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O trabalho extra mais que necessário
Reportagem

O trabalho extra mais que necessário

| Bicos | Seja para complementar a renda fixa, realizar desejos ou para sustentar a família, o trabalho informal continua a crescer no Brasil
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Se virar como pode. José Francisco Lisboa Cordeiro, 42, sabe o que isso significa. Vigilante com carteira assinada, também é motorista de aplicativo e vende espetinho na frente de casa. Um trabalhador formal, mas também informal. Uma categoria que cresceu nos últimos anos e se junta à grande massa de pessoas atuando sem vínculo empregatício, nos famosos "bicos".

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Assim comprova o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número de trabalhadores com carteira assinada diminuiu. 

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Passou de 32,9 milhões, de janeiro a março, para 32,8 milhões, de abril a junho deste ano. O menor resultado em seis anos.

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"Já fui empresário e quebrei. Aí vivo de bico há muito tempo tentando me reconstruir. Agora, depois de dois anos, fui abençoado com um emprego. O emprego informal te dá condições de pagar mais as contas, mas o formal te respalda para comprar algumas coisas", resume José, conhecido como Desinho. Para arcar com tudo, a rotina é puxada: plantões de 12 horas e, no fim de semana, corridas durante o dia e espetinho à noite.

 

Para a fisioterapeuta Lúcia Santiago, o "bico" virou a chance de comprar a casa própria. Na semana, aulas de pilates. Sextas e sábados, maquiagem. "Comecei por prazer em maquiar, mas quando vi que poderia dar um retorno para complementar a renda do meu trabalho, que é difícil, continuei", conta. Dificuldades financeiras em casa, dois anos atrás, impulsionaram o exercício informal, que hoje gera quase o dobro do lucro produzido pelo estúdio de pilates.

 

Desinho e Lúcia se encontram entre os 64% de brasileiros identificados na pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), de junho, que afirmam precisar recorrer a trabalhos extras no primeiro semestre deste ano para estabilizar as finanças. Um aumento de sete pontos percentuais ante igual período de 2017. Considerando o segundo semestre, 28% dos entrevistados já previram que irão aderir ao bico para superar dívidas.

 

Realidades de uma lenta recuperação da crise, com uma reforma trabalhista que ainda não conseguiu gerar vagas de emprego e a diminuição do poder aquisitivo do consumidor. "Houve uma queda de salários e perdas nos dissídios (trabalhistas). Isso gerou inadimplência e, para fugir disso, as pessoas buscaram atividades complementares", explica o economista Ricardo Coimbra.

 

O trabalho informal gera uma movimentação da economia e esse aumento dos chamados "bicos", ele diz, deve-se também à insegurança da reforma trabalhista. A variação de preços de alguns produtos acima de inflação, como energia e combustíveis, também motivou a realização dos trabalhos extras. "Para alguns indivíduos têm um peso maior. Para não entrarem numa situação de desligamento com alguns serviços, precisam encontrar outras fontes".

 

Histórias de batalha

 

MATHEUS DE SOUSA, 27

 

Cantando e tocando nas ruas do Centro há três anos, Matheus conta que já teve carteira assinada quando trabalhava com garçom e repositor de supermercado. Saiu dos empregos, esteve em situação de rua, mas depois que começou a cantar e receber trocados consegue pagar um canto para morar. "Toco das 10 às 17 horas e ganho uns R$ 50 por dia. Sou sozinho, então dá pra eu me virar. Dá pra viver. Não é a melhor coisa, mas não tem tanta cobrança de horário", conta.

 

BEATRIZ LIMA FROTA, 20

 

Beatriz não perde tempo. Conta que saiu do emprego porque passou no concurso da Polícia Militar. Enquanto não é chamada, já que o pai paga sozinho as contas de casa, resolveu vender doces para manter os gastos. "Fui caixa de restaurante por anos. Mas como também que tinha de pagar a faculdade, resolvi fazer o que sabia". Ela afirma que ganha cerca de R$ 100 por dia, trabalhando das 10 às 15 horas.

 

ANTÔNIO CARLOS ALVES DE SOUSA, 38

 

0 primeiro e último emprego formal de Antônio foi no Rio de Janeiro, em 1995, como faxineiro de um prédio. Depois que decidiu voltar para casa e ver a família, optou por lidar na roça com o pai. Há mais de 10 anos é ambulante. Faz outros bicos também, como entregador e carregador. "Tenho várias profissões, só nunca roubei. A vantagem do bico é que não sou mandado por ninguém, trabalhando a hora e no lugar que quero", diz. Ele reconhece que poderia pagar uma contribuição previdenciária, mesmo sendo ambulante. "Mas a gente se acomoda", justifica. 

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