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"Tá travado! Tá travado!"
Reportagem

"Tá travado! Tá travado!"

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O tenente Alexandro Prado demorou para acionar o assento ejetável do xavante porque o equipamento de segurança falhou. Quem afirma é a irmã do militar, a empresária carioca Cristiane Prado. Segundo ela, o copiloto que sobreviveu, o então tenente Ricardo Beviláqua, admitiu o problema logo após o acidente.
 

Cristiane relata que esteve com Beviláqua na enfermaria da Base Aérea de Fortaleza, em julho de 2000. Ela conta que o copiloto do xavante teria reproduzido durante o encontro as últimas palavras de Alexandro Prado. “O copiloto mandou meu irmão ejetar, mas disse que ele ficou falando: ‘Tá travado! Tá travado!’”.
 

A reportagem tentou confirmar as declarações de Cristiane com o hoje tenente-coronel Ricardo Beviláqua. A pedido do oficial, O POVO enviou por email uma solicitação de entrevista e perguntas sobre o acidente, mas não obteve resposta.
 

O depoimento de Cristiane reforça uma suspeita do Cenipa. De acordo com o órgão, é possível que a força necessária para a ejeção em xavantes “estivesse acima do máximo previsto pelo fabricante”. Leia os principais trechos da entrevista. (Dante Accioly)
 

O POVO – O que seu irmão falava sobre a situação dos xavantes?
 

Cristiane Prado – Ele vinha me falando que os aviões estavam em péssimas condições, que sempre era ruim. “Minha irmã, é tudo velho”. Uma vez fui buscar ele na Base Aérea da Ilha do Governador (RJ). Ele veio voando de xavante e falou que estava se sentindo muito mal. Ele sempre falava: “Está perigoso. Eu não sei nem se esses aviões vão aguentar. Mas tranquilo: eu sei ejetar. Dando certo a ejeção, tudo bem”.
 

OP – Ele passou por outras situações de emergência?
 

Cristiane – Duas vezes. Teve uma pane uma vez em Natal, mas conseguiu pousar. Quebrou o trem de pouso, e o avião ficou todo ferrado, todo despedaçado. Mas ele saiu só com alguns cortes, foi tudo tranquilo.
 

OP – Qual era o avião?
 

Cristiane – Era um xavante também. E teve outro em Fortaleza, cinco ou seis meses antes da morte dele. A asa parece que também estava trincada. Ele começou a ver que o avião estava perdendo estabilidade e voltou. O tempo inteiro acontecia. Quando dava para ir, eles iam. Mas, quando viam que ia dar uma coisa pior, voltavam. Os comandantes reclamavam: “Tem que ir! Frescura! Vocês estão aqui é para isso mesmo! Se der uma merda, ejeta e pronto!” Mas o problema é o seguinte: se desse tempo de ejetar, se não acontecesse nenhum problema — como aconteceu com meu irmão, que ficou desmaiado. 


OP – Você tinha esperança de encontrá-lo vivo?
 

Cristiane – Nunca acreditei. Meu irmão era muito forte. Se estivesse vivo, teria sido logo achado. Mas, se o serviço de busca tivesse sido eficiente, teriam encontrado ele desmaiado no fundo do mar. Não quero julgar, mas acho que foi pouco caso. Eles não estão nem aí para o ser humano. São forjados para isso: não ligam para as pessoas, formam pilotos para morrer. Foi um descaso fora do normal da FAB. Fizeram uma busca de algumas horas no primeiro dia e só foram retomar no dia seguinte. Foi feita uma busca de 15 dias, sim. Mas não foi direto, sem parar. Cada dia, algumas horas. E cada hora é crucial.  


OP – Um documento do Cenipa sugere que houve “culpa exclusiva da vítima” e que seu irmão morreu porque demorou demais para ejetar…
 

Cristiane – Mentira. Meu irmão era muito competente. Era o que tinha mais horas de voo. Ele demorou porque o ejetor não estava funcionando. Isso é fato. Ele queria se matar? Era suicida? Não, ele amava a vida.
 

OP – Com base em quê você afirma que a ejeção falhou?
 

Cristiane – Com base no que o copiloto (Ricardo Beviláqua) falou. Ele mandou meu irmão ejetar, uma coisa que eles nunca brincaram, sempre levaram muito a sério. E o copiloto falou que ele (Prado) ficou falando: “Tá travado! Tá travado!” Foram falas do copiloto quando estava na maca e nós fomos falar com ele na enfermaria da Base Aérea. Meu irmão pediu para o copiloto ejetar (antes) porque não estava conseguindo. Ele viu que meu irmão teve dificuldade. Parece que o ejetor estava travado. Foi esse o problema. Ele (Beviláqua) falou: “Ele ejetou, mas não estava conseguindo”. Depois, falou assim: “Eu vi ele ejetar, ficou a duas ondas de mim. Eu estava vendo ele”. Ele disse que viu. 


OP
– A Justiça entendeu que a União falhou na manutenção do xavante e é responsável pela morte do seu irmão. Como você recebeu a decisão?
 

Cristiane – Só de saber que meu irmão foi inocentado é muito compensador. Tive vários pesadelos por ele ter se dedicado tanto à Aeronáutica e no final das contas ainda dizerem que ele tinha sido incompetente. Aquilo me perturbava, me deixava muito magoada.
 

OP – Quando vocês se viram pela última vez?
 

Cristiane – Um pouco antes do acidente. Ele tinha vindo de Fortaleza para o Rio. Era quase meia-noite, e fomos parados numa blitz. Meu irmão brigou com um policial corrupto que queria dinheiro: “Sou oficial da Aeronáutica, e a minha irmã está vindo me buscar. Acabei de chegar, estou cansado. Voei seis horas num xavante todo fodido!”

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