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Mãos e pés trêmulos, suor frio e até tonturas e enjoos. Sintomas recorrentes quando o medo de dirigir toma conta de motoristas como Salete Silva, 60. A Carteira Nacional de Habilitação, tirada em 1986, ficou sem uso até 2014. Foi quando a dona de casa, com os filhos adultos, resolveu renovar o documento e superar a ansiedade. "Eu me desinteressei (de dirigir) porque sempre tinha alguém para me levar. Eu dizia: 'Vou pegar o carro' e ficava (sentindo) aquela angústia", relata.
Após a renovação da CNH, Salete diz que foi incentivada pelo genro a fazer aulas em um curso especializado em medo de dirigir, o Ela Conduz. "Eu fui e, graças a Deus, agora estou dirigindo muito bem.
Fiz 22 aulas e atendimento psicológico". Com a confiança e técnica alcançadas, a aposentada se aventurou na direção para viagem à Serra de Aratuba, trocou de lugar com outro motorista apenas durante a subida. "Mas eu estava dizendo que se eu voltasse agora eu subia a serra", garante.
O médico e diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dirceu Rodrigues Alves, explica que o medo contínuo de dirigir pode se transformar em uma fobia, com estado psíquico alterado, pupila dilatada etc. "Esse medo faz com que o indivíduo tenha liberação de adrenalina, hormônios do estresse. Aumenta o cortisol plasmático, vem taquicardia, aumenta o pulso, altera pressão arterial, tudo dependendo da intensidade desse medo. Quanto maior a intensidade maiores são as agressões físicas pela descarga psicológica, dor no estômago, queimação, um somatório de coisas".
A escola Ela Conduz trabalha apenas com pessoas habilitadas e oferece aulas práticas, além de um acompanhamento com psicóloga. Apesar do nome, tanto homens como mulheres com medo de dirigir são o público-alvo, mas a maioria dos alunos ainda é do sexo feminino. "Se ela quiser fazer cinco aulas, a gente não faz. Faz uma avaliação e sugere a quantidade correta de aulas para não gerar uma expectativa", informa o proprietário e instrutor, Leandro Aguiar.
Para Leandro, os exames do Detran não retratam a realidade do trânsito, pois as ruas muitas vezes não estão em bom estado e há ainda o medo da violência somada à apreensão de dirigir. "Tem pessoas que vêm com medo porque tiveram experiência ruim com o pai quando eram mais novas, o marido às vezes cobra muito. Dirigir é tratado como fácil, mas não é fácil, consideramos todas essas condições para fazer o plano de aula personalizado", indica.
Dirceu cita como desencadeadores do medo de dirigir a preocupação com danos materiais em batidas e atropelamentos. Ele estima que 20% a 23% das pessoas do País têm medo de dirigir, e o carro ainda é visto como "brinquedo de adulto". "Não há dúvida que há necessidade de mudança radical, precisamos mudar o comportamento da sociedade com relação à mobilidade. Não entendemos porque a colocação de aulas de educação de trânsito, desde a tenra idade até a universidade, não é implantada como necessidade prioritária".
PARA GANHAR CONFIANÇA
Faça atividade física três vezes na semana, ou relaxamento muscular com respiração para ficar mais à vontade corporalmente;
Construa relação de familiarização com o carro, duas vezes por semana (ligando ou mesmo se aproximando do veículo);
Liste os principais medos (rampa, manobras e troca de faixa são campeões);
Comece a dirigir sozinho em horários de pouco movimento, em percursos curtos de três a quatro quarteirões. Se a garagem for complicada, peça para alguém tirar o veículo, por exemplo.
GRUPOS
1
Síndrome no carro na garagem: sabe tecnicamente dirigir, mas não pega no carro por causa da disposição, medo do fiasco e medo da crítica.
2
Indivíduos que estão fazendo as aulas, mas se retiram antes de concluírem o processo de habilitação se reprovam
3
Pessoas que esperaram a aposentaria para tirar habilitação, porque o processo parecia uma coisa distante
Dá certo
Empurrão na pista
O preço das aulas de medo de dirigir costumam variar de R$ 30 a R$ 60, dependendo do pacote e da escola. A coordenadora da Pânico de Dirigir, Emilene Rodrigues, descreve os alunos como profissionais "bem resolvidos", mas que deixaram a direção de lado. "A escola, fundada há 23 anos, nasce da carência das pessoas que vêm da autoescola sem preparo para o dia a dia no trânsito. Não consegue ter essa presteza, não sabe reduzir, entrar e sair de curvas, estacionar quando já não existe aquele pedal", resume.
Aluna da Pânico de Dirigir, Larissa Loreto, 23, conta ter pavor de ônibus e não conseguia dirigir mesmo com a habilitação em mãos. "Tinha muito medo de sair no trânsito, porque temos que dirigir pela gente e pelos outros. Depois que tirei a habilitação, percebi que faltava algo. O instrutor tinha muita paciência e passou calma, fiz 20 aulas e hoje saio para todo local".
Ponto de vista
Chance necessária
Amanda Araújo, repórter do O POVO
Foram quatro anos sem sequer ligar o carro pelos mesmos motivos relatados por muitos dos entrevistados. O medo da falta de prática vira preguiça e acomodação, com as facilidades das caronas. E também um prejuízo financeiro com as corridas de táxi e de uber. Não que contratar aulas particulares de direção seja barato, porém mais caro ainda é deixar para depois. Os preços podem aumentar e você estará perdendo tempo de treinamento.
Ainda fico apreensiva com ultrapassagens e baliza, mas relembrar como se dirige com profissionais foi necessário para ganhar independência. Independência no trânsito não significa dirigir rápido ou ter ousadia, mas fazer do carro um instrumento de mobilidade com respeito aos demais. É um desafio pessoal, mas também coletivo para termos um deslocamento muito mais fluido e cuidadoso.