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O cearense que ajudou a barrar o decreto de Temer contra reserva

2017-09-02 01:30:00
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No dia 28 de agosto, às 15 horas, o advogado e professor universitário Antonio Carlos Fernandes enviou à Justiça Federal da 1ª Região, do computador da sua casa em Fortaleza, Ação Popular para anular o decreto do presidente Michel Temer (PMDB) que extinguia a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) da Amazônia. Menos de 24 horas depois, o juiz federal Rolando Valcir Spanholo deferiu uma liminar atendendo o pedido.


Essa não é a primeira vez que o nome de Antonio Carlos ficou conhecido nacionalmente. Há dois anos, um vídeo em que ele chama a então presidente Dilma Rousseff (PT) de “linda” viralizou. “Nós temos a mesma idade, presidenta, é uma pena que nós não nos encontramos na juventude”, disse durante um evento em Fortaleza.


Em entrevista ao O POVO, o cearense de 67 anos comemora o resultado da Ação Popular de sua autoria e destaca a importância desse instrumento legal que o permitiu enfrentar e vencer, ao menos temporariamente, o presidente da República.

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O POVO - Qual a motivação do senhor para entrar com essa ação?

Antonio Carlos Fernandes -Fundamentalmente, a cidadania. Quando eu vi a classe artística e o mundo todo se rebelando contra a atitude do Temer, eu disse: “Eu vou estudar esse assunto”. O Temer é um constitucionalista, eu inclusive tenho livros dele, mas eu digo aqui (apontando para a Ação) que ele infringiu o artigo 225 da Constituição nos incisos IV e VII e no parágrafo 4º. A Constituição é clara nesse sentido, que qualquer intervenção nas áreas da Amazônia, de preservação ambiental e onde tem comunidades indígenas só pode ser feita com aprovação do Congresso Nacional na forma de lei específica. A Constituição diz que ele tem que mandar um projeto de lei e o Congresso tem que aprovar, mas o Temer fez a partir de um decreto. É flagrante a inconstitucionalidade, esse é o fundamento do meu pedido e foi também o fundamento da decisão do juiz.

OP - Mas a liminar tem um caráter precário, pode ser derrubada amanhã.

Antonio Carlos - Toda liminar é precária. (...) Mas, olhe, eu não sou juiz e posso fazer pré-julgamento: a decisão desse juiz foi tão segura que aquilo não vai cair nunca. (...) Se o TRF(1ª Região) confirmar a decisão do juiz, a União ainda pode recorrer no STF. E em 90% dos casos, quando um juiz concede uma liminar, ele confirma na sentença.

OP- Essa liminar também suspende o segundo decreto editado pelo Temer?

Antonio Carlos - A decisão dele é tão segura que diz assim: “Suspende todo e qualquer ato administrativo ou decreto que venha a suceder o atual”. (...) Por isso que eu digo que ninguém derruba a decisão desse juiz.

OP - O instituto da ação popular é usado muito mal pela população?

Antonio Carlos - (O povo) nem usa, o povo nem sabe. Eu acho que uma matéria boa sobre isso será ótimo para divulgar, porque o povo nem sabe. Está previsto na Constituição que qualquer pessoa do povo, qualquer cidadão pode, não precisa nem de advogado. Porque para ir à Justiça você precisa de advogado. (Para entrar com uma Ação Popular,) Você faz um arrazoado em qualquer folha de papel, até à mão, não paga custas (judiciais), tem toda uma facilidade para entrar e o povo não usa.

OP - Como o senhor se sente sendo autor dessa ação que pode manter a reserva?

Antonio Carlos - Muito vaidoso no sentido bom, porque, na verdade, em uma ação popular você não pede nada para você. É diferente de você entrar na Justiça e pedir uma coisa sua. Eu não pedi nada para mim, eu pedi isso, que se suspendesse o decreto. Sabe como eu tomei conhecimento da decisão do juiz? Me ligou dos Estados Unidos o jornal The New York Times. Eu não entendi o que o “cara” dizia porque ele falava um inglês muito apressado, e meu inglês também é muito ruim e ele não entendia. Aí botaram um intérprete no meio, mas nessa demora a ligação telefônica caiu. Cinco minutos depois me ligou a sucursal do NYT aqui no Brasil e eu dei a entrevista e saiu a matéria.
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OP - O senhor é autor de outras ações populares?

Antonio Carlos - Sim. Uma do BEC (extinto Banco do Estado do Ceará), que tramita na Vara Pública da Justiça Federal há 17 anos. Eu peço que quem tomou empréstimos fraudulentos e irregulares devolvam o dinheiro, que não vai mais para o BEC, que não existe, mas vai para o Estado do Ceará. (...) A segunda que eu entrei foi para afastar o Eduardo Cunha (PMDB) da presidência da Câmara dos Deputados e anular o ato dele de pedir o impeachment da Dilma. Eu não tive êxito nessa, porque eu achei que era no STF, não era, (...) aí eu entrei na Justiça Federal do Distrito Federal com a mesma ação, mas a juíza não teve a coragem desse juiz teve, não concedeu a liminar. Ela nem afastou o Eduardo Cunha, nem anulou o ato dele, aí o processo do impeachment correu mais ligeiro que a ação, aí tiraram a mulher da presidência, a ação perdeu o objeto e foi arquivada. A terceira é essa.

OP - O senhor falou no começo sobre cidadania. O senhor acha que o brasileiro não está mais se indignando com o que está acontecendo?

Antonio Carlos - Está. Muitas vezes, o que falta é saber o caminho e a forma de agir. Por acaso eu sou advogado, sei e segui o caminho certo. Um dos ganhos da sociedade com essa ação é descobrir a Ação Popular. Olha, este merdinha aqui, deste tamanho, desmanchou um ato do presidente da República que está fazendo tudo o que quer, porque o Congresso aprova tudo o que ele quer, é um corrupto. O STF, silente, não julga nada contra ele porque a Câmara não deixa, e esse merdinha aqui, me desculpem o termo, deste tamanhozinho aqui, foi lá e derrubou o decreto do homem.

 

OP - O senhor esperava que o decreto fosse derrubado?

Antonio Carlos - Esperava, tinha muita certeza porque o Direito é muito bom. O meu medo era na mão de qual juiz que isso iria cair. Se seria um juiz macho ou se seria um juiz frouxo. Felizmente, caiu no macho.

OP - O presidente ainda pode enviar um projeto de lei para a Câmara?

Antonio Carlos - Aí é o seguinte: ele terá que estabelecer toda a forma de extrair os minerais sem degradar o meio ambiente. É possível, tem tecnologia, o que ocorre é que o setor de mineração é ávido por dinheiro, eles só querem o dinheiro, não querem investir em tecnologia para não degradar o meio ambiente. Dentro da área de 47 mil km², há locais de preservação ambiental e não se pode mexer nisso nem com lei. Ao redor, pode mexer e, se for próximo às reservas indígenas, parte do dinheiro da mineração tem que ir para os índios. Se ele quiser fazer direitinho, o que ele não vai mais ter tempo, tem que mandar um projeto de lei e tem que especificar toda as garantias de que o meio ambiente não vai ser degradado.

Letícia Alves, Demitri Túlio

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