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Crise dos combustíveis expõe governo frágil
Reportagem

Crise dos combustíveis expõe governo frágil

| POLÍTICA | Mesmo chegando a acordo com grevistas na noite de ontem, crise dos combustíveis expôs fragilidade do governo Temer e revelou distanciamento de antigos aliados no Congresso Crise expõe governo frágil
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Após tensões da paralisação de caminhoneiros atingirem novo ápice, Governo e grevistas chegaram ontem a acordo que irá suspender o movimento por pelo menos 15 dias. O anúncio foi feito ontem à noite pelo Planalto, após dia de caos e desabastecimento e reunião de sete horas entre governo e representantes da categoria. 

[SAIBAMAIS]
Nove das 11 entidades aceitaram a proposta do Executivo, que prevê prazo de 30 dias de congelamento do preço do diesel em R$ 2,10. Além disso, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB) se comprometeu a colocar em pauta já na próxima semana projeto que altera os preços mínimos de transporte de cargas.
 

O acordo marcou também retorno do Executivo à pauta de negociações, após dias de maior protagonismo da Câmara Federal na crise. Provocando verdadeiro caos e picos de desabastecimento em todo o País, o movimento expôs fragilidade do governo Temer, revelou movimentos políticos para as eleições e mostrou distanciamento entre aliados no Congresso.
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Dias após desistir de disputar novo mandato e anunciar a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles pelo MDB, Temer sofre as consequências do fim de um governo impopular. Além de enfrentar o racha no MDB, ele também perdeu apoio no Congresso.
 

O racha ficou evidente na última quarta-feira, após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), atuar para aprovar proposta que zerava o PIS/Cofins do diesel. Aprovada sem acertos com Senado e Planalto, a ação foi vista como gesto calculado de Maia para ganhar protagonismo e não foi incluída no acordo de ontem. “Fiz aquilo que considero correto para o Brasil”, disse Maia, após a aprovação do projeto.
 

Em entrevista a jornalistas após deixar a reunião com o Planalto, o próprio 

Eunício, por sua vez, fez questão de destacar por diversas vezes que não falava pelo Governo e distanciou o Congresso da crise. “Nós apenas participamos com chancela, até porque quem define o preço (do diesel) não  somos nós, é o Governo”, afirmou.


Com autorização do presidente para negociar “com tudo que pudesse”, o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) fez um apelo para que os caminhoneiros acabassem com a greve imediatamente. “Venho aqui humildemente dizer que precisamos que todos os caminhoneiros retomem as atividades”, disse.
 

Fruto de grande polêmica, a política de preços da Petrobras, por sua vez, será mantida intacta. O ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo) disse que o Governo terá “política para que o preço da bomba esteja alinhado à realidade brasileira”. (com Agência Estado)               

 

O ACORDO
 

O ministro Eduardo Guardia (Fazenda) disse que, no próximo mês, o preço do diesel será congelado a R$ 2,10/litro. Isto será possível, pois o Governo se comprometeu a bancar a manutenção do desconto de 10% por 15 dias no preço do diesel, anunciado ontem pela Petrobras, por mais 15 dias. A União se comprometeu a compensar a estatal em R$ 350 milhões para estender a redução.

Além disso, será autorizado, por meio de MP, que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) possa contratar transporte de cargas sem processo licitatório — para até 30% da sua demanda de frete para cooperativas ou entidades autônomas.

O Governo também vai pedir a extinção de ações judiciais decorrentes da greve. Além disso, ficou acertado que não haverá reoneração da folha de pagamento para o setor de transporte de cargas.  

 

Quem perde; quem ganha
 

MICHEL TEMER: Ausente da maior parte das negociações com grevistas, o presidente vive com a crise momento de maior fragilidade desde que assumiu a chefia do Executivo brasileiro. Com protagonismo do Legislativo, o emedebista acabou isolado e pequeno.
 

HENRIQUE MEIRELLES: Com a fraca atuação do Executivo no controle da crise, o ex-ministro da Fazenda e cabeça da equipe econômica do governo acaba fragilizado. Atacando estabilidade que era vista como “trunfo” do Planalto, crise prejudica candidatura de Meirelles à Presidência.
 

PEDRO PARENTE: Responsável por decisões que fizeram ações da Petrobras despencarem nos últimos dias (como corte de 10% no preço do diesel), o antes todo-poderoso dirigente da estatal agora é visto como carta fora do baralho, podendo até deixar o órgão.
 

JOSÉ DA FONSECA: Presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros, o líder da greve impôs derrotas marcantes ao governo e pode sair da crise com grande capital político. Não só entre membros da categoria, como da própria sociedade brasileira.
 

RODRIGO MAIA: Tomando protagonismo das negociações com grevistas e impondo derrotas ao governo Temer, o presidente da Câmara sai da crise maior e com mais independência com relação ao Executivo, dando sinais de que terá voz mais ativa nas negociações econômicas no Congresso.
EUNÍCIO OLIVEIRA: Apesar de desgaste inicial com grevistas, o presidente do Senado tem em mãos a “cartada final” para resolver a crise. Caso conduza sem problemas negociações e votações finais no Congresso, pode sair como a pessoa que apaziguou grevistas.  

 

HISTÓRICO DA POLÍTICA DE COMBUSTÍVEIS

 

FHC, LULA E DILMA: Durante governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, o combustível era repassado ao consumidor tendo por base o dólar e o mercado internacional. No governo de Dilma, em 2014, o preço da gasolina foi congelado, mesmo quando havia aumentos internacionais, o que onerou a Petrobras. A estratégia visava incentivar a produção e segurar a inflação. Quando houve reajuste, protestos foram registrados.

TEMER: Quando Temer assume a Presidência em 2016, a gestão da Petrobras, sob comando de Pedro Parente, define que o preço dos combustíveis seria pautado pela cotação do barril de petróleo no mercado internacional — em dólar. Desde julho de 2017 até agora, os combustíveis tiveram mais de 150 reajustes, gerando novos protestos.

SOLUÇÕES: Para conter protestos, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) divulgou ontem medidas para aumentar a competitividade e diminuir preço final, como: liberação de distribuidores vinculados a uma marca para vender combustível de outra; suspender a necessidade de manutenção de estoques mínimos de combustível; flexibilizar a obrigatoriedade de misturar etanol na gasolina e biodiesel no diesel; liberar distribuidores de gás de cozinha para encher o botijão de uma marca com produto de outra; intensificar a fiscalização contra preços abusivos e fortalecer disque- denúncias (0800 970 0267).  

 

BATE- PRONTO


JEAN-PAUL PRATES,
consultor da área de energia
Retirar tributos é equívoco
 

O POVO – Qual é a raiz desta crise de combustível?
 

Jean-Paul Prates - O Brasil nunca tinha tido preços ajustados para o consumidor em tempo real com paridade de preço internacional. Isso se traduz numa ausência total de costume de se adaptar a isso. Nós ouvimos de todos os nossos presidentes que nós estávamos perseguindo a autossuficiência do petróleo para deixar de depender das importações e, portanto, das oscilações do preço internacional. Tivemos governos que praticaram controle total dos preços, em que era anunciado à noite e todo mundo corria para o posto. Quando Dilma foi para o último ano do primeiro mandato dela, ela aplicou esse processo, mas ficou um período em baixa de preços. Quando ela se reelegeu, deu a paulada do aumento, porque tinha que compensar um tempo maior que o previsto. Isso levou aos críticos dessa política dizerem: “Está tudo errado! Os acionistas da Petrobras estão sendo prejudicados!”. Ou seja, o brasileiro fica totalmente submetido ao mercado internacional em tempo real. É a inversão de tudo que se objetivou com a autossuficiência.

OP- E qual é a solução?
 

Prates - É voltar para o sistema de reajustes em patamares, de 15, 20 dias, tanto para cima como para baixo, e aplicar transparência e critérios objetivos na fórmula de preço. Ou seja, o dono de empresa de caminhão vai poder com um mês de antecedência colocar parâmetros dados pelo governo numa fórmula e saber mais ou menos como fica o preço do combustível.

OP - Nossa política de combustível é similar a de outros países?
 

Prates - Quanto à tributação,
somos um modelo europeu. Mais de 60% do combustível é imposto. Porque a gente quer incentivar o uso de transporte público e tributar o carbono gerado. No Brasil, tem uma terceira razão, que é arrecadatória. O Estado precisa de dinheiro e é mais fácil tributar o combustível que todos usam.

OP - Como o senhor analisa a solução de diminuição da tributação do combustível?
 

Prates - É péssima. Você joga o ônus em todo mundo, inclusive em quem não usa carro. Quando você baixa Cide, você ameaça orçamento. Se você zerar Cide, você tem déficit de orçamento. Não é fácil. Mas acho que a solução passa por um meio termo: diminuir um pouco a Cide, que é pra ser um colchão de amortecimento, e a outra parte tem de ser a Petrobras a exercer, porque ela é uma empresa estatal e o acionista tem de entender isso.  

 

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