Os primeiros dias no Ceará após a edição do AI-5
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Os primeiros dias no Ceará após a edição do AI-5

2018-12-13 01:30:00
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"Presidente baixa novo ato institucional: decretado recesso do Congresso". A manchete, que estampa capa do O POVO de 14 de dezembro de 1968, registra primeiras horas do Ato Institucional nº 5, editado no dia anterior. Em Fortaleza, quartéis do Exército entravam em prontidão, mas vendiam clima de "calma e ordem" na versão oficial.

 

O outro lado do ato, que deu plenos poderes ao ditador Costa e Silva para fechar o Legislativo e cassar direitos políticos, viria à capa do jornal dois dias depois: "circulam rumores da prisão de dois estudantes em Fortaleza". 

 

Chegava ao Ceará o mais duro período de repressão da Ditadura Militar.

 

Se em todo o País surgiam relatos da prisão de líderes políticos e jornais sob censura, em Fortaleza o assunto era um só - futebol. No dia seguinte ao AI-5, a cidade vivia véspera de Clássico-Rei, com partida decisiva entre Ceará e Fortaleza pela final da I Copa Estado do Ceará, no estádio Presidente Vargas. 

 

O Fortaleza, campeão na fase inicial do torneio, jogava por um empate, mas o Ceará trazia a força do azarão que cresceu na reta final da disputa.

 

15 de dezembro de 1968. Contrariando todos os prognósticos, Gildo desbanca a zaga do Leão e marca pelo Ceará. Tropas do Exército vão às ruas de Fortaleza e prendem as estudantes Nancy Lourenço e Ruth Lins Cavalcante, da Universidade Federal do Ceará (UFC), acusadas de participar de congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes (UNE) dois meses antes.

 

O jornalista Edmundo Maia, correspondente do jornal carioca Última Hora, desaparece na Capital sem dar notícias à família. Em Iguatu, o agricultor e líder sindical Manuel Alves de Oliveira, o "Jesus", é preso sob acusação de ser subversivo. De volta ao PV, decepção: com quedas de energia, o clássico é suspenso antes do fim.

 

Notícias das primeiras prisões do AI-5 no Ceará surgiram de forma esparsa e lenta, sem confirmação oficial das autoridades à imprensa. Nos dias que seguiram a ruptura institucional, nem mesmo as famílias saibam do paradeiro dos presos.

 

Na edição do O POVO de 17 de dezembro de 1968, cinco dias depois do AI-5, o coronel Edilson Moreira da Rocha, secretário de Polícia do Ceará, inicialmente se recusa a confirmar prisões políticas em Fortaleza. Sob pressão, acaba cedendo em uma única informação: "Realmente duas moças estão presas no quartel da Polícia Militar", diz, sem confirmar nomes.

 

Prisão de Edmundo Maia é confirmada pela família, que relata batida de tropas do Exército na casa do jornalista carioca. "Um tenente e outros soldados apanharam, ontem, às 7 horas da manhã, seus objetos de uso pessoal, como pasta, sabonete, etc; A esposa tentava, na manhã de hoje, obter comunicação com ele".

 

Já prisão de Jesus é confirmada pela Federação de Trabalhadores Rurais do Ceará. Outros dois estudantes da UFC, Assis Aderaldo e José Wilson Aderaldo, também são "dados como presos" - novamente sem confirmação oficial.

 

"Com a Ditadura, ficou muito difícil se fazer militância sindical, operária, porque os sindicatos foram ficando muito visados pelo governo. Então um dos únicos espaços que você tinha de resistência era a universidade, o movimento secundarista. Por isso, foi uma grande mobilização, inclusive com muitos estudantes acabando optando pela luta armada", explica o historiador Airton de Farias.

 

Presa em dezembro, Ruth Lins Cavalcante seria expulsa do curso de Filosofia da UFC dois meses depois, em fevereiro de 1969. Junto com ela, tiveram matrícula cancelada pelo Conselho Universitário outros sete estudantes, entre eles o ex-deputado José Genoíno Neto, um dos fundadores do PT e preso no escândalo do Mensalão, e Bergson Gurjão Farias, preso em 1969 que integrou a luta armada e foi morto na Guerrilha do Araguaia em 1972.

 

No Congresso, a edição do AI-5 provocou a cassação por subversão de dois deputados federais cearenses, José Martins Rodrigues e Padre Antônio Vieira (ambos do MDB). Na Assembleia, foram cassados os "subversivos" Doria Sampaio, Cordeiro Leite e Luciano Magalhães (todos do MDB).

 

Cedendo a pressões do jornalista Carlos Lacerda, que acusou o Ceará de ser polo de contrabando, a Ditadura cassou oito deputados estaduais do Arena acusados de corrupção, sem direito a julgamento. Entre eles, está Murilo Rocha Aguiar, que batiza hoje o centro de comissões da Assembleia. 

 


FRED SOUZA 

pesquisa histórica  politica@opovo.com.br

 

Carlos Mazza,

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