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Advogada tratou sobre desvio de propina em conversa com desembargador

2017-04-17 01:30:00
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No áudio mais curioso transcrito no relatório da Polícia Federal, uma longa conversa de 59 minutos, o desembargador aposentado Váldsen Pereira surge ouvindo e orientando uma advogada amiga sobre como ela deveria agir sobre “pagamentos indevidos a agentes públicos” numa ação de reintegração de posse. “O teor da conversa revela que a empresa pagaria algo em torno de R$ 120.000,00 a R$ 130.000,00 em propina”, descreve o documento, assinado pelo delegado federal Wellington Santiago.

 

“A advogada ficaria com cerca de R$ 40 mil”, aponta o delegado. Na conversa, a sugestão de Váldsen foi para que ela não avisasse a ninguém desse dinheiro retirado. Ao conceder a extensão da quebra do sigilo telefônico, o próprio ministro Herman Benjamin, do STJ, considerou que o episódio revela “indícios de crimes de corrupção ativa e passiva e lavagem de ativos”.


“Parte desse valor seria destinado a policiais civis (R$ 25 mil), dentre eles delegados, policiais militares encarregados da desocupação propriamente dita (R$ 28 mil)”, segue o documento. É mencionado pela advogada que um oficial da PM teria recebido R$ 12 mil, “além de valores destinados aos oficiais de justiça e terceiros que seriam os responsáveis pelo cumprimento da decisão judicial de forma ‘oficiosa’”, apontam os investigadores.


No diálogo, a advogada é muito mais falante. As participações de Váldsen são pontuais – mas ele sempre ciente dos fatos narrados pela amiga. A ligação, feita pela advogada na noite do dia 24 de agosto do ano passado, foi iniciada sem arrodeios:


ADVOGADA: Oi, amor, tudo bom?

VÁLDSEN: Tudo bom!


ADVOGADA: Posso lhe fazer uma pergunta simples para uma resposta simplória?

VÁLDSEN: Pode.

 

ADVOGADA: Quanto é que você acha que eu deveria receber por este trabalho?

VÁLDSEN: Olha, o trabalho, é, o trabalho como dizia outro, é trabalho, né, muito trabalhoso!

 

Os PMs acionados teriam ido em viaturas, de farda, como se estivessem em serviço oficial. A verba da propina saiu da empresa dona do terreno, com sede em Pernambuco. O imóvel estaria avaliado em R$ 4 milhões e mede 33 mil m², numa cidade da Região Metropolitana de Fortaleza.

 

Na conversa, Váldsen menciona e incentiva para que a advogada se aproprie de sua parte da quantia reservada sem que precise informar à empresa cliente e ao escritório de advocacia onde ela atua. A amiga do desembargador tinha dúvidas de quanto deveria reter para si.


ADVOGADA: Pois eu vou cuidar, amor, que ainda tem que...Agora, quanto tu acha que é justo, me diga aí pelo amor de Jesus?

VÁLDSEN: Se der pra tirar, justo quem vai saber é você, se tira os quarenta, tira os vinte, se tira os trinta e quatro. Você que tá fazendo as contas aí, isso aí eu não posso nem dizer quanto seja. Eu acho que qualquer dinheiro que você retirar é justo, qualquer dinheiro, já que sempre fez as coisas e nunca pegou nada e nunca deram, nunca deram uma gratificação a você.

 

Preocupada com a logística para desocupar os moradores irregulares, a advogada teria usado o dinheiro também para alugar um trator, caminhões de mudança e até um trailer servir de apoio na operação. As fotos, inclusive dela e de policiais fardados e à paisana no local no dia da desocupação, constam no documento da Polícia Federal.


O terreno foi retomado dois dias após a ligação ter sido interceptada na investigação. No relatório, os agentes isentam o desembargador quanto à participação direta na reintegração de posse. Novamente, os personagens não são identificados pelo O POVO porque não foi confirmada ainda a abertura de investigação.


O ministro Herman Benjamin e a Polícia Federal recomendam que autoridades judiciais e policiais locais assumam esse caso – por fugir da esfera federal. O POVO apurou que nenhuma investigação do que foi praticado pela advogada, PMs, policiais civis e oficiais de justiça foi aberta oficialmente. (Cláudio Ribeiro e Demitri Túlio)

Adriano Nogueira

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