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Ministério Público do Rio faz diagnóstico sobre desaparecidos
Reportagem

Ministério Público do Rio faz diagnóstico sobre desaparecidos

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Tipo Notícia

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apresentou, na no final de abril, o diagnóstico Desaparecimento nas Burocracias do Estado. Um relatório sobre 7.937 registros de desaparecidos no estado fluminense de janeiro de 2013 a fevereiro deste ano.  

Desaparecimentos que englobam diversas vertentes de causas.
 

Para a socióloga e pesquisadora Thais Lima Duarte, umas das responsáveis pelo estudo, a subnotificação e outros entraves são obstáculos para pesquisa de um problema que ainda carece de protocolo tanto para registros e sistematização de informações quanto para o acolhimento da família ou do reclamante. E quando o assunto é atravessado pela ação das facções ou das milícias, como uma das causas do desaparecimento, ele cai numa vala sem fundo. Há fragilidade desde a denúncia à coleta de informações. Além de haver um distanciamento do poder público com o tema. (Demitri Túlio)
 

O POVO - Desde quando o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) faz o diagnóstico de pessoas desaparecidas?
 

Thais Lima Duarte - É o primeiro relatório que o MPRJ faz em relação ao Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid). A demanda nasceu de um diálogo entre o Centro de Pesquisa e Inovações e a Assessoria de Direitos Humanos do Ministério Público, onde o Plid está alocado.
 

OP - Qual a base de dados utilizada?
 

Thaís Lima - Foi a do próprio Plid que tem um sistema de informações e reúne dados de diversas fontes do Rio. Informações da Polícia Civil a partir dos registros de ocorrência dos desaparecimentos, da Fundação da Infância e da Adolescência (FIA) e também de empresas privadas em relação a corpos não reclamados de pessoas enterradas como indigentes no Rio.


OP - Quantas pessoas desapareceram no Rio, vítimas de facções criminosas entre 2017 e 2018?
Thais Lima - O Plid não fornece esse tipo de informação, porque não faz uma relação entre pessoas desaparecidas e necessariamente a causa específica tendo como causa a ação de facções. Há alguns relatos de pessoas que desapareceram, conforme a narrativa de familiares, por conta da milícia. Quantitativamente ainda é muito pequeno perceber dentro do universo dos “corpos não reclamados” que aquelas pessoas enterradas como indigentes identificados, a família indicou como a causa da morte a ação de miliciano. Foram apenas dois casos. Esses dados são importantes para chamar a atenção que o fenômeno do desaparecimento pode estar relacionado, por exemplo, com a ação de milicianos.
 

OP - O medo de represália, no caso da facção e da milícia, faz com que a família do desaparecido não faça o boletim de ocorrência?
 

Thais Lima - Não é possível indicar quantas pessoas estão desaparecidas, de fato, no Brasil e no Rio de Janeiro. O desparecimento é um fenômeno que implica um grande grau de subnotificação pela falta de registro em um órgão público e, sobretudo, à Polícia Civil. Isso não é necessariamente causado pelo medo da família em sofrer algum tipo de represália. Muitas vezes é causado pela falta de informação, por um distanciamento entre as instituições do Estado e os cidadãos, que por isso não reportam o desaparecimento. Inclusive a gente não pode dizer que o Plid é representativo justamente porque não conseguimos mensurar de fato o nível de desaparecimento no Estado. Na verdade a gente não consegue nem dizer que os registros da Polícia Civil são representativos por conta da subnotificação.
 

OP - O corpo “indigente” é uma sombra no registro de desaparecidos por causa das facções?
 

Thais Lima - Não encontramos no diagnóstico uma relação direta entre o desaparecimento e a relação com as facções. A gente não pode dizer que a questão do indigente tem a ver com facções.
 

OP - O diagnóstico cataloga quais vertentes de desaparecidos?
 

Thais Lima Duarte - Indicamos várias causas e isso é um dado muito relevante da pesquisa. Em geral, as pessoas desaparecem por causa de conflito intrafamiliar ou por questões individuais e subjetivas. Mas têm algumas declaradamente sociais, como, por exemplo, a ausência de notificação de encarceramento e de óbito. Ou seja, acontecem determinadas situações na vida das pessoas por falta de comunicação à família e os parentes fazem um registro de desaparecimento. Por outro lado, é muito difícil categorizar o desaparecimento conforme uma única vertente. O desaparecimento é um fenômeno complexo, heterogêneo, sendo necessários vários olhares para compreender. 


OP - Por exemplo?


Thais Lima - Em alguns casos, foi apontado conflito intrafamiliar como causa do desaparecimento e a gente pode entender que estavam envolvidas questões de gênero, uso de drogas, ausência de notificação de encarceramento. São várias categorias presentes na base de dados para caracterizar o fenômeno, na verdade elas se mesclam entre si. No mínimo, precisaríamos de uma a quatro categorias para explicar um desaparecimento.
 

OP - Qual a aplicação prática do diagnóstico?
 

Thaís Lima - Busca reforçar as fortalezas dessa ação e tenta reverter algumas fragilidades existentes. No caso do Plid, em especial, o diagnóstico é fundamental porque o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) tomou o programa como nacional e está em processo de expansão. Os resultados poderão ser usados com projeção nacional (nos outros MP). Em geral, as principais recomendações são: tratar o fenômeno do desaparecimento como um fenômeno complexo que não pode ser explicado sob um único prisma; É importante a criação de protocolo tanto de registros e sistematização de informações quanto para o acolhimento familiar; Mediação entre os órgãos do Estado e a família e maior interlocução entre os órgãos de Estado para facilitar o fluxo de informações.

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