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Uns com os outros
Reportagem

Uns com os outros

| SOLIDARIEDADE | As lições que a vida oferece sobre o bem comum a qualquer tempo
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Ao invés de fileiras, formam-se grupos e uns com os outros, unindo diversidades - de gêneros, de origens, de vivências, de saberes... -, compartilham acertos, corrigem erros, resolvem dúvidas. Do primeiro ano de vida, quando as crianças vão chegando à escola, e muito além das salas de aula, compreende a ambientalista Fátima Limaverde, fundadora da Escola Vila (no bairro de Fátima) e coordenadora da Universidade da Paz (Unipaz-CE), é possível, "o tempo inteiro", ensinar e aprender sobre solidariedade.

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A solidariedade é uma espécie de encontro com o tanto que o outro é. Assim, é também um encontro com as faltas, as dores; com as curas. "É olhar o outro e reconhecer como legítimo, com as suas necessidades, potencialidades, e de que forma posso interagir... Ser solidário é estar aberto, ter muito amor no coração para olhar esse outro com tudo o que ele traz. Respeitar tudo isso e poder ajudá-lo da forma que é possível", abarca Fátima. Por isso, para possibilitar o olhar e a ajuda, ela explica, a disposição dos alunos em grupos, aproximando todos desde a escola.

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As pessoas se aproximam, ao longo da vida, por dois caminhos: pela dor ou pelo amor. Sentir o que o outro sente - a fome, o desconforto, a perda, por exemplo - é fazer uma ponte, expressa Cícero Mateus de Souza Morais, 30 anos, coordenador pedagógico da Escola de Tempo Integral (ETI) Guiomar da Silva Almeida (na Paupina): "Solidariedade é se importar, é não fazer com o outro aquilo que você não gostaria que fizessem com você. É ser capaz de sentir a dor do outro".

 

Atravessar os egoísmos é alcançar direitos universais. O ensino da solidariedade, colocado em prática pelos educadores ouvidos pelo O POVO, repercute nas pessoas e nos lugares. É sobre "como ser um cidadão melhor do que foi meu pai, do que foi minha mãe, do que eu fui ontem", retrata Cícero. E como desfazer fronteiras: para o professor da escola pública, a solidariedade é capaz de "romper esse ciclo de miséria, de exploração".

 

Nesse sentido, aponta Cícero, a ETI oferta a disciplina "projeto de vida", que conduz a busca individual de "um lugar dentro da sociedade, para que ele some com todas as outras pessoas que estão construindo a cidade e o mundo". Nas duas escolas visitadas pela reportagem, em realidades opostas de Fortaleza, a solidariedade é apresentada em projetos que buscam doações (de bens materiais, como leites e livros, e imateriais, como atenção e palavras) ou é inserida no respeito ao outro, a si mesmo e ao planeta, dia a  dia.

 

"A gente acredita que o cidadão está aqui para ajudar a melhorar o mundo. E que, para isso, ele precisa melhorar a si mesmo, se reconhecer como parte de tudo isso", une Fátima Limaverde. "A vida precisa ter esse sentimento. Que ser humano sou eu que não penso no outro?", espelha. E conclui: "A competitividade é ensinada. A solidariedade precisa ser vivenciada porque é um sentimento maior do ser humano".

 

É uma grande lição da própria vida, repassa a assistente social Adriana Jerônimo Vieira Silva, 28 anos, presidente da Fundação Marcos de Bruin (no Lagamar). A ONG foi criada, há 26 anos, por um mutirão de moradores que precisavam de um lugar de capacitação para empregos formais. Na época, tiveram apoio das Comunidades Eclesiais de Base e de jovens voluntários alemães. Hoje, vivem "um desafio diário: a gente vende o almoço para comprar a janta", compara Adriana.

 

A solidariedade é o jeito da vida viver ali, ela reconhece: "Nas periferias, a gente aprende sobre solidariedade desde pequeno. Porque todo mundo mora tão perto, as paredes são para duas casas, então, a gente sempre sabe o que o nosso vizinho está passando". E, soma Adriana, tantas vezes, tarde da noite, chega um pouco de sopa, um pedaço de bolo, um amparo.

 

"As senhoras da Legião de Maria são o sinal mais vivo da solidariedade aqui dentro", exemplifica Adriana. "Quando morre alguém, todas se unem e vão visitar a família. Se é a mãe que perdeu o filho, passam o tempo todo do lado, rezam com ela", completa. E não importa quem seja o morto ou quem sobreviva, afirma, "elas visitam quem é sofrido aqui dentro. E é um aprendizado diário". Até fazer entender, conclui Adriana, "que nosso papel no mundo é muito maior do que só estar na zona de conforto, sem colaborar com a vida do outro".

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