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A vida de volta
Reportagem

A vida de volta

|SETEMBRO AMARELO| Há um caminho de volta das dores extremas: reorganizar o pensamento e buscar novos sentidos para a vida se contrapõem, com toda força, ao suicídio
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Aos 41 anos, Lúcia (nome fictício) cruza a angústia de passar "do meio do caminho da vida" sem o grande amor, ou os filhos que planejou, ou o emprego dos sonhos. Ela diz que não se reconhece mais no corpo que envelhece e que é "muito, muito difícil" pensar o contrário do que vê. Sente-se perdida no presente e não divisa o futuro. Mas, depois de espancar a si mesma e de se ferir de quase morte, depois de não morrer, Lúcia, "todo dia", tenta fazer algo em favor de si própria, "por menor que seja", contrapõe: "Minha esperança sou eu mesma, tentar outra vida".

 

Em par com um acompanhamento psiquiátrico, Lúcia tenta não pensar mais em suicídio; planeja voltar a estudar. Novos planos dão sempre mais sentido à vida, soma o major José Edir Paixão de Sousa, comandante da seção de busca e salvamento do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará e mestre em Saúde Pública. E os sentidos do viver é o que ele chama de "âncoras: pode ser um familiar, um cachorro de estimação, um hobby, um projeto futuro...".

 

Somente uma "escuta verdadeira", sublinha, quando "estou acolhendo tua dor", pode ir até os silêncios submersos de uma pessoa que tem pensamentos suicidas. "São os primeiros socorros verbais", indica sobre a prevenção ao suicídio. Falar também leva a respostas do "por que aguento o sofrimento. O sofrimento, na realidade, é inerente ao viver porque viver dói", equilibra Edir.

"Ser solidário, sem impor, sem julgar", orienta o especialista de resgates em situações-limites, são passos até a dor do outro e companhia para ir além. "A dor é única e peculiar a cada ser humano. E a busca de sentido é poderosíssima", conclui.

 

"Precisamos falar mais para que as pessoas busquem ajuda", dialoga a psicóloga Jôse Anne Zaffalon, coordenadora do grupo Viver Bem - da área de medicina preventiva da Unimed e que é uma ponte para a busca de ajudas especializadas. "Quem comete suicídio não quer pôr fim a sua vida, mas a um sofrimento. E todo sofrimento tem como tratar, amenizar", completa.

 

Família, amigos, "as pessoas que estão em volta", ela une, contribuem da prevenção ao tratamento, passando pelo resgate de quem tenta suicídio. Estar atento e amoroso é um suporte inicial. Falta de esperança e de prazeres e uma mudança no comportamento são sinais que devem levar a um tratamento adequado - em qualquer idade. "E manter a solidariedade, como vamos agir. 

 

Para que não haja uma segunda tentativa, para que a pessoa volte à vida", ressalta o major Edir Paixão.

 

O suicídio deve ser abordado sem preconceito e com cuidado para não gerar vergonha, culpa ou estresse, reforça a psicóloga Alessandra Silva Xavier, professora da Universidade Estadual do Ceará e que estuda o tema há mais de dez anos.

 

Os vínculos de proteção precisam ser mais fortes. As duas primeiras semanas após uma tentativa de suicídio são de alto risco e exigem atenção por todos os lados, destaca a psicóloga: "É muito importante que a família ajude a pessoa a aderir a esse programa de cuidados, praticar atividades artísticas, terapias... Não é uma única estratégia que consegue dar conta dessa questão".

 

É preciso ainda, ela avalia, "ter um plano de cuidados emocionais: identificar os gatilhos que lhe deixam mais vulnerável e fazer um plano de manejo disso, descobrir os recursos de proteção que tem na vida e como pedir ajuda". 

 

Profissionais da área de saúde mental conduzem essa reorganização do pensamento e do viver, pontua Alessandra. Para a psicóloga, ultrapassar o não morrer "muitas vezes são momentos de dar uma guinada e retomar a vida, reposicionar as relações, o trabalho, as escolhas que faz, os valores que dá".

 

Há um caminho de volta das dores extremas; é como um outro nascimento - a qualquer tempo. "O ser humano se comporta de acordo com o que pensa. A partir do momento que reestruturo minha forma de pensar, que entendo que é uma fase, começo a enxergar de forma diferente e começo a me abrir para possibilidades", salva Jôse Anne.

 

ENSINO MÉDIO

 

O major Edir Paixão, professor do Colégio Militar do Corpo de Bombeiros do Ceará há 18 anos, escreve um livro que relaciona as leis de Newton à prevenção ao suicídio. A ideia é dialogar com alunos do Ensino Médio sobre o tema. "Quando estamos na inércia, temos fragilidades em relação ao suicídio. 

 

E a inércia precisa ser superada. Precisamos entrar em movimento em busca dos sentidos da vida", exemplifica.

 

Onde buscar ajuda profissionalOnde buscar ajuda profissional

- Centro de Atenção Psicossocial (Caps). É uma rede municipal de atendimento, com 14 Caps (seis Geral, seis Álcool e Drogas e dois infantis) nas seis Regionais. O encaminhamento é ado pelos postos de saúde e outras unidades (como o Instituto Doutor José Frota) ou o próprio cidadão pode procurar uma unidade do Caps. Outras informações e os endereços podem ser encontrados em: catalogodeserviços.fortaleza.ce.gov.br/categoria/saúde.

- Centro de Valorização da Vida (CVV). Atendimento voluntário e gratuito, 24 horas, por telefone ou internet, para apoio emocional e prevenção do suicídio. Contatos pelos telefones 141 e 188 ou pelo site www.cvv.org.br. Em Fortaleza, o posto do CVV fica na rua Ministro Joaquim Bastos, 806, Fátima. Telefone: 3257.1084.

- Programa de Apoio à Vida/Universidade Federal do Ceará (Pravida/UFC). Projeto de Extensão da Faculdade de Medicina da UFC, reúne estudantes de Psicologia, Medicina e Serviço Social e tem supervisão do psiquiatra e professor Fábio Gomes de Matos. Além do atendimento gratuito (nas tardes das quintas-feiras), promove capacitações, pesquisas e debates sobre suicídio. Informações: 9.8400.5672.

- Serviço de Psicologia Aplicada do Núcleo de Atenção Médica Integrada/Universidade de Fortaleza (SPA/Nami/Unifor). Formado por professores e alunos (a partir do 8º semestre) do curso de Psicologia da Unifor. Os encaminhamentos são dados pelo Caps, com exceção do plantão psicológico (serviço emergencial). Os atendimentos são de segunda a sexta-feira, das 8 às 21 horas. Informações: 3477.3611.

- Grupo Viver Bem - o grupo existe há sete anos, e aborda assuntos que possam colaborar com a prevenção ao suicídio. Os encontros (seis, no total) são às quintas-feiras, das 10 horas ao meio-dia. Podem participar clientes da Unimed Fortaleza, que tenham diagnóstico ou sintomas de depressão. Informações: 3208.2900 ou no site www.unimedfortaleza.com.br (na área Nossas Unidades/Medicina Preventiva).

- Instituto DimiCuida, na Aldeota – www.institutodimicuida.org.br.

- Instituto Bia Dote, na Aldeota – www.institutobiadote.org.br.

- Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim – www.msmcbj.org.br

- Projeto 4 Varas, no Pirambu – www.4varas.com.br.

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