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Crianças têm novas demandas e atendimento precisa ser atualizado
Reportagem

Crianças têm novas demandas e atendimento precisa ser atualizado

| TRATAMENTO | As crianças diagnosticadas com a síndrome congênita do zika, hoje com mais de dois anos, têm novas necessidades de estimulação. Mães precisam buscar apoio fora do que é ofertado pelo Estado
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Os bebês cresceram. Se há dois anos, quando a síndrome congênita do zika transformou a vida de mulheres e seus filhos - a maioria pobre - a preocupação era fazê-los sobreviver, respirar melhor ou não engasgar; hoje os desafios para evoluir são outros e maiores. 

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Andar, falar, ir à escola… das 163 crianças diagnosticadas no Ceará, 33 já não são mais acompanhadas pela rede estadual de saúde e muitas das 120 restantes precisaram buscar apoio terapêutico adicional daquele ofertado pelo Estado. A estratégia que garantiu o primeiro amparo a essas famílias não as contempla mais totalmente e também precisa evoluir.

 

Uma das crianças que não é mais acompanhada por nenhum dos 19 Núcleos de Estimulação Precoce (NEP) montados pelo Governo é Luis Pedro, 2,2 anos. Ele mora com os pais na zona rural de Juazeiro do Norte e há cerca de cinco meses a mãe, Lucilene do Nascimento Brito, precisou ir além do que era ofertado. “Com um ano e dois meses ele teve a primeira convulsão e ficou mais molinho do que antes. E o tempo das terapias passou a ficar pequeno, a gente mal chegava e já tinha que ir embora. Começamos a ver que não dava mais resultado”, lembra.

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Nos Núcleos, as crianças são atendidas por fisioterapeuta, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional. Os estímulos com cada profissional duram apenas 15 minutos, duas vezes por semana. Os espaços criados para acompanhar meninos e meninas que tiveram a síndrome congênita do zika passaram a suprir uma demanda de décadas, afetando diretamente o tempo de atendimento. Do público atendido atualmente, mais de 80% têm outros diagnósticos. Como as limitações apresentadas pela síndrome são graves e, muitas, até desconhecidas, as mães precisam procurar outras possibilidades de tratamento.


Hoje, com plano de saúde, Luís é estimulado todos os dias, por no mínimo 45 minutos. “Ele já abre a mão, fica em pé se segurando nas coisas, vai pro chão, se arrasta… antes eu fazia uma viagem de mais de duas horas com ele no braço para quase não ver mais resultado. No começo foi muito bom, mas agora meu filho precisa de mais”, conta a mãe. O plano é pago com o recurso do Benefício da Prestação Continuada (BPC), disponível para Luís. O próximo desafio de mãe e filho será a escola. “A neuropediatra disse que quanto mais criança melhor para ele se desenvolver”.

 

O neuropediatra Lucivan Miranda explica que as terapias precisam mudar de acordo com a idade e as novas necessidades das crianças. “O acompanhamento é fundamental, porque algumas perguntas não têm respostas. Vai chegar um momento em que a terapia não será mais manual, vai necessitar de aparelhos”, pondera o especialista responsável pelo Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce (Nutep), da Universidade Federal do Ceará (UFC). O Nutep foi responsável pelo treinamento dos profissionais que atuam nas policlínicas.

 

Lucivan considera que o tempo de 15 minutos em terapia é menor do que “o ideal” e destaca ainda a necessidade de que a estimulação seja feita pelos profissionais treinados pelo Nutep, que tem 30 anos de atuação. “Mas mesmo que fossem 40 minutos, se não houver a continuidade feita em casa, não funciona. Os terapeutas precisam ensinar às mães a fazerem pequenas manobras. Mas é lógico que a família vai querer sempre mais. Essas crianças vão ter que ir pra creche, por exemplo… as escolas estarão preparadas?”, questiona.


A supervisora do Núcleo de Saúde da Mulher, Adolescente e Criança da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), Silvana Napoleão, reconhece as dificuldades em ofertar todo o apoio que as crianças com a síndrome necessitam. “Essa assistência nunca vai ser perfeita porque a rede SUS não comporta a demanda que existe. Hoje estamos voltando um olhar que a epidemia do zika trouxe”, afirma, referindo-se à necessidade de atendimento às crianças com outras malformações congênitas. Ela garante que as policlínicas foram estruturadas para receber crianças até três anos, mas assume que “algumas terapias elas ainda não oferecem”. “Oftalmologia, por exemplo, não houve capacitação específica para essa síndrome”, cita.


No livro “A experiência do Estado do Ceará no enfrentamento à síndrome congênita do Zika Vírus”, lançado pelo Governo do Estado este ano, são detalhadas as primeiras ações governamentais quando os casos explodiram. No material, na descrição das ações desenvolvidas nos NEPs, são destacadas algumas lacunas ainda existentes no serviço disponibilizado a crianças e suas famílias. Não há oftalmologistas e ortopedistas pediátricos, não há acesso a órteses e próteses, nem à cadeiras de rodas e óculos especializados. Medicamentos de uso contínuo - como o anticonvulsivante usado por Luís - também não compõem a lista de remédios disponíveis.


AS MÃES QUE BUSCAM IR ALÉM

Após 20 dias de nascido, Guilherme já começou a ser estimulado. Mas após o primeiro ano de vida, precisou de assistência de uma psicóloga. A suspeita é de que ele apresenta também Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Conseguimos o acompanhamento com um psicólogo. Ninguém espera outro diagnóstico, outra patologia, mas percebemos muitas alterações”.

GERMANA SOARES, pernambucana  


“No livro (publicado pelo Governo do Estado) dizem que recebemos atendimento domiciliar, mas em dois anos só vieram na minha casa duas vezes”, conta a mãe. Ela destaca a dificuldade em marcar consultas com neuropediatras. A Sesa diz que irá, em 2018, priorizar o tratamento dentro da atenção básica.

ELIANE RORIZ

Moradora de Apuiarés, a 11 km de Fortaleza, ela depende de transporte municipal para levar Ana Lis, 2, às terapias. “O atendimento é às 8h e querem nos mandar às 4h, e ainda temos de esperar quem vai fazer hemodiálise, que só saem às 16h”. Ela também diz que o atendimento domiciliar não é uma realidade.

LUCIANA MARTINS ARRAIS

Clarice, com pouco mais de dois anos, já passou por 21 cirurgias. O agravamento do quadro fez a mãe buscar apoio no Recife (PE), onde conseguiu que outro procedimento fosse realizado, a aplicação de botox na coluna. “Estamos correndo contra o tempo. Se estimula de maneira saudável, os neurônios podem assumir o papel dos que já morreram”.

ERONEIDE DE CARVALHO

Jaqueline teve a “sorte” de conseguir atendimento para Ketlyn, 2, na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), em Fortaleza. “Nas policlínicas é só até três anos e eu não vou esperar que a Secretaria da Saúde me mande para lugar nenhum. Lá foi essencial, mas agora as crianças precisam de espaço, de equipamentos”, conta.

JAQUELINE DOS SANTOS MARTINS

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