Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Todo Carnaval é retomada a discussão sobre gastos públicos com a folia. A questão é tratada de forma rasa, mas é complexa.
Primeiro, há diferentes tipos de gasto. Há a despesa que não tem retorno financeiro, mas cumpre um papel. A primeira premissa da discussão é: lazer, cultura e entretenimento são supérfluos? Eu não acho. Aliás, não só eu. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo XXIV, reconhece o direito a lazer a todo ser humano. A Constituição coloca o lazer no artigo 6º, dos direitos sociais. Ao lado de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Já o artigo 23 estabelece como competência da União, dos estados e dos municípios, no inciso V, proporcionar meios de acesso à cultura.
Quem tem como pagar por diversão acha que o poder público tem de propiciar apenas o imprescindível à sobrevivência. Porém, não basta ter saúde, alimentação. A vida é mais que sobreviver. A Constituição e a Declaração Universal dos Direitos Humanos colocam entre os papéis do poder público garantir oportunidades de diversão como algo essencial. A alegria, o sonho, a fantasia não são coisas descartáveis. Não são adereços.
O problema é que os governos não são capazes de propiciar nem saúde, educação, moradia, segurança a contento. E não defendo tirar da educação e da saúde para fazer festa. Não se trata disso. Porém, não acho que só seja possível investir em cultura e lazer quando todos os outros problemas estiverem resolvidos.
O problema da educação, da saúde e da segurança não é que os governos estão gastando com Carnaval. Aliás, todo ano, prefeituras cancelam gastos com Carnaval no Ceará devido seja à seca, seja à chuva. Algumas fazem isso por falta de condição, outras por demagogia e aplauso fácil. Já disse que gostaria muito de ver a comprovação de que o dinheiro que iria para Carnaval foi mesmo destinado a ações emergenciais ou preventivas.
Dinheiro público para pagar Anitta
Ocorre que há outra situação de gasto com Carnaval. Aquela que dá retorno em dinheiro. Por exemplo, Aracati gastou R$ 500 mil com o cachê de Anitta por aproximadamente uma hora de show. A informação é do jornalista Henrique Araújo. O valor equivale a R$ 9 mil por minuto de apresentação. É muita coisa.
Valeu à pena? Como todo investimento, é necessário considerar o que se aplicou e o que retorna. Depois de mais de uma década, Aracati voltou a ter o Carnaval mais falado do Ceará. Foi notícia nacional. Levou muita gente, que gasta dinheiro, movimenta o comércio. Quanto isso vale?
Tem de por na ponta do lápis. A Prefeitura estima que, para cada R$ 1 gasto, voltam R$ 9. Projeção otimista e não sei embasada em qual estudo. O prefeito Bismarck Maia tem contra si o fato de ter sido ele a defender que o Acquario que tentam construir na Praia de Iracema daria retorno. Hoje se comprova o tamanho do mal negócio, que rende processo judicial. Mas, bem, há um gasto e um retorno, no Acquario e no Carnaval. Há meio técnico e objetivo de aferir investimento e lucro. Vai além de achismo de Facebook.
O caso de Anitta pode ser exagerado, ou não. Mas não se pode perder de vista que o Ceará é estado turístico. Municípios litorâneos se beneficiam do turismo interno mesmo. De quem vai de Fortaleza e outras cidades. Promover Carnaval, nesses casos, é investimento. Se bom ou ruim, depende do tamanho da despesa e do retorno obtido. Há gastos exagerados. Mas, por vezes, investir mais dá retorno maior. O problema é que muita gente critica ou defende conforme o gosto ou não pela festa. O poder público não existe para dar vazão a gostos pessoais.
Alguém acha que é bom negócio para Paracuru não ter Carnaval? Que vale à pena Guaramiranga não promover o Festival de Jazz e Blues? Que, em outra escala, seria lucrativo cancelar o Carnaval do Rio de Janeiro, de Salvador, de Olinda?
Em todos esses casos, pelo potencial econômico, é sempre preferível quando patrocinadores privados financiam as festas. Em eventos de grandes dimensões, muita gente lucra. Pode-se captar dinheiro particular e preservar o erário. Tanto melhor.
Muito da crítica a gastos com Carnaval é moralista e pautada por gosto pessoal. Do ponto de vista econômico, prefiro olhar pela ótica do investimento e retorno. Tem investimento certo e investimento errado. Não há uma verdade totalizante na qual todas as situações sejam abarcadas. Como em quase tudo, aliás.
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