Um presidente virtual: as estratégias de Bolsonaro no pós-eleição 

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Um presidente virtual: as estratégias de Bolsonaro no pós-eleição

2018-11-05 01:30:00
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Três dias após derrotar Fernando Haddad (PT) na corrida ao Planalto, o presidente eleito Jair Bolsonaro anunciava no Twitter: "Comunico que o tenente-coronel e astronauta Marcos Pontes será indicado para o Ministério da
Ciência e Tecnologia".

 

No dia seguinte, na mesma plataforma, informou que iria transferir a "embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém" e, menos de 24 horas depois, desautorizou "informações prestadas junto à mídia por qualquer grupo intitulado 'equipe de Bolsonaro' especulando sobre os mais variados assuntos, tais como CPMF, previdência".

 

Principal estratégia do candidato para vencer a eleição mais acirrada desde a redemocratização, a conversa direta, sem filtros nem intermediários, tinha continuidade.

 

Agora, Bolsonaro limitava o acesso de veículos tradicionais de imprensa a coletivas, priorizando as redes sociais, exatamente como havia feito durante toda a campanha, durante parte da qual teve menos de dez segundos no tempo de televisão e rádio.

 

Consultados pelo O POVO, especialista e deputados alertam para o risco dessa escolha, no entanto, principalmente na relação que o militar reformado deve estabelecer com o Congresso.

 

Sociólogo e membro do Conselho de Leitores do O POVO, Cleyton Monte avalia que o "estilo Bolsonaro" é uma faca de dois gumes.

 

"Parte do eleitorado votou nele por ser um nome antissistema, e isso se reflete na comunicação, mas é inevitável que haja conflito com o Congresso", projeta o pesquisador. Para ele, o presidente eleito terá dificuldades caso superestime a fala nas redes e deixe de lado a interlocução com o Legislativo.

"Sem diálogo, não há coalização", acrescenta Monte. "E isso exige compartilhamento de poder e de cargos. Ele não pode chamar o PP para ser aliado se não dividir espaços de poder. É assim que funciona."

 

Segundo o analista, todavia, é possível que o próprio sistema passe por um rearranjo, já que, "pela primeira vez, um presidente foi eleito justamente por criticar esse modelo" (presidencialismo de coalização).

 

Deputado federal pelo Solidariedade, Genecias Noronha também assegura que Bolsonaro poderá enfrentar "ruídos com o Congresso" se não se empenhar em abrir um canal eficaz com parlamentares, apostando apenas na força e na mobilização das redes sociais.

 

"Ninguém governa sem conversar com o Congresso. Bolsonaro vai ter que procurar os líderes dos partidos", afirma. De acordo com Noronha, o capitão da reserva, que "tem evitado falar com as cúpulas dos partidos", pode ter desgastes.

 

"Se ele evita diálogo com os presidentes dos partidos e escala ministros sem experiência de Congresso, com quem vai ser a interlocução?", pergunta o deputado, para quem a situação do chefe do Planalto se agrava porque o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, "não tem a simpatia do Congresso".

 

Presidente do PSL no Ceará e deputado federal eleito, Heitor Freire minimiza eventuais dificuldades de Bolsonaro com a Câmara e o Senado. "É um novo momento da política, e o Congresso deve adotar essa postura", respondeu Freire.

 

O dirigente pesselista acredita que os candidatos "têm que começar a dar mais satisfação ao seu eleitorado", adotando o que o deputado chama de "nova forma de fazer política".

 

"Já temos uma boa interlocução com os setores, e o Congresso está sentindo isso", completa. "Essa foi a marca do Bolsonaro, o uso das redes sociais, e ele foi eleito dessa forma. Não vai mudar."

 

Henrique Araújo

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