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Queda do Xavante. "Uma trinca pode romper a asa", diz especialista
Reportagem

Queda do Xavante. "Uma trinca pode romper a asa", diz especialista

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Tipo Notícia


Uma trinca sem a manutenção adequada pode causar a perda da asa e até a queda de um avião. Quem afirma é o professor James Waterhouse, do Departamento de Engenharia Aeronáutica da Universidade de São Paulo (USP). Responsável pela disciplina de “Degradação e Patologias de Células Aeronáuticas”, ele explica que fissuras nas asas já causaram “acidentes enormes” na historia da aviação. “O piloto acha que a asa tem a integridade estrutural, puxa uma manobra forte e a asa vai embora”. De acordo com James Waterhouse, os xavantes da Força Aérea Brasileira (FAB) estavam “no limite da vida útil”, “bastante obsoletos” e “cheios de problemas estruturais” quando foram aposentados em 2010. Leia os principais trechos da entrevista. (Dante Accioly)

O POVO – O que provoca trinca num avião de caça?


James Waterhouse – Os aviões, principalmente o xavante, são feitos de ligas metálicas de alumínio. Todo o material é certificado e produzido de acordo com normas. Mas isso não impede que um pedaço do material não tenha exatamente aquelas propriedades. É um pouquinho mais fraco. Nesse caso, pode ocorrer uma fissura antecipada.

OP – É seguro um avião militar voar com trincas?
 

James Waterhouse – Muita gente se assusta quando a gente fala que um avião tem uma trinca nas asas. Mas é normal aviões terem pequenas fissuras. Elas são acompanhadas, mas têm limites: quando vão chegando num ponto que possa implicar algum risco, ou para o avião, ou substitui a peça, ou repara.

OP – Uma trinca pode causar a perda de uma asa?
 

James Waterhouse – Pode. Trincas em asas já causaram acidentes enormes na história da aviação. Uma fissura pode causar um rompimento? Certamente sim, se ela não for identificada e acabar se alongando demais. O piloto militar flerta com o perigo e com os limites do avião a todo tempo. Ele acha que a asa tem a integridade estrutural, puxa uma manobra forte e a asa vai embora. Isso pode acontecer e já aconteceu dezenas, senão centenas de vezes.

OP – O que fazer depois que uma trinca é descoberta?


James Waterhouse – Todas as vezes que você identifica uma falha estrutural, é um claro alerta de que o componente, a asa neste caso, está chegando a um limite de fadiga. Duas abordagens podem ser aplicadas simultaneamente: limitar os esforços em voo e fazer um projeto de reforço estrutural.

OP – No caso do xavante, o CTA recomendou apenas inspeções…
 

James Waterhouse – Isso também é usado. Nenhuma trinca surge e cresce a ponto de comprometer a funcionalidade do avião em um tempo muito curto. A trinca nasce, vai crescendo e comprometendo o avião. Não é da noite para o dia. O que se faz é acompanhar. Você encontra uma trinca e para o avião? Não, você acompanha a trinca até que ela comece a chegar numa região perigosa.

OP – Mas isso não é arriscado?
 

James Waterhouse – O único problema desse tipo de procedimento é que se você, por algum acaso, não identificar uma trinca que já esteja grande, ela pode comprometer. O programa de inspeção tem que ser muito bem pensado e muito bem executado para não colocar em risco. Se os mecânicos ou engenheiros que inspecionarem o avião não identificarem a fissura, ela pode aumentar acima do limite sem ninguém perceber. Aí, o risco é evidente que existe. Isso é possível? Sim, acontece inclusive. Às vezes, nem é negligência. Às vezes, a fissura está num lugar muito difícil que ninguém esperava.

OP – É difícil inspecionar a mesa da longarina do xavante?
 

James Waterhouse – A mesa fica na parte de baixo da asa. No caso específico do xavante, ela é inacessível pelo lado de fora. Você não tem como inspecionar. Se surge uma trinca ali, você não está vendo. Ela esta lá, só que tem uma chapa cobrindo. A gente chama de dano oculto. Você tem que apelar para técnicas que muitas vezes não conseguem identificar uma trinca no estágio inicial, só num estágio bem mais avançado. Muitas vezes, o que se faz é desmontar o componente para inspecionar, o que custa uma fortuna. Tirar a mesa da longarina é um trabalho danado: desmancha a asa e faz de novo. Tem que valer a pena comercialmente: vou gastar vela boa com defunto ruim?

OP – O xavante era um defunto ruim?
 

James Waterhouse – O xavante já estava no limite. Tinha um motor muito gastão e era um avião de certa forma já bastante obsoleto. Ainda cumpria missão de treinamento, mas cheio de problemas estruturais. Tinha falha de sistemas. Para que continuar investindo na revitalizado de um avião como esse? Deu-se preferência ao super tucano da Embraer, porque os xavantes de fato estavam no fim da vida útil. Vários, não foi só esse que caiu. Outros também tiveram problema.

OP – É possível afirmar que o xavante acidentado no Ceará perdeu a asa por falta de manutenção?


James Waterhouse – Não dá para afirmar isso. Pode ter ocorrido? Sim. É uma causa possível? Sim, uma eventual omissão de manutenção. Mas você tem tantas possibilidades de causarem uma falha que não dá para apontar se essa é a mais provável ou não. Teria que examinar os destroços.

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