, hoje eu ia estar cumprindo pena talvez como um (artigo) 213 ou 214 (que tratam de crimes contra a dignidade sexual).
 
OP – O que teria sido proibido, por exemplo, você fazer, dentro do código dos presos?
Carioca – Na nossa linguagem tem o ladrão. Eu mesmo era ladrão. O ladrão é o que rouba banco, carro-forte, relojoaria etc. E tem o assassino, aquele que mata por prazer, cruel. Ele te assalta, mas só de você olhar ele te mata. E existe o psicopata, aquele que rouba na intenção de estuprar, de cometer vários tipos de delito com a pessoa. No crime, a gente não apoia esse tipo de situação.
 
OP – Você seria punido se cometesse uma barbaridade?
Carioca – Com certeza, com certeza. Se acontecesse algo ali dentro do carro, com  uma senhora, com certeza no próprio inquérito policial, hoje em dia eu não ia ter o espaço que tenho hoje perante os presos, até mesmo entre os agentes. Graças a Deus todos me respeitam e respeito eles também.
 
OP – Os outros reféns estavam nervosos?
Carioca – Os mais calmos eram dom Aloísio e o Raimundo Brandão (à época coordenador do Sistema Penal).
 
OP – Dom Aloísio falou algo mais?
Carioca – Duas palavras que ele falou pra mim. Que ele já tinha vivido uma história parecida com aquela, na época da ditadura. Mas aí não fui me aprofundar sobre o que tinha acontecido com ele na ditadura. Ele não me chamou de Carioca, chamava de Antônio Carlos. “Antônio Carlos, eu já vivi uma situação parecida com essa na época da ditadura”. Ele só falava “que Deus abençoe vocês. Deus tá abençoando, vocês vão conseguir a liberdade de vocês”.
 
A REPERCUSSÃO 
OP – Você já tinha ouvido falar de dom Aloísio?
Carioca – Eu já tinha ouvido falar dele, mas não tinha o conhecimento de que ele era tão importante pro Ceará, pro Brasil, pro mundo.
 
OP – Você achou que o sequestro não ia ter a dimensão que teve?
Carioca – Não, nunca passou pela minha mente isso aí.
 
OP – Ele foi um dos cotados para ser papa.
Carioca – Isso aí eu fiquei sabendo depois, numa leitura que eu fiz numa revista. Que ele era um dos nomes indicados.
 
OP – Depois que largaram os reféns, você fugiu pra onde?
Carioca – Eu fiquei dez dias andando dentro do mato, só trocando tiro com a Polícia. Quando chegou nos dez dias eu fui preso.
 
OP – Você estava com o revólver. Tinha munição suficiente?
Carioca – Tinha, tinha. Tava com dois revólveres e uma metralhadora. Foi dada pra nós duas metralhadoras, duas calibre 12 e os revólveres.
 
OP – A forma como o sequestro aconteceu, você acha que seria possível de novo hoje? 
Carioca – Não. Hoje acho que não aconteceria porque a Polícia está mais bem preparada. Antigamente , a gente vivia praticamente na Idade da Pedra. Essa é a realidade.
 
EX-AERONÁUTICA, PAI ERA OFICIAL DA PM
OP – No lado pessoal: seu pai biológico era policial, tenente-coronel?
Carioca – Era tenente-coronel. E eu, faltava pouco tempo para sair cadete da Aeronáutica.
 
OP – Você ficou quanto tempo? 
Carioca – Quase quatro anos.
 
OP – Como você migrou para o crime?
Carioca – Então: eu fui expulso da Aeronáutica.
 
OP – Por quê?
Carioca – Por causa do sequestro do Abílio Diniz (empresário), da rede Pão de Açúcar.
 
OP – Você era militar na época?
Carioca – Era militar. Tava servindo e tinha participado, tava de boa no quartel, me grampearam e fui expulso.
 
PRESÍDIO NÃO REEDUCA
OP – No presídio, o detento tem que chances de conseguir se recuperar?
Carioca – Vou ser sincero. Se for falar que o sistema penitenciário do Brasil educa e reforma o preso, é uma mentira muito grande. Isso depende do esforço de cada um. Porque você passa por um sistema que é completamente falido. Olha o exemplo: eu tirei 29 anos, 11 meses e nove dias. Na África, Nelson Mandela tirou 30 anos e foi eleito presidente. Pra você ver o preconceito que existe entre nós, brasileiros. Eu tirei 29 anos, 11 meses e nove dias, 21 dias pra completar 30 anos. Fui colocado em liberdade no dia 2 de fevereiro de 2017. Fiz uma prova do Enem, passei. Pra Educação Física. Tava já há um ano e seis meses fazendo Educação Física, tudo normal, com a mente completamente mudada. Ganhei minha liberdade. Em São Paulo tem a Funap (Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso) que ajuda muito o preso. Tem assistência psicológica, social e tudo mais. Pra se reintegrar à sociedade. Mas o que aconteceu comigo? Eu simplesmente peguei um avião no mês três. Fui com meu alvará de soltura lá no guichezinho, o rapaz falou “você tem que ir ali na delegacia da Polícia Federal pra poder embarcar. Tudo bem, não devo nada, fui lá, a delegada perguntou: “Você tirou tudo isso de cadeia?”. Tirei. “Você tá regenerado?”. Tô, graças a Deus. “Você tá indo pra Fortaleza fazer o quê?”. Tirar meu registro em Messejana, a identidade e progredir na minha vida do jeito e da maneira certa. “Pronto, boa sorte”. Vim pra cá. Cheguei aqui, eu tava num lugar que, acho, não era muito certo. Pessoas foram presas lá com uns armamentos, fuzil, metralhadora, um monte de arma.
 
OP – Eram conhecidos seus?
Carioca – Não, conhecidos meus, não. Só porque eu tava, mais ou menos assim... uns oito ou nove quarteirões de distância.
 
OP – Você sabia que havia esse armamento lá?
Carioca – Quando foi comprovado que era eu, pegaram meu dedo e colocaram no aparelho, Antônio Carlos de Souza Barbosa, vulgo Carioca. Ah, pronto! Desandou a minha vida. Aí começou tudo de novo. Já chamaram um monte de viatura, já falaram que eu não poderia ficar na delegacia do Antônio Bezerra porque os parceiros meus iam me tomar. Sendo que não tinha nada a ver. Mandaram eu lá pro Denarc, delegacia da Federal, depois Selva de Pedra, fiquei 67 dias incomunicável lá dentro. Depois mandaram eu pra (penitenciária) federal de Mossoró, depois me mandaram pra Porto Velho.
 
OP – Você passou pelas quatro penitenciárias federais?
Carioca – Eu já tinha passado antes. Em São Paulo fiquei três anos e três meses na (penitenciária) Federal. De 2015 até 2017. Cumpri a pena inteira: 29 anos, 11 meses e nove dias. Saí com alvará de soltura. Cumpri a pena inteira.
  
EX-COMANDO VERMELHO, MIGROU PARA O PCC
OP – Você é de uma facção?
Carioca – Eu fui 19 anos Primeiro Comando da Capital (PCC).
 
OP – Na época do sequestro do dom Aloísio você era do Comando Vermelho.
Carioca – Eu era do Comando Vermelho. Só que quando eu voltei pra São Paulo foi fundada a facção Primeiro Comando da Capital, em 1993. Dia 31 de agosto. Lá em Taubaté.
 
OP – Você estava no mesmo presídio?
Carioca – Quando foi fundada eu tinha vindo pra cá, Fortaleza. Em 1998 eu fui transferido, fizeram uma permuta entre um preso de São Paulo, pra vir pra cá, e eu fui pra lá. Quando cheguei lá, a facção já estava bem avançada.
 
OP – Mas você se batizou na facção?
Carioca – Eu era só do Comando Vermelho. Porque tinha uma convivência entre o PCC e o Comando Vermelho. Como eu tinha um laço de amizade muito grande lá embaixo, no Paraguai e no Rio de Janeiro, o PCC aqui e em São Paulo precisava muito do meu apoio. Em que sentido? Porque na época as pessoas que eram meus padrinhos no Rio de Janeiro – o Escadinha, o Luiz Carlos Gregório, o Gordo, o Paulo Maluco que era irmão do Escadinha, o Meio Quilo – várias pessoas que se eu falasse “manda descer pra cá pra São Paulo isso...”, eles mandavam. Quando foi em 2005, foi quebrada a aliança entre o PCC e o Comando Vermelho. Aí chegou não só pra mim como pra vários integrantes do Comando Vermelho e “ó, vocês tão com nós ou com o pessoal do Rio de Janeiro?”. Aí eu optei em ficar pelo PCC.
 
OP – Quem falou isso pra você foi exatamente o Marcola (Marcos Wiliam Herbas Camacho, nº 1 do PCC)?
Carioca – Foi a hierarquia lá de cima. A Sintonia Geral.
 
OP – Mas você conviveu com o Marcola?
Carioca – Eu saí de Wenceslau 2 (penitenciária em Presidente Wenceslau-SP). Quando saí, dois dias antes o Gegê do Mangue (Rogério Jeremias de Simone, líder do PCC morto no Ceará este ano) saiu e depois eu saí. Nessa saída de 2017.
 
OP – Convivia com eles todos?
Carioca – Convivia lá em Wenceslau 2.
 
 
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“SINTONIA GERAL” NO CEARÁ
OP – Você atuava como liderança do PCC aqui no Ceará?
Carioca – Não, eu acompanhei a liderança do PCC preso lá em São Paulo por telefone.
 
OP – Você fazia contatos com pessoas aqui do Ceará, dando esse apoio à facção?
Carioca – Na época eu fechava na Sintonia Geral, no grupo dos 14 (líderes, no organograma da facção). Então, por obrigação, nós tinha que tá enviando pessoas aqui.
 
OP – A estrutura do PCC aqui é muito grande?
Carioca – Não só aqui, mas no Brasil e no mundo inteiro. O PCC é como um câncer, não tem mais cura.
 
OP – Como assim?
Carioca – Como a medicina cria vários tipos de vírus para amanhã ou depois fazer a própria cura, em medicamentos, a mesma situação foi a Justiça e o sistema que criaram o PCC. Hoje em dia os governantes estão fazendo benefício para o PCC. Aqui tem projeto de se fazer uma (penitenciária) federal. Cada vez mais vão trazer a facção, que é praticamente incontrolável no Ceará, que é o PCC. O grande erro foi quando o governo de São Paulo demoliu a Casa de Detenção (Carandiru). Porque lá era o Primeiro Comando da Capital. Nem no Interior poderia ter o PCC. Só que quando ele desativou a Casa de Detenção e a Penitenciária do Estado. Lá tinha 10 mil PCC, e a do Estado tinha 3.800 PCC na época. Quando ele desativou e transferiu todos esses presos pro sistema, aumentou. Começou aquela guerra em 2001, que foi a mega. Depois em 2006, a mega que parou o Estado de São Paulo inteiro. A Polícia começa a oprimir São Paulo, pra onde você acha que vai vir os PCCs? Vai vir pro Norte e Nordeste.
 
REGRAS DA CADEIA 
OP – Na época do sequestro do dom Aloísio, você estava preso no IPPS com 640 presos. Hoje está no IPPOO 2 com mais de 1.100 presos e todas as unidades estão com lotação acima da capacidade. Como você compara a realidade carcerária de hoje e lá em 1994?
Carioca – Hoje está mais difícil e ao mesmo tempo mais fácil. Porque antigamente a gente resolvia as coisas na barra de ferro, no machado. Era tudo na idade da pedra. Hoje tem as lideranças de facções. Pra acontecer algo dentro de uma cadeia tem uma regra. Que é a lei de uma hierarquia. Quem tá lá sempre pensa dez, 20 vezes, antes de fazer algo dentro de uma penitenciária. Porque ele sabe que ir pra uma (penitenciária) federal não é brincadeira. Só quem passou pra saber. O Beira Mar, vários integrantes que estão lá há 12, 13 anos. Antigamente, cinco presos se juntavam e diziam “vamos fazer isso...” e faziam. Hoje em dia, pra fazer algo, tem que chegar numa hierarquia. Tem que vir um acordo entre todos numa mesa pra sair o Salve (ordem) pra fazer determinada situação. Senão não faz.  Hoje em dia acho que tá melhor, até pra um diretor, para os agentes prisionais.
 
OP – Por que é tão fácil um preso dar uma ordem de dentro do presídio para seus comandados que estão do lado de fora?
Carioca – Não é que é tão fácil. Essa situação, eu vou até me preservar em falar isso aí.
 
OP – O preso pensa o tempo todo em fugir?
Carioca – Todo dia. Não existe um preso que não pense em fugir, ir embora de um lugar desse aqui.
 
OP – Faz uma contagem regressiva, de quantos dias faltam para deixar a cadeia?
Carioca – Não tem como fazer essa matemática, ela não funciona na mente do preso. A gente tem na nossa mente que há uma chave que te trancou, mas ela não foi jogada fora. Noutros países tem pena de morte, prisão perpétua. Aqui temos ciência que a chave que te trancou vai ter que abrir e te soltar. Sabemos que o sistema não pode acompanhar o número de presos que existe. Hoje em dia, pode perguntar ao diretor, se tiver dois ou três advogados pra 1.100 presos. Então não tem como. Tem muitos presos aí, a diretoria é ciente, que já passou do direito. Mas não é por conta do diretor. É culpa do Poder Judiciário, que é lento. Se eu tivesse condições de pagar um advogado caro, você acha que eu estaria preso agora, dependendo de um simples papel que tá vindo de São Paulo pra cá? Que tá vindo montado numa tartaruga? Acho que não. O sistema tá assim por conta dos governantes, que acham que a solução é construir cadeia. Se construir dez cadeias aqui no Ceará, daqui a dez dias essas dez cadeias vão estar lotadas. Na minha época era IPPS e IPPOO e o Amanari. Hoje são várias.
 
OP – Uma vez você disse que não pensava mais em fuga, mas depois voltou a fugir. Você ainda pensa em fugir, como disse há pouco?
Carioca – Os presos pensam em fugir. Eu, pra ser sincero, não penso mais em fugir. Só que sou sincero e realista. Se eu estiver num pavilhão – aqui se fala vivência -, tiver um buraco e eu ver que dá pra mim, eu vou. Porque cadeia é um lugar imprevisível. Eu posso estar vivo agora, neste momento, e daqui a dez minutos eu estar descendo e perder minha vida. Se eu tenho uma chance de passar por aquele buraco, eu vou embora. Na rua, se eu tenho um inimigo, posso viajar pra outro Estado. Na cadeia, não. Pra eu sair de uma cadeia, tenho que chegar para o diretor e dizer “minha situação é essa...”. Até chegar aquele papel, pode a cadeia quebrar e as pessoas chegam aonde você tá e te matam.
 
OP – Sua família é que banca seu advogado?
Carioca – Eu tinha dois advogados. Como me desliguei da facção...
 
OP – Você não está mais em nenhuma facção?
Carioca – Saí fora.
 
MORTES DE GEGÊ E PACA(1): AVISADO ANTES, QUASE MORTO DEPOIS
OP – Como se diz na gíria, você está sem camisa (fora de facção)?
Carioca – Não, eu ainda sou PCC. Só que quando fui no dia 17 de julho pra audiência, em que fui absolvido, tinha uns membros lá que são companheiros meus. Tavam comigo lá. Porque tinha sido colocada uma situação... você pode até colocar aí porque lá na CPPL 3 todo mundo já sabe disso também e foi comprovado...Que desceu um Salve lá de cima, veio até Salve aqui, pra mim tá retornando pra lá, eu que não quis mesmo. Mas vou falar o porquê. No Dia das Mães (13 de maio deste ano), no pernoite, a hierarquia daqui, sem chegar ordem da hierarquia de São Paulo, os caras fizeram uma conclusão lá que eu tinha mandado matar o Gegê do Mangue e o Paca (Fabiano Alves de Souza) aqui em Aquiraz. Que eu tinha saído com esse Salve daqui. Fiquei até na mão de promotor, juiz, vieram me ouvir, vieram fazer tipo como se eu quisesse fazer um (acordo de delação premiada)... e eu não quis. Fiquei 60 e poucos dias incomunicável.
 
OP – Você foi ouvido sobre a morte do Gegê e do Paca?
Carioca – Fui ouvido por todo mundo. Da selva de pedra eu vim pra cá e o diretor me aceitou aqui (IPPOO 2). Foi comprovado que eu não tinha envolvimento nenhum com a morte do Gegê e do Paca.
 
OP – De dentro do presídio, vocês sabiam que os dois seriam executados, mesmo antes de as mortes acontecerem?
Carioca – Eu tava na (penitenciária) federal quando saiu essa situação lá em Porto Velho.
 
OP – Qual situação, que eles já estavam mortos ou a da ordem?
Carioca – Não, a do Salve. Porque quando os meninos fizeram o assalto dos 40 milhões de dólares lá no Paraguai, eu tava na federal de Porto Velho. Quando fizeram o assalto, surgiu um boato que eles tinham pegado, que na gíria chama palhaço, que é pegar o dinheiro e sumir. Só que não pegaram o dinheiro, o dinheiro apareceu, os US$ 40 milhões apareceram. Quando eu voltei para o Ceará, cheguei num pessoal de São Paulo, eles “e aí, como é que tá lá?”, porque as lideranças estão lá em Porto Velho. O Abel (Pacheco de Andrade, o Vida Loka) e o Tiriça (Roberto Soriano), que é o número 2 do PCC. Eu falei “tá tudo normal, vai morrer quem tem que morrer”. Aí no Dia das Mães, no pernoite, fazia oito dias que eu tinha saído da Federal (de Porto Velho). Chegou um Salve aqui, distorcido, que eu tinha que morrer.
 
OP – Você tava onde?
Carioca – Na CPPL 3. Aí eu fui sequestrado (dentro do presídio). É onde que eu falo que Deus existe.
 
OP – Sequestrado por quem?
Carioca – Pelos próprios integrantes da minha facção. Isso no domingo, quando acabou a visita. Eu fui sequestrado e eles falaram assim: “Ó, nós tá ciente que foi você”.
 
OP – E como você reverteu a situação?
Carioca – Olha como foi revertido. Quando chegou lá em São Paulo no grupo dos 14, chegou um Salve dizendo que não tinha nada a ver comigo, que tinha que apurar da maneira correta. Porque era pra eu tomado o coquetelzinho (bebida preparada na cadeia à base de drogas, cuja ingestão leva à morte). Aí na segunda-feira, nove da manhã, um agente da (CPPL) 3, que é gente boa...eu tinha cometido uma falta de natureza grave lá em Porto Velho, na Federal. Como fala na nossa linguagem, a gente tinha batido de frente com os agentes lá  por causa da visita íntima. Eu tinha pegado uma falta grave. Eu, o Tranca, o Pacajus e o Dinho. Nós veio tudo da Federal.
 
OP – Qual foi a falta grave?
Carioca – Nós colocamos os agentes pra sair...uma zoeira, quase que nós quebra Porto Velho. Pra você ver como Deus é bom e maravilhoso. Naquele domingo era pra eu ter perdido minha vida. Não deu certo porque caiu toda a transmissão. Porque nosso wi-fi na cadeia, a gente tem que pegar um J5 (modelo de celular), comprar um chip e colocar pros outros aparelhos. Faz a conexão. Vira um roteador. Aí caiu a ligação. Não teve como chegar o resumo (a ordem final) naquela noite pra eu perder minha vida.  Quando foi  na segunda-feira chegou essa audiência pra mim, me levou lá em cima, eu e os que vieram da Federal. Não era o meu dia.
 
MORTES DE GEGÊ E PACA (2): “METERAM A MÃO NA CUMBUCA”
OP – Por que o Gegê e o Paca foram mortos?
Carioca – No Salve lá, que todo mundo já é ciente, foi desvio de verba, desvio de dinheiro, meteram a mão na cumbuca. Do dinheiro do Paraguai.
 
OP – E a ordem partiu de quem para eles serem mortos?
Carioca – Rapaz, essa ordem aí foi até precipitada, porque não era nem pra matar eles.
 
OP – Mas quem deu a ordem?
Carioca – Todos que deram esse Salve aí, tá morrendo todo mundo. Todos, todos.
 
OP – Não foi o Marcola?
Carioca – Nada, o Marcola não. Não, não (nega veementemente com a cabeça).
 
OP – Não foi o Tiriça nem o Abel?
Carioca – Não, porque nós estávamos na Federal lá em Porto Velho. Eles, não.
 
OP – Só reafirmando: vocês souberam antes que o Gegê e o Paca seriam executados?
Carioca – Soubemos lá na (penitenciária) federal. Nós sabia porque o PCC tinha liberado 40 fuzis na época pra esse assalto aí.
 
OP – Eles foram mortos dia 15 de fevereiro. Quando você soube que eles seriam executados?
Carioca – No final de outubro pra novembro, quando saí da Federal (penitenciária em Porto Velho), nessa época aí chegou pra nós lá. Porque tinha que chegar primeiro no Abel e no Tiriça.
 
OP – Aqui, porque levaram você para ser ouvido sobre o caso?
Carioca – Não tô criticando a imprensa não, mas tem muito repórter que, para ganhar ibope e vender jornal, eles não apuram realmente os fatos. Não sei se é pressão, não tá nem aí pra vida da pessoa. Fizeram uma matéria muito pesada com meu nome. Que eu tinha vindo exclusivamente pelo Marcola, que tinha vindo pra dominar o Estado do Ceará.  Foi até um repórter que... vou falar pra você. Hoje eu parei com a vida do crime, mas se eu tivesse ainda com o poder na mão como eu tive, aquele repórter lá... vou falar pra você, aquele ali, pra mim, já era mesmo. Porque hoje eu tô no caminho de Deus e não quero mais saber disso. Ele cobrou do governo que eu era um preso que não poderia ficar no sistema penitenciário do Ceará, que eu era manipulador, que prisão pra mim tinha que ser federal. (Nota: Por questão de segurança, O POVO opta por não divulgar o nome do repórter).
 
OP – Mais gente, que não era da cúpula da facção, sabia da ordem para matar Gegê e Paca?
Carioca – Não, não. Porque o Salve Geral, em toda facção, só quem sabe são os membros da hierarquia lá em cima (São Paulo). Nenhum da hierarquia que tá aqui embaixo. É que nem um general ou um cargo de diretor. Vem um Salve lá de cima, nós vamos analisar. Depois a gente pergunta “mas é isso aqui mesmo?”. Aí nós vamos reunir e passar pra todo mundo. “Vai ter que fazer isso aqui”.
 
OP – Havia essa informação que Gegê e Paca estavam desviando dinheiro?
Carioca – Não é que havia. Isso aí foi comprovado mesmo pela hierarquia lá de cima. Mas que a ordem foi do Marcola, isso aí não procede. Não era nem pra eles terem perdido a vida. Isso foi criação de uma ganância dentro do partido (facção).
 
OP – Outros que participaram da morte do Gegê e do Paca estão num Salve e vão ser punidos?
Carioca – Ah, com certeza. Todos que participam da morte de um inocente, pode ter certeza que a cobrança vem da mesma forma. Sangue se paga com sangue, não tem conversa.
 
“GANHAVA R$ 13.700 POR MÊS DA FACÇÃO. NÃO GANHO MAIS”
OP – Você hoje tem papel de liderança dentro do PCC aqui no Ceará?
Carioca – Não, eu tive.
 
OP – Que poder você chegou a ter?
Carioca – Aqui no Ceará eu era da Sintonia Geral em todo o Estado.
 
OP – O que representava ser da Sintonia Geral?
Carioca – Tem a Sintonia Geral do Interior e tem a Sintonia Geral do Estado do Ceará, que é junta com a Sintonia lá em São Paulo.
 
OP – Então você um dos chefes do PCC no Estado?
Carioca – É, mais ou menos isso.
 
OP – Você era como um dos diretores do PCC no Ceará, pode-se dizer isso?
Carioca – Era, como um diretor-executivo.
 
OP – Vocês recebem algo pelo papel de chefia? Ou é só poder?
Carioca – Ganha sim. Quando você passa a ser um membro da hierarquia do PCC, tem um salário pra você se dedicar só à família do PCC. Porque é uma família muito grande. Você passa a ter salário todo mês.
 
OP – Posso perguntar quanto você ganha?
Carioca – Eu ganhava, não ganho mais nada. Ganhava R$ 13.700 e alguma coisa. Por mês.
 
OP – Esse dinheiro caía em conta de familiares seus?
Carioca – Caía na conta do meu pessoal. Eu ia pra (penitenciária) federal, ia pra tranca. E tem gastos, advogados etc. Às vezes, no sistema, chega a ser obrigatório você ter um aparelho desses (aponta para o celular do repórter), senão não tem como você se comunicar com as pessoas.
 
OP – Quem está acima da Sintonia Geral, como você era, ganha quanto?
Carioca – Quem fecha na Financeira (outra função na estrutura da facção), ele tem o próprio salário dele. Financeira é como se fosse um banco. Tem os que fecham na Financeira, os que fecham no sistema, os que fecham na Sintonia Geral, os que fecham no 14, os que são Final. Esses que são Final não têm um salário, eles são praticamente os donos da casa da moeda.
 
OP – Era você e mais quantos na Sintonia Geral no Ceará?
Carioca – Eu e mais dois. E mais três lá do Paraná.
 
OP – E você se reportava a quem?
Carioca – Era direto lá no que a gente chama de Cidade Perdida 2, em Wenceslau 2. Era só em Wenceslau 2 ou em Presidente Bernardes (também no Interior paulista).
 
OP – Como você analisa a GDE (facção Guardiões do Estado)?
Carioca – A GDE é uma facção nova, tem que aprender muito, mas ela tem um grande poder de liderança no Ceará. Ela está praticamente com dois anos que foi fundada, atingiu 30 mil e tantos integrantes, está crescendo a cada dia.
 
AGORA NA RUA DOS IRMÃOS EVANGÉLICOS
OP – Como você acha serão seus dias daqui por diante no sistema?
Carioca – Não tenho mais nenhum dia de pena, deixando bem ciente. Nenhum dia pra cumprir. Fui absolvido no processo que tá me segurando, que é o artigo 16 (Nota: A informação na 3ª Vara de Execução Penal de Fortaleza é que Carioca é acusado pelos crimes de porte de arma de uso restrito (art.16), organização criminosa e receptação). Não devo mais nada nem à sociedade cearense nem à sociedade do Brasil. Estou completamente limpo com a Justiça. Estou dependendo simplesmente de um papel. Pessoal da minha família até viajou lá pra São Paulo, pra pegar na penitenciária de Tupi Paulista, a cópia do meu alvará de soltura pra trazer pra cá. E, eu falo de coração, eu parei com a vida do crime. Não quero mais saber.
 
OP – Desde quando você saiu da Sintonia Geral?
Carioca – No dia 17 de julho eu fui pro Fórum, foi mandado o Salve pra mim. O PCC chegou pra mim, conversando na linha, e falou assim: “Você sai da rua da GDE que nós vai mandar um advogado pra tirar você daí.  Você tem que voltar pra CPPL 3”. Eu até falei pro diretor, ele disse “se você precisar eu tiro você”. Eu falei “não quero mais sair da cadeia do senhor porque eu parei com a vida do crime”. Hoje eu tô na rua 3 (do IPPPOO 2), que é a rua dos  irmãos evangélicos. Eu tô me dando muito bem nessa nova fase da minha vida. Tô conhecendo Deus, conhecendo outras pessoas que têm outra cultura, outros pensamentos. Diferentes dos meus, que eram só roubando, matando, destruindo.
 
OP – Você era de qual religião na época do sequestro?
Carioca – Não era de religião nenhuma.
 
OP – E hoje você é o quê?
Carioca – Hoje eu não posso falar que sou evangélico. Isso seria uma palavra muito mentirosa, seria hipocrisia da minha parte. Mas eu tô me esforçando e tô tentando buscar Deus. Isso posso falar com toda sinceridade.
 
OP – Você tem esperança de sair daqui e conseguir levar uma vida normal do lado de fora?
Carioca – Tenho. Tenho esperança de ir embora até hoje.
 
OP – Porque, no meio da nossa conversa, você reclamou que acabou sendo marcado, por ser o Carioca.
Carioca – Não, eu tô preso pelo meu nome. Porque se eu fosse um cidadão comum não estaria mais preso. Não estava mais. Tô preso porque sou o Carioca. “Ah, é o Carioca. Então deixa ele preso”. Eu queria aproveitar o espaço que você tá dando e fazer um apelo ao presidente da OAB. Se ele ler o jornal, pra ver o meu caso. Eu tô ocupando uma vaga que seria de um preso de alta periculosidade, aqui no Olavo 2. Eu tô bebendo café e comendo os quatro pãezinhos que eram pra outro preso. Era para estar em liberdade, tomando conta da minha família e da minha vida. Tô preso por causa desse nome pesado que colocaram em mim: Carioca. 





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