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Temer, o dólar e a Disney

2018-05-17 23:10:00
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Não faz tanto tempo. Pouco mais de dois anos, na verdade. Era março de 2016. O dólar chegara a R$ 3,73. As contas públicas do País estavam aos pandarecos. A base congressual do governo petista derretia. Nas ruas, manifestantes pediam “Fora, Dilma”. Dançavam e protestavam aos milhares, reeditando um “verdeamalismo” ufanista. Encarapitada nos ombros do pai, uma menina ergue um cartaz pintado a lápis: queria voltar a frequentar a Disney, mas a alta da moeda americana impedia a família de viajar à terra da fantasia. Por isso ocupavam avenidas do Brasil.

Naquele mês, na esteira da disparada do dólar, a rejeição à presidente chegaria a seu ponto máximo. Na Câmara, Eduardo Cunha, então presidente da Casa e filiado ao MDB, punha a faca no pescoço da petista: ou lhe garantia votos no Conselho de Ética para que se safasse da cassação ou daria continuidade ao trâmite de um dos oito pedidos de impeachment que repousavam em sua gaveta – o emedebista havia aceitado um deles em dezembro de 2015.

O restante da história todo mundo conhece: em 17 de abril, por 367 votos a favor e 137 contra, a Câmara autorizou a instauração do processo de afastamento de Dilma. Em 12 de maio, o Senado cuidou em destituí-la temporariamente. Finalmente, em 31 de agosto, ao vivo e em definitivo, a Casa defenestrou a presidente. Fim de jogo para uma gestão cuja marca era uma relativa licenciosidade com o gasto público e a insistência numa política de represamento de tarifas a custo de ampliação do déficit fiscal.

No mesmo dia, o presidente interino, Michel Temer, assume de vez o comando do País. Sob discurso reformista, anuncia contenção de despesas e uma série de medidas que fariam a economia sair do atoleiro e o ambiente de negócios, desanuviar. Rapidamente, fez aprovar o teto de gastos públicos e a reforma trabalhista. O dólar voltou a cair e a projeção do PIB, a aumentar. Passado algum tempo, a recessão também se abrandaria. “Os brasileirinhos”, para usar uma expressão de Janaina Paschoal, uma das autoras do impeachment, já podiam voltar à Disney. A tempestade tinha virado marolinha, e uma eventual candidatura de Temer era possível. Bastava que o País voltasse a engrenar.

E assim foi até maio de 2017, quando um furação se abateu sobre Brasília. Atendendo pelo nome de dupla sertaneja de Wesley&Joesley, ele jogou o governo à lona, de onde não saiu até agora. De lá pra cá, a reforma da Previdência naufragou, e Temer precisou torrar todo o seu capital político para barrar as duas denúncias cuja base eram as revelações contidas nas delações dos donos da JBS. Ali terminava o governo que pretendia construir uma ponte para o futuro, mas só conseguiu retroceder 20 anos em dois.

Ontem, o dólar voltou a fechar a R$ 3,70, maior valor desde março de 2016. O PIB teve retração e a projeção de crescimento foi revista pelo Planalto – para baixo. A bolsa fechou em queda de 3,37%, mesmo com o Banco Central mantendo a taxa de juros em 6,5%. E a pauta reformista está travada no Congresso, que só se preocupa agora com a reeleição de deputados e senadores e a renovação do foro privilegiado.
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O PAPA, O “GOLPE” E O POVO
Em homilia ontem Vaticano, o papa Francisco estendeu-se por um terreno sobre o qual a igreja não costuma caminhar: o da política. Lá pelas tantas, depois de falar sobre os riscos da fofoca e outros temas correlatos, o pontífice disse: “Criam-se condições obscuras para condenar a pessoa. A vida civil, a vida política, quando se quer fazer um golpe de Estado: a mídia começa a falar mal das pessoas, dos dirigentes”. E continuou: “Com a calúnia e a difamação, essas pessoas ficam manchadas. Depois chega a Justiça, as condena e, no final, se faz um golpe de Estado”, disse Francisco. O líder da Igreja Católica não se referia a ninguém em especial ou a qualquer país em específico. Falava hipoteticamente sobre uma situação inexistente. Tinha o Brasil em mente? Só Deus sabe.

CAMILO, CIRO E LULA
Não lembro de outro momento em que o governador Camilo Santana (PT) tenha assumido tão explicitamente não apenas sua preferência pela candidatura de Ciro Gomes (PDT), mas também que trabalha para impulsioná-la. E que tem feito isso na contramão de diretrizes do próprio partido, articulando conversas com governadores petistas (Bahia e Piauí) e de outras legendas. Em entrevista ao Estadão, o chefe do Executivo estadual declarou que, caso insista com Lula, o PT pode cometer suicídio. A pergunta é: caso persista com Ciro, o que pode acontecer a Camilo?

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