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A arte de falar da vida
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A arte de falar da vida

Colunistas do O POVO foram convidados para um encontro no Moleskine Gastrobar. Em pauta: o ofício que exercem e seu fascínio. Quem acompanhou e narra o momento é o jornalista e cronista Henrique Araújo
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Lúcio foi o primeiro a chegar. Chinela de dedo, gola polo e bermuda (“rompi com a calça comprida”), aguardava no balcão do Moleskine.

Sério, bebia Heineken enquanto batia papo com a garçonete. Logo arma-se com aquele sorriso que aprendeu a desfilar há algumas décadas em seu programa televisivo a que eu assistia quando criança com um misto de pasmo e curiosidade.


Depois vieram Adriano, Sônia, Marcus e Ledinha, todos num mesmo pelotão de cheiros e cores, misturas almiscaradas e paleta discreta, num trote elegante de quem aprendeu a chegar e a sair à francesa.


Cumprimento os meninos com apertos de mãos vigorosos - aprendo que tapinhas nas costas são cafonas. Com as meninas, beijinhos no ar, que estalam no vazio (“tudo azul, meu querido?”, quer saber Leda).


Pelo salão de pé direito alto e música ambiente agradável, jovens de polo e mocassim batucam nas telas do celular. Era uma quinta-feira abafada de janeiro passado, e a jeunesse fortalezense confraternizava num típico sunset na capital alencarina.

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Só depois chegaria Robertinha Fontelles Philomeno. Leve, uma roupa que lhe cai tão bem quanto a função que adotaria dali em diante: transmitir partes da conversa nos stories de sua conta no Instagram.

Turma reunida ao lado do rooftop, contei nos dedos: eram seis colunistas sociais do jornal, cada um “convencido da sua própria importância”, diria um Lúcio Brasileiro mordaz após alguns copos de cerveja.


Decano do grupo, o jornalista mais longevo do Ceará (“quiçá do mundo inteiro”) palestrou com naturalidade sobre os temas mais chãs. Da vida amorosa (alheia) ao PIB do Ceará, falou sobre tudo.

“Colunismo é a arte de falar da vida”, definiu a si mesmo e aos colegas, que assentiram prontamente. “Falamos sobretudo das coisas boas”, no que também foi acompanhado por todos. Leda Maria acrescenta: “A vida às vezes é amarga. Precisamos adocicá-la”.

Marcus Lage complementa: “Somos jornalistas do cotidiano”. Adriano Nogueira concorda: “É um ofício como qualquer outro”. Sempre discreta, Sonia Pinheiro meneia a cabeça e sorri. Instada a comentar o tópico da vez, prefere narrar sobre os desafios do colunismo, principalmente os vaivéns dos casais recém-separados: “Sempre tem um dos lados do antigo relacionamento que ficou na pior”.


Chegam canapés e champanhe. Mesa farta, os pratos e travessas seguem intocados por uns poucos minutos. Pergunto aos convivas o
que é riqueza.


“É iate, carro importado, viagens, casa, avião”, responde Lúcio com voz empostada. “Mas há poucos ricos no Ceará”, continua.

Quantos?, quero saber. “Apenas dois”, devolve, sem nomes.


“Riqueza agora é discrição”, diverge Marcus, ele mesmo muito sóbrio metido num blazer off white. Sentado num canto da roda, sem chamar a atenção, vai comandando os serviços do garçom, a quem avisa que a champanhe não estava suficientemente gelada e a música, um pouco alta. “Rico mesmo veste e calça produtos sem marca. Quem tem dinheiro olha e, se o sapato não tem etiqueta nem nada, reconhece outro rico”, explica. “Riqueza é cultura, conhecimento, propriedade sobre as coisas boas da vida”, define Leda. Sonia observa como que refletindo sobre a questão, mas curtindo sua tacinha de champanhe.


Enquanto Leda e Adriano se entretêm numa conversa sobre um enlace afetivo que se formara na cidade após um processo rumoroso de separação (“a ex está maravilhosa”, alguém sussurra), Lúcio de súbito levanta-se e anuncia: está indo embora. Tem de voltar ao Cumbuco antes de anoitecer.


Uma onda de comoção atravessa a sala. Rápido, todos passam a tietá-lo. Paciente, o colunista estende os braços, inclina a cabeça e até flexiona os joelhos. Encerrada a sessão, despede-se. Disparo no
rumo da escada.


Alcanço-o já na calçada. “Quem são os dois mais ricos do Ceará?”, insisto. “Ivens (Dias Branco) e Yolanda (Queiroz).” “Qual foi a maior festa da sociedade cearense?”. “Uma que dei na Parangaba. Era 1973, e compareceram mais de 300 pessoas. Ganhei um carro como pagamento.”


“Por que se refugiou no Cumbuco?”, continuo, agora temendo irritá-lo. “Porque Fortaleza está intragável. Em qualquer festa, a gente já sabe quem vai, com quem, o que vamos comer e sobre o que vão falar: cri-cri – criar as crianças.”


Como não arredasse o pé, peço que responda a uma derradeira pergunta: quem foi o maior colunista social do Brasil? “Zózimo (Barrozo do Amaral). Mas o maior de todos sou eu mesmo. Se morrer amanhã, deixo trinta colunas escritas.


O Lúcio desaparece, mas o ‘lucismo’ fica.” E bate em retirada novamente.

 

LÚCIO BRASILEIRO


“A coluna social é a sobremesa do jornal”, disse Lúcio Brasileiro no encontro, no qual explicou que, desde os anos 70, foi se dando cada vez mais tempo longe da Capital, até mudar de vez para o Cumbuco.


LEDA MARIA


“O jornal muitas vezes está cheio de notícias duras, difíceis, fica para nós a função de noticiar as conquistas, os assuntos bons e positivos”, ressaltou Leda Maria, sempre usando seu jargão “tudo azul”. Leda escreve às segundas e quartas no Vida & Arte.

ROBERTA PHILOMENO


“É preciso ter muita cabeça para filtrar, saber o que vale ser publicado, porque para nós chegam muitas informações a todo instante”, declara Roberta Fontelles, que escreve sobre beleza e saúde no caderno Pause e no Ciência & Saúde, onde acompanha os movimentos da cena médica no Estado.

SONIA PINHEIRO


Sonia Pinheiro ouviu mais do que falou, sempre solícita e discretamente elegante, a jornalista concordou com trechos das falas dos colegas, mas preferiu trocar conversas individuais com os presentes. Sonia tem coluna de terça a sábado no Vida & Arte e, aos domingos, assina páginas neste suplemento.

MARCUS LAGE


Anfitrião por natureza, Marcus Lage, desde sua chegada, demonstrou se preocupar com a acomodação de todos e o perfeito funcionamento do serviço, embora não fosse o promotor do momento. Ele escreve aos domingos, aqui no Pause, e mescla notas sociais, vitrine de consumo e curiosidades.

ADRIANO NOGUEIRA
Antenado com o mercado, Adriano Nogueira conhece bem os movimentos que as empresas e empresários fazem ou ainda planejam. Conversar com ele é um raio-x do que está acontecendo na cidade. Ele escreve todos os dias no caderno de Economia e aos domingos em Pause.

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Lúcio Brasileiro narra os fatos de todas as épocas com uma riqueza de detalhes de impressionar a qualquer interlocutor

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