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O desafio de colocar o Brasil no prumo
Reportagem

O desafio de colocar o Brasil no prumo

| GASTOS PÚBLICOS | Organizar as contas públicas num momento de recessão é tão difícil quanto urgente. O risco de colapso ameaça as políticas públicas nas diversas áreas
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Dos desafios do próximo presidente brasileiro, retomar o equilíbrio das contas públicas é apontado pelos economistas como prioridade máxima. A falta de uma cultura de educação fiscal, aliada a fatores como a má gestão, foi o gatilho para que o Brasil entrasse em uma das piores crises econômicas da sua história e que sequer dá sinais de trégua.

[SAIBAMAIS] 

"Estamos em uma encruzilhada, se não dermos uma solução que permita reequilibrar as contas do Governo com certa rapidez podemos entrar em colapso", afirma o consultor econômico Raul Velloso.

 

O problema exige soluções complexas. O déficit primário, quando os gastos do Governo são maiores que as receitas (desconsiderando juros), chegou nos primeiros sete meses do ano a R$ 38,8 bilhões. E a projeção do Tesouro Nacional para o período de agosto a dezembro é ainda pior: R$ 120 bilhões.

 

Este resultado é puxado, principalmente, pela Previdência, que teve saldo negativo de R$ 105,3 bilhões até julho, valor recorde para o período. Despesas com o custeio da máquina pública também subiram 5,5% acima da inflação.

 

Organizar as contas em um ambiente de recessão é mais difícil. Levantamento feito por Velloso mostra que, só nos estados, o peso da crise na arrecadação chegou a R$ 287,9 bilhões entre os anos de 2015 e 2017. O valor corresponde à renda que teria entrado a mais se a receita tributária tivesse crescido na mesma média do período 2002-2014. "Estas perdas impõem um grande desafio aos governadores que serão eleitos", observa.

 

Com esse dinheiro daria para arcar, por exemplo, com o custo anual de 95,1 milhões de alunos na educação básica, com base no valor mínimo de R$ 3.016,67 estabelecido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para 2018.

 

Na avaliação dos especialistas, independentemente de quem for eleito em outubro, questões como a reforma da Previdência, tributária e a reestruturação da dívida interna, apesar de impopulares, precisam ser enfrentadas.

 

"Sem estes três eixos, não existe solução consistente e sustentável. O problema é o tipo de reforma que o Congresso vai aprovar", avalia o presidente do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE) e professor de Economia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Lauro Chaves.

 

Ele ressalta que, no caso da Previdência, há ainda um agravante: o crescimento demográfico da população. Até 2060, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projeta que um quarto da população brasileira será de idosos.

 

Para a economia retomar o crescimento, o economista Alexandre Cialdini pontua que, no curto prazo, é preciso também rever a PEC do Teto dos Gastos. Ele diz que, embora impor um limite para o crescimento das despesas seja positivo, do que jeito que foi colocado, trava a capacidade de investimentos do País. "E isso é fundamental para fazer a economia girar", diz.

 

Aos novos governantes, ele reforça que não cabe apenas arrumar a casa. É preciso pensar em um modelo de governança que dê conta do presente, mas olhe para o futuro. "A gestão pública brasileira precisa ser redesenhada. As reformas têm que ser feitas para aproximar o cidadão do serviço público. E apesar de se falar muito que é preciso olhar para o resultado, pouco se faz isso, de mensurar o custo da política pública e seu retorno, quase não há inovação", acrescenta.

 

Impacto 

 

Com  freio na arrecadação tributária, o Ceará perdeu R$ 5,2 bilhões, de 2015  a 2017. Os efeitos só não foram sentidos em maior grau pela população por conta da boa cultura fiscal

 

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Por que você tem a ver com o equilíbrio fiscal do Governo?

A missão de qualquer Governo, seja ele federal, estadual ou municipal, é oferecer serviços públicos de qualidade ao cidadão. Para isso é preciso investir em infraestrutura como estradas, escolas, hospitais. Mas tudo tem um custo: que é pago por meio dos impostos.

 

Se um governante gasta mais do que arrecada - independente se foi porque houve desvio, realizou mais obras do que podia, se tem servidor demais ou os gastos com previdência estão muito altos - ele precisa recorrer a empréstimos para fechar a conta. O que já traz uma despesa a mais: os juros. No caso da União, em geral, isso se dá por meio da emissão de títulos públicos, que podem ser comprados por pessoas ou empresas.

 

Só que este recurso também tem um limite. Se o Governo não paga direito suas contas, menos gente vai querer investir dinheiro nesses papéis, o que torna o custo deste empréstimo mais caro.

 

Além disso, como o sistema bancário depende do quanto as pessoas ou empresas depositam nele, quanto maior a fatia de recursos que é destinada ao Governo, menor o montante disponível para as outras pessoas ou empresas tomarem de crédito. O que contribui para que os juros ao cidadão também se tornem mais caros.

 

Isso não é tão perceptível quando a economia vai bem porque significa que a arrecadação também está crescendo e vai poder ajudar a equilibrar. Mas em casos de crise prolongada, como a que o Brasil atravessa, o efeito é desastroso.

 

Além das despesas fixas, para honrar essa dívida, menos dinheiro o gestor vai ter para pagar os compromissos com seus fornecedores, com o funcionalismo e menor será a sua capacidade de continuar oferecendo os serviços públicos. Também terá mais dificuldade de conseguir empréstimos externos para seus projetos e investimentos. E, se conseguir, será a um custo maior.

 

Dependendo da gravidade do cenário, dificilmente, vai conseguir avançar em conquistas sociais como a redução da desigualdade e pobreza.

 

É um efeito em cascata: se o Governo não oferece estrutura, mais difícil e caro fica para a empresa privada atuar. Com isso, reduz a produção e a mão-de-obra. O trabalhador sem emprego terá dificuldade de pagar as contas e consome menos, o que também repercute na empresa. E se a produção é menor, menos o Governo consegue arrecadar em impostos.

 

Sobre a série

O POVO inicia hoje uma série de reportagens sobre a importância de se aprender o real valor dinheiro. Ter uma cultura de educação financeira e fiscal é importante em todos níveis, seja no Governo, no dia a dia ou na escola.

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