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Cotidianos alterados pelas facções
Reportagem

Cotidianos alterados pelas facções

A execução de 14 pessoas último sábado, nas Cajazeiras, é mais uma prova do terror imposto pelas facções na rotina de comunidades da periferia. Semanas antes de mais uma chacina, O POVO acompanhou a Operação Babilônia, da Secretaria da Segurança, no Grande Jangurussu
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Em frente à base móvel da Polícia Militar e Civil, “quartel” improvisado para apoiar a Operação Babilônia, o tenente Dummar Ribeiro, 27, chama a atenção dos policiais que sairão, em duas viaturas, para patrulhar as ruas do Barroso II, no Grande Jangurussu. Não é uma reprimenda, avisa. Mas alerta: não se pode baixar a guarda para a ousadia das facções. De um dia para o outro, reclama o militar, criminosos montaram barricadas de pedras, paus e sofás em algumas entradas do Babilônia, condomínio que virou notícia pelas atrocidades cometidas por traficantes da Guardiões do Estado (GDE) — mesmo grupo que teria promovido a Chacina das Cajazeiras na madrugada desse sábado.

 

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Dummar e seus comandados, parte do 19º Batalhão da PM e alguns de outras unidades, são a presença mais efetiva do poder público numa das áreas mais miseráveis da periferia de Fortaleza. A missão deles, explica o oficial da PM, “é retomar o bairro e trazer de volta a paz para os moradores de bem”.

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Mas, sem o comprometimento diário de outras secretarias estaduais e municipais, reconhece o tenente, os policiais não conseguirão ir além da presença ostensiva na comunidade vulnerável ao tráfico.


É fato. Em quase dois meses da presença da Operação da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), os registros de homicídios “sumiram na Babilônia e no entorno até um quilômetro”, diz o tenente. É a lógica da estratégia militar “de saturação” e emprego, paralelo, da inteligência policial. O deslocamento de patrulhas, dia e noite, pressiona as quadrilhas para o confronto ou faz com que fujam para aterrorizar outros bairros. O condomínio Babilônia, lugar antes usado pela facção GDE, foi tomado pela PM.


Mas, ali, como nas comunidades vizinhas do Gereba e da Unidos Venceremos, a iluminação pública é precária, não há saneamento básico, falta pavimentação e água encanada, não existem praças urbanizadas. Falta dignidade. Quase tudo no bairro aparenta abandono e destruição.


O policial, recém-saído da escola de oficiais, acredita que a Polícia não ficará sozinha na Babilônia e no Gereba. Há promessa, embora ainda não cumprida com prioridade, dois meses depois da chegada da PM ao assentamento precário, da vinda efetiva do braço social do Estado e da Prefeitura.


É isso ou a repetição do mesmo erro cometido com experiências anteriores em outras comunidades tomadas pelas facções. Nesses casos, houve a demonstração militar de força e, depois da retirada da Polícia, o retorno do domínio do tráfico e o tormento para a população.


Foi o caso da ocupação policial nas favelas do Pôr do Sol, na Avenida Washington Soares; do Gueto e do Morro do Santiago, na Barra do Ceará. “A PM permanecerá, aqui, por tempo indeterminado. Teremos uma unidade fixa”, afirma Dummar.


No último dia 21, o secretário da Segurança, André Costa, anunciou que 15 bairros vulneráveis receberão unidades físicas das forças policiais. É o mínimo para a retomada do cotidiano de paz onde as facções impuseram um código de conduta para favorecer os “negócios” do tráfico de drogas e de armas. Mas não é o suficiente para reverter a violência. Falta a ocupação social integrada.


Ao O POVO, o prefeito Roberto Cláudio (PDT) informou que as obras do condomínio Babilônia serão retomadas e o prédio entregue no começo de 2019.


O Babilônia seria um dos legados da Copa do Mundo de 2014, prometido pelo Município. Com cerca de 800 apartamentos populares, a obra foi abandonada por dois anos e invadida. Em princípio por sem-teto; depois, dominado pela GDE.


A Operação Babilônia expulsou a facção. Mas até agora, além das forças de segurança, a comunidade recebeu quatro postes no campo do Babilônia, dois na rua “E” e a recolocação de lâmpadas na praça Farias Brito.


A REPORTAGEM


O POVO acompanhou a Operação Babilônia, entre dezembro/2017 e janeiro/2018, nas comunidades Babilônia, Gereba e Unidos Venceremos, no bairro Barroso II. Uma área de ocupações, vulnerável ao tráfico e dominada por facções, até a chegada da Polícia. O POVO também foi aos conjuntos Palmeiras, São Cristóvão e Santa Filomena e conversou com policiais, lideranças comunitárias e moradores.


OP ONLINE WWW.OPOVO.COM.BR

Assista ao vídeo sobre a operação de retomada das comunidades dominadas pelo tráfico em www.opovo.com.br/videos

 

CONDUTAS IMPOSTAS

 

1 LEI DO SILÊNCIO. A ameaça de ser espancado, expulso de casa ou morto determina o silêncio entre os moradores das comunidades. Não se conversa sobre o assunto. Falar publicamente com a Polícia ou com repórteres representa risco.

 

2 IR E VIR. A mobilidade das pessoas na comunidade é reduzida. Existem áreas proibidas. Os grupos criminosos, onde não há policiamento permanente, fazem pontos nos lugares que elegem como “seus”.

 

3 TERRITÓRIO. A comunidade é dividida, geralmente, entre facções que ganham com o tráfico de drogas. Babilônia e Gereba, por exemplo, são vizinhas no Barroso II. A primeira é dominada pelo GDE. A segunda, pelo Comando Vermelho. O local é marcado com pichações, barricadas, cores e outras estratégias.

 

4 ESPAÇO PÚBLICO. A sociabilidade do bairro é reduzida. Crianças não brincam na rua por medo de tiroteios. Há o receio, também, de serem cooptadas pelo crime. À noite, os moradores se recolhem cedo à porta fechada. E os raros equipamentos públicos existentes passam a ser controlados pelas facções.

 

5 REFUGIADOS URBANOS. Com o advento das facções, fenômeno apontado pelo O POVO em 2015, as casas são tomadas e as famílias são expulsas, criando a figura do “refugiado urbano”. Na edição de 4 de janeiro, O POVO noticiou a debandada de moradores da ocupação Unidos Venceremos, no Grande Jangurussu.

 

6 EXECUÇÕES BÁRBARAS. Com o domínio das facções, Fortaleza e Região Metropolitana passaram a ter registros de assassinatos com requintes de crueldade. Ano passado, mais de 20 corpos foram decapitados. Outros, incendiados e esquartejados. Na Babilônia, a PM encontrou um apartamento onde funcionaria o “tribunal do crime”. Lá foi encontrado um pulmão, dedos e orelhas de uma vítima.

 

7 INVASÕES. Condomínios populares são invadidos. As facções punem, com a execução, quem rouba ou furta na favela. A ideia é não atrair a Polícia ao local para não prejudicar os “negócios” do tráfico.

 

8 LEI DO CRIME. Algumas “normas” são impostas aos inimigos e a moradores dos territórios dominados pelas facções. Carro que circula por lá tem de estar com os vidros abaixados. Quem entrar de moto tem de tirar o capacete. “Bandido” que rouba, furta ou atrapalha os “negócios” do tráfico é punido, geralmente, com a execução.

 

9 HÁBITOS E COSTUMES. Em algumas comunidades, há proibição de certos tipos de tatuagem ou inscrição de letras. Quem está tatuado com iniciais GDE ou CV, por exemplo, está condenado a não andar em todos os bairros da periferia. A inscrição também determina para qual presídio o indivíduo deve seguir, caso seja preso. Até a cor do cabelo pode ser um risco. Louro e vermelho é identificado com o Comando Vermelho.

 

10 PRESÍDIOS. O Sistema Carcerário do Ceará é uma extensão do domínio das facções ou de onde partem as ordens de procedimentos das facções nas comunidades dominadas. Quem chega aos presídios tem de seguir para espaços reservados para GDE, Comando Vermelho, PCC, FDN ou é parte da Massa Carcerária (quem não se diz integrante de nenhum dos grupos).

 

11 ARMAMENTO. A presença de adolescentes armados virou parte do cotidiano de bairros vulneráveis. Há todo tipo de arma. No último dia 10 de janeiro, O POVO noticiou que dois soldados do Exército no Ceará furtaram carga de 14 mil munições de fuzil. O lote foi negociado com a facção GDE.

FONTE: Polícias Militar, Civil, Exército e Banco de Dados do O POVO

 

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