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Marcel Fukayama: Não basta focar apenas no lucro
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Marcel Fukayama: Não basta focar apenas no lucro

Marcel Fukayama é fundador do Sistema B, que mira também o impacto social, e lançou comunidade de empresas em Fortaleza
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Paginas Azuis com Marcel Fukuyama, representante do sistema B (Foto: FABIO LIMA/O POVO)
Foto: FABIO LIMA/O POVO Paginas Azuis com Marcel Fukuyama, representante do sistema B

Nenhuma mudança cultural é simples. Tampouco rápida. E quando a questão é lidar com negócios, é importante deixar claro que ela vem para melhorar o mundo sem comprometer os lucros. Aliás, chega para dar sustentabilidade social, ambiental e também financeira. As pessoas estão cada vez mais atentas à verdade por trás dos anúncios e das palavras bonitas da Missão da Empresa. Um selo oferece a síntese de uma série de valores, e ele vem com a letra B. A chancela é concedida pelo Sistema B, cujo presidente no Brasil, Marcel Fukayama, está bem atento ao Ceará. Ele lançou em Fortaleza uma Comunidade B. Em síntese, reúne empresas que miram nos impactos sociais, mesmo ainda não tendo o Selo. Lançado em 2013, o Sistema B no Brasil tinha quatro empresas. Hoje são 145 e mais de 4.400 estão em processo de certificação.

Em entrevista ao O POVO, ele diz que começou aos 17 anos montando um negócio de lan houses, em São Paulo, com foco em inclusão digital em comunidades carentes, fala sobre este movimento em torno de um capitalismo consciente, que está ganhando força no Brasil e mundo.

Mas, adianta: é preciso bem mais do que um discurso bonito para fazer as transformações acontecerem. É preciso gerar resultados que possam ser medidos por todos. E usa os números a seu favor para mostrar que este também pode ser um tipo de negócio rentável. Segundo ele, o mercado de capitais para projetos de impacto já chega a US$ 2 trilhões no mundo. No Brasil, chega a R$ 1 bilhão por ano.

O POVO - Como o senhor se interessou pela temática de impacto social?

Marcel Fukayama - Toda a minha trajetória nos últimos 17 anos, quando comecei meus primeiro empreendimento, aos 17 anos, sempre foi ligada ao impacto social. Criei uma das primeiras lan houses, em São Paulo, no sentido de democratizar o acesso à internet e com isso já foi meu primeiro empreendimento de alto impacto. Fundei associações para influenciar política pública, então sempre estive conectado com isso. Trabalhei 14 anos com tecnologia e educação. Ao longo desta trajetória percebi que poderia usar força de mercado para resolver problemas sociais e ambientais, criei alguns empreendimentos. Há seis anos criei uma empresa com outros dois sócios, que se chama Dín4mo e a gente faz investimento de impacto. Neste processo, há dez anos conheci o movimento global de empresas B que antes estava muito limitado à América do Norte, EUA principalmente. E eu pensei que faria muito sentido este movimento se tornar global, então eu propus a organização trazer o movimento ao Brasil e eles me conectaram a outros empreendedores na América Latina que também estavam começando. No Chile, na Argentina, na Colômbia. A gente se conectou e hoje faz parte deste movimento global. Lançamos em 2013 o Sistema B aqui no Brasil com quatro primeiras empresas e hoje temos 145 e mais de 4.400 em processo, o que faz do Brasil um dos principais protagonistas do movimento global.

OP – O senhor enfrentou algum tipo de resistência dos empresários quando chegou com esta proposta de certificação para o sistema B?

Marcel Fukayama - Acho que a dificuldade é que a gente está criando um novo mercado, uma nova cultura. E quando se cria uma nova cultura é preciso criar as primeiras evidências de que é possível fazer diferente. Então estamos desbravando, sendo pioneiro, o grupo criador. Então formar esta nova cultura, esta nova forma de fazer negócio e causar impacto positivo sempre tem o preço do pioneirismo e da inovação. Então o nosso grande primeiro desafio era identificar quem são os grandes líderes empresariais, quem são estes primeiros líderes que estão saindo da intenção e assumindo compromissos de ser uma empresa melhor para o mundo. Então hoje estes 145 líderes, como o Haroldo (In3citi), o Felipe da A Tal da Castanha ou o Sérgio da Selletiva que são três empresários B no Ceará foram pioneiros neste processo. Então identificar estes líderes foi o primeiro desafio para esta nova formação de cultura.

OP - O que é preciso para obter a certificação?

Marcel Fukayama - O primeiro ponto é reconhecer e celebrar esta mudança de cultura empresarial que é global e histórica. Não tem mais volta, não tem mais retorno. Parte desta mudança inclui a empresa sair daquela lógica de mitigar impacto negativo com ações de responsabilidade social que eram super importantes, são importantes, mas não adianta só você compensar seu impacto negativo. Hoje por conta do tempo que nós temos na sociedade e no planeta, temos o senso de urgência para as empresas gerarem impacto positivo. Esta mudança de cultura pode ser sutil, mas é estrutural. Então, o que o sistema B faz é apoiar o empresário a percorrer este caminho. E para se tornar uma empresa B, a empresa precisa passar por um rigoroso processo de avaliação em cinco dimensões: governança, modelo de negócio, impacto ambiental, impacto na comunidade e relação com os colaboradores. E a partir destas práticas, a empresa pode estar elegível a se tornar uma empresa B. O passo seguinte é sair das intenções e firmar o compromisso, fazer mudança no seu contrato ou estatuto social para incluir o que a gente chama de cláusulas B porque aí a empresa institucionaliza no seu ato de incorporação, que é o documento mais importante, este compromisso com uma economia mais sustentável.

OP – Como são, na prática, estas cláusulas B?

Marcel Fukayama - Existem duas cláusulas. Uma que é no objeto social da empresa, que a empresa passa a ter o compromisso de gerar impacto social e ambiental positivo no curso de sua atividade econômica lucrativa. E a gente tem uma segunda cláusula no poder dos administradores da empresa que tem o poder de considerar os stakeholder, os atores da sua cadeia de valor, como consumidor, o investidor, o colaborador, o seu fornecedor, na sua tomada de decisão no curto e longo prazo. O grande desafio do sistema e que gera várias falhas de mercado hoje é que vivemos o sintoma do curto prazismo, nós precisamos estimular empresários e investidores a terem uma visão mais de longo prazo e esta cláusula ajuda a institucionalizar isso.

OP - Hoje esta superexposição, este excesso de informação colocou todo mundo muito mais exposto. Em que medida isso contribui para identificar as lacunas entre o discurso e a prática?

Marcel Fukayama - A gente acredita que ser B não é uma posição, é uma direção. Não existe empresa B perfeita, mas existe empresa comprometida em todo dia ser uma empresa melhor. Melhor para a sociedade e para o mundo. Então nós damos ferramentas concretas de gestão para este empresário fortalecer a sua governança e seu dia a dia nas suas práticas. A cultura é formada pelo jeito de pensar e de fazer, quando tem essa dissonância é que gera as incoerências. Quando você é uma empresa B está fortalecendo sua cultura para esta nova economia. Um dos elementos da empresa B é a transparência, o compromisso de medir e reportar seu triplo impacto. A ferramenta de avaliação de impacto B traz métricas de impacto social, ambiental e econômico para esta empresa anualmente reportar este impacto e com isso honrar este compromisso.

OP - Mas há métricas para medir seu próprio ambiente interno? Marcel Fukayama - Também temos métricas disso, uma das questões que a gente faz, por exemplo, é qual a diferença salarial entre o salário mais alto e o mais baixo desta empresa? Nossa crença é que a empresa pode ser não só um veículo para geração de riqueza, mas também de distribuição desta riqueza. E o múltiplo salarial é um indicador importante. Esta é só uma das mais de 200 questões que a gente faz, para mais de 150 setores, para mais de cem combinações distintas. Então é uma avaliação bem sofisticada.

OP - E como isso é mensurado?

Marcel Fukayama - Uma vez certificada, a empresa passa por um processo de recertificação a cada três anos. A ferramenta também evolui a cada três anos, novas métricas, com novos parâmetros, então a empresa acaba se comprometendo em ser uma empresa melhor, ela tem que progredir, evoluir gradativamente. Não tivemos no Brasil empresas descertificadas por questões de ética, integridade ou de conduta, mas se isso fosse necessário nós temos um comitê de integridade na governança do Sistema B que avalia casos, submete a um processo administrativo interno para o órgão certificador que é o B Lab, que fica nos EUA, para avaliar se é o caso ou não da descertificação.

OP - O que vocês já conseguiram mensurar na prática. Quais os resultados do Sistema B?

Marcel Fukayama - Hoje a gente ainda está em um processo de geração de evidências de que empresas melhores para o mundo de fato geram valor compartilhado. Mas de percepção o que nós temos muito forte é que avaliação de impacto B é o principal benefício para o empresário, fortalecer a sua gestão e governança. Este é benefício mais tangível que eles reportam para o sistema B. O segundo benefício é que métricas de impacto social e ambiental uniformizadas, standarts (parâmetros) sociais e ambientais. Da mesma maneira que a gente avançou no século passado com uma uniformidade standart contábil e financeiro, a gente precisa avançar nesta década em standart social e ambiental, métricas. E a avaliação de impacto B é reconhecidamente no mundo inteiro a principal ferramenta para isso, para investidores, para governos.

OP - Por que precisamos avançar nisso?

Marcel Fukayama - Porque a gente precisa de métricas que sejam comparáveis, verificáveis e críveis. Senão a gente compara laranja com banana, o que é impacto para você, pode não ser para mim. Quando a gente consegue ter métricas que sejam standarts, a gente consegue ter uma fórmula mais comparável. E para isso a gente tem pouco mais de dez anos para cumprir nossa agenda de 2030, dos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável, 169 metas. E o grande desafio é como as empresas podem protagonizar este processo. O custo de implantação das ODS é de US$ 4 trilhões por ano, é irreal a gente pensar que só o Governo vai fazer isso. A gente precisa trazer a iniciativa privada e trazer soluções de mercado para isso. Só que para o mercado fazer precisa ter instrumento, precisa ter infraestrutura, parâmetro, e parâmetros são as métricas. Este é um benefício super importante que a gente acredita estar contribuindo para o sistema.

OP - Está mais difícil ou mais fácil conseguir enxergar a importância disso e fazer negócios de impacto no Brasil?

Marcel Fukayama - Como tudo, existem luzes e sombras. Nós temos reformas macro e microeconômicas estruturantes para o Brasil na próxima década. A gente não pode mais ter uma década perdida, do ponto de vista de política econômica. Nós temos um grande desafio que precisamos superar nesta administração. Dito isto, nós temos uma grande oportunidade. O Brasil hoje protagoniza em todo o mundo o movimento de empresas que está criando soluções inovadoras, criativas e de alto impacto social ambiental. Negócios de impacto, empresas B, valor compartilhado, capitalismo consciente. O Brasil está na fronteira da inovação. Temos evidências disso. Temos empresas, aqui em Fortaleza mesmo, que já lideram este protagonismo deste movimento global. Então a partir destas oportunidades temos a grande chance de usar soluções de mercado para resolver problemas sociais e ambientais complexos e com isso ingressar fases de estado e de mercado a partir do próprio mercado.

OP - Como o negócio de impacto pode transformar a realidade do entorno?

Marcel Fukayama - Uma das empresas B mais inspiradoras no Brasil se chama programa Vivenda. Eles fazem reformas em favelas de São Paulo. Começaram em São Paulo. Hoje o Brasil tem um grande desafio de déficit habitacional. A ONU colocou a habitação no centro dos problemas sociais, se a gente não resolver a habitação não resolvemos grande parte dos problemas sociais. E a nossa principal política de habitação, que é o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), está paralisada pela crise econômica. Então, como é que a gente resolve isso? O Vivenda criou uma loja na favela. A família compra o projeto da reforma, com material de construção de qualidade, com mão de obra qualificada na própria comunidade e crédito para parcelar em 30 vezes o kit da reforma que custa, em média, R$ 5 mil, e 80% das vendas são banheiros. A gente está falando de famílias em comunidades absolutamente vulneráveis e que estão na segunda ou terceira geração e que nunca viram sua casa pronta. Em seis dias úteis, o kit é entregue e implementado na casa desta família. Mais do que restaurar casa ou saúde da família este programa Vivenda está restaurando a dignidade destas famílias e com soluções de mercado. Ninguém falava em reforma em favela. Hoje já se estima um mercado do tamanho de R$ 300 bilhões. Então é um tipo de empresa B que criou um novo mercado a partir de uma necessidade existente. E mais do que isso, no ano passado, o Vivenda, com outras duas empresas B, o grupo Gaia e a Dín4mo, protagonizaram a primeira debênture de impacto já feita na história do Brasil, que é um instrumento financeiro que possibilita a combinação de capital filantrópico com capital de investimentos, ambos com retorno, que possibilitam o financiamento de famílias de favelas a financiarem esta reforma na sua casa. Então a gente está vendo experiências concretas acontecendo no mercado que estão resolvendo problemas sociais e ambientais como habitação, saneamento, educação, saúde e assim por diante.

OP - Qual a principal barreira hoje para as pessoas investirem em ações de um grupo de reforma popular em uma favela de São Paulo em vez de uma grande companhia como a Vale?

Marcel Fukayama - Para mudar a cultura a gente precisa criar infraestrutura para isso, a gente precisa de instrumentos. Até pouco tempo se você quisesse ser um investidor de empresas de impacto não tinha como. Precisaria de um tíquete de R$ 1 milhão para colocar em um fundo de impacto. A partir da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) 588, que permite que qualquer indivíduo a partir de R$ 500 pode fazer um investimento de impacto. Isso é um exemplo concreto de que a gente precisa começar a desenvolver instrumentos. E pode entrar em uma empresa B chamada Cria, uma plataforma de crowdfunding, e escolher um projeto de impacto e ser um investidor e ter retorno e impacto. Então isso é um exemplo de como podemos criar novos instrumentos que mudam o comportamento e criam novos mercados. Então o que a gente precisa fazer é criar novas políticas também sejam elas públicas ou de autorregulamentação, que criam estes instrumentos. Aqui no Brasil o Sistema B está capitaneando uma iniciativa para identificação jurídica do que é um negócio de impacto. Não podemos correr o risco do esvaziamento do conceito, porque o que pode ser para você, pode não ser para o outro, então para assegurarmos isso e diminuir risco jurídico ao empresário, investidor e gestor público Sistema B tem um projeto que cria as chamadas empresas de benefício, uma qualificação para empresário, seja Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), participação limitada ou sociedade anônima poder dizer que tenho identidade jurídica, tenho aqui um negócio que tem um propósito de gerar impacto positivo, tem responsabilidade com este propósito e compromisso com a transparência. Este é um anteprojeto de lei ainda, foi submetido ao Executivo, mas já estamos articulando a tramitação no Congresso e segue uma diretriz global que estamos fazendo em mais de 15 países. EUA, Itália, Colômbia já passaram, Argentina está passando e o Brasil não pode ficar de fora disso.

OP - O que é preciso para uma empresa ter um negócio de impacto?

Marcel Fukayama - É um negócio que tem na sua natureza a intencionalidade de gerar um impacto positivo, considerando os seus stakeholders, e medindo e reportando seus impactos. Estes três elementos. Isso é um negócio de impacto.

OP - Há uma média de quanto cresce uma empresa que investe em impacto social em relação a uma que investe no mercado tradicional?

Marcel Fukayama - O importante neste momento é combinar três dimensões ao investidor. Não só o retorno, não só o risco, mas também o impacto. É preciso trazer esta multidimensão para o investidor. A partir disso - e aí estou alinhando uma premissa - a gente começa a oferecer um cardápio de opções de negócios de impacto que combinam também não só o curto prazo. O investidor precisa também sair da lógica do investimento de 12 a 36 meses, o negócio de impacto é um negócio de longo prazo. O chamado vale da morte, que é o vale que o negócio percorre até ser bem-sucedido, ampliar seu impacto e sua escala, pode ser um vale de cinco a sete anos. Hoje o tempo médio de um investidor no mercado de capitais com uma ação de oito horas. Nós precisamos mudar a lógica do curto prazismo para o longo prazo. E para isso os instrumentos que possibilitam e incentivam o investidor a acreditar em um projeto com capital paciente para o longo prazo e com isso ampliar o impacto destas iniciativas. A gente está vendo em todo o mundo o crescimento deste tipo de mercado, que é o chamado investimento de impacto e uma outra categoria que é o investimento ASG (ambiental, social e governança). Hoje tem US$ 280 trilhões sob gestão no mundo e para investimento de impacto já chega a US$ 2 trilhões no mundo.

OP - E no Brasil?

Marcel Fukayama - No Brasil está perto de R$ 1 bilhão de capital sob gestão de investidores que podem alocar em empresas de impacto positivo.

OP - Quantas empresas temos no Brasil que fazem este trabalho de captar estes investimentos, debêntures, nesta área?

Marcel Fukayama - O Brasil tem hoje 12 milhões de empresas, 145 delas são empresas B certificadas. Aproximadamente 10 dessas, além de serem empresas B, estão comprometidas em fazer investimentos de impacto em projetos como estes que estamos falando. Hoje no Brasil tem aproximadamente entre R$ 15 a R$ 20 bilhões sob gestão destas empresas B com este compromisso.

OP - Quando se fala de capitalismo consciente se fala muito em capitalismo que vai além do lucro pelo lucro. Mas, na prática, o que está mudando?

Marcel Fukayama - Primeiro o ambiente de trabalho. Quando você olha o índice de engajamento em posições voluntárias crescendo muito mais do que em posições remuneradas. Existe uma crise de propósito nas empresas. Então uma empresa alinhada com esta nova economia tem um ambiente de trabalho muito mais propício não só para atrair, como reter talentos. Um CNPJ é um conjunto de CPFs. Não adianta a empresa achar que vai conseguir prosperar no longo prazo sem talento. Então o primeiro ponto é ambiente de trabalho. O segundo ponto é alinhar os interesses com o da sociedade. A empresa hoje tem muito mais complexidade para alinhar seus interesses com o da sociedade porque a sociedade hoje tem outros anseios, o mundo é mais complexo. Então, o consumidor hoje está cada vez mais informado, muito conectado, então a empresa precisa se diferenciar em um ambiente competitivo e com isso o posicionamento. Ser uma empresa B sinaliza para estes stakeholders, dentre eles o consumidor, que essa empresa está preocupada em ser uma empresa melhor para o mundo. E por fim qualificar a gestão, quando você passa pela avaliação de impacto B, muito provavelmente vai receber perguntas que você jamais se fez antes em governança.

OP – Por exemplo?

Marcel Fukayama - O que é sucesso para você? Como você reporta e mede isso? Como é a equidade de gênero na sua empresa? Como toma a decisão? Tem Conselho de Administração? Qual o múltiplo salarial do salário mais baixo ao mais alto? Qual a sua preferência de contratação de fornecedores? É no raio de 10, 50, 200 km ou você não prioriza o desenvolvimento territorial? Como é a sua cadeia de fornecedores, você rastreia quantas camadas? Quais suas fontes de energia? Tem política de gestão de resíduo sólido? E eletroeletrônico? Então são algumas das mais de 200 questões que a gente faz.

OP - O que já se observa de mudança no entorno para comunidade e para sociedade como um todo com este tipo de empresa?

Marcel Fukayama - O primeiro benefício é que uma das principais responsabilidades sociais das empresas é com seus próprios colaboradores. A gente tem um princípio constitucional no Brasil que é a redução das desigualdades. A empresa tem este papel e promoção do meio ambiente. E por que isso não acontece? A empresa tem um papel importante na redução da desigualdade. A maior empresa do mundo, uma empresa de US$ 1 trilhão, que é uma fruta (Apple), pagou 0,05% dos seus lucros em impostos por um processo de eficiência tributária que existe. É possível e legal. A pergunta é se é moral. Como é que podemos estimular que as empresas desempenhem um papel na redução de desigualdades que a gente tem no mundo? Então comece por seus colaboradores e pagando seus impostos. Segundo, comece também a contribuir para o desenvolvimento territorial. Quando a gente olha a Patrus, que é uma empresa de transportes que tem 80 filiais espalhadas pelo Brasil, tem 3 mil colaboradores, foi a primeira empresa de transportes e cargas do mundo a ser uma empresa B certificada. Fornecedora da Natura e de outras grandes empresas. Esta empresa o principal impacto dela está no território, desenvolver a região onde ela está, desenvolver a comunidade onde está: saúde, educação, espaço de trabalho, os próprios colaboradores, que moram na região. Então o impacto no entorno é um impacto percebido importante.

OP - Como o senhor vê as transformações trazidas pela reforma trabalhista e previdenciária no bem-estar dos colaboradores?

Marcel Fukayama - Não tenho dúvida que a legislação trabalhista precisava de uma reforma. O mundo hoje é absolutamente diferente de quando a CLT foi criada. Não estou seguro se a reforma proposta é a mais adequada no sentido de assegurar redução de desigualdades que existem no Brasil tão desigual como este. Acho que o debate precisa ser mais ampliado, trazendo a sociedade e os empresários para isso. Com relação à reforma da Previdência, vejo três elementos importantes que precisam ser endereçados: idade mínima, combate a privilégios e transição para um modelo de capitalização. São três pilares que a reforma precisa endereçar. Se a gente tentar fragmentar a reforma proposta que está hoje para tentar atender interesses políticos para alguma reforma ser passada, mas que não tem estes três pilares contemplados, tenho a sensação que passaremos uma reforma capenga, que não vai resolver no longo prazo o déficit nas contas e vai só ampliar a desigualdade no Brasil. Este é um cuidado que precisamos ter e um diálogo com a sociedade.

OP - Quais são as áreas com maior oportunidade para se investir em impacto social hoje no Brasil?

Marcel Fukayama - Eu vejo saúde, educação, habitação, saneamento, energia, alimentação e resíduos sólidos como as sete principais oportunidades de mercado que negócios de impacto podem endereçar.

OP - Necessariamente tem que investir na periferia?

Marcel Fukayama - Não necessariamente precisa investir em periferia. É claro que a população de baixa renda tem uma necessidade ampliada porque os serviços básicos são precários, há uma carência muito grande de acesso a estes serviços. Agora vamos pegar só saúde, por exemplo, a necessidade que a gente tem é mais do que simplesmente diagnosticar em clínicas populares, é fazer tratamento e prevenção da saúde. Nós precisamos mudar o conceito da saúde, este modelo de pagamento por procedimento que coloca a doença no centro. Este modelo só é sustentado se você fica doente, faz consulta compra remédio e faz exame, é assim que a roda da saúde gira. Precisamos mudar para o modelo de prevenção, do pagamento por performance. Existe uma empresa em Belo Horizonte, o Mais 60 Saúde, que desenvolveu um modelo de prevenção e promoção para saúde para pacientes acima de 60 anos. Em cinco anos, eles comprovaram que a prevenção reduz em mais de 25% os custos dos planos de saúde. Prevenir, mais do que salvar dinheiro, salva vidas. Então este modelo que precisamos disseminar. Isso não veio do Governo, veio de uma solução de mercado que pode sim influenciar políticas públicas. Este é só um exemplo. Mas podem ocorrer em habitação, educação e assim por diante.

OP - No Ceará, quais as oportunidades que o senhor enxerga?

Marcel Fukayama - O Ceará é um dos estados brasileiros mais vocacionados para a educação no Brasil. Os índices mostram isso. Acho que é um estado que de alguma maneira mostrou capacidade de formar um capital intelectual muito grande. O grande desafio é como captura o valor dessa formação para que não seja um grande exportador de mentes brilhantes, mas que elas também possam ficar no Ceará e desenvolver social, ambiental, territorial e economicamente o Estado. Então, acho que é criar este ambiente favorável para que esta nova economia mais sustentável possa prosperar aqui.

OP – O senhor chegou a medir o impacto da lan house?

Marcel Fukayama - Existe entre aspas muita fantasia em relação à medição de impacto. A medição de impacto custa caro, toma tempo e exige uma expertise que na grande maioria das vezes o empreendedor não tem. E ninguém quer pagar esta conta. Então quando a gente fala de medir o impacto hoje é mais para o empreendedor ter uma visão de qual a sua tese de impacto, sua teoria de mudança, nada muito sofisticado, mas a pergunta é: se eu for bem-sucedido que mudança eu quero causar? Quais são as métricas mínimas que preciso seguir para saber que estou naquela direção? Mas no longo prazo esta mensuração é muito complexa, precisa de uma aliança setorial para isso. Estou só fazendo uma ponderação, mas basicamente, as métricas que eu tinha eram quantos jovens eu atendia, principalmente, de comunidades baixa renda, porque eu fazia programas de inclusão digital, jovens de 5 a 6 anos, de creches, que tinham o seu primeiro contato com a tecnologia através da lan house. Eram mais indicadores de processos e resultados do que de mudança feita.

OP - O que é mais difícil mudar esta cultura, dentro da empresa ou fora?

Marcel Fukayama - É uma relação simbiótica.

OP - O senhor acredita que este é o fim do capitalismo como a gente conhece ou uma transformação?

Marcel Fukayama - É uma transformação. A gente está colhendo diariamente todos os frutos que o atual modelo de produção e consumo nos trouxe. Uma série de distorções sociais e consequências ambientais como a gente jamais viu. Então precisamos mudar isso. Esta nova economia mais inclusiva e sustentável já existe e está acontecendo. Existem 145 empresas B no Brasil e 2.700 no mundo. Estamos vendo esta mudança de cultura de mitigar os impactos negativos, de passar o cheque e a borracha no assunto, para esta nova lógica de gerar impacto positivo e construir uma economia mais regenerativa. A gente precisa regenerar pessoas e nosso planeta, por isso é de longo prazo. Gostaria de citar mais um exemplo que me encanta bastante é de uma empresa chamada Jussaí, que trabalha no Rio de Janeiro, em Rezende, eles descobriram no fruto do palmito Jussara, uma espécie em extinção, uma forma de fazer açaí. Por isso se chama açaí. O que eles estão fazendo é que o tolete é que leva sete oito anos para crescer 70 centímetros e do dia para noite é desmatado para fazer palmito. E com o cacho do fruto, eles conseguem dobrar o valor econômico para as comunidades que cultivam e no ano seguinte a floresta está de pé. Este é um exemplo de regeneração que eles estão fazendo e, ao mesmo tempo, com um modelo de negócio sustentável e de triplo impacto: social, ambiental e econômico.

OP - Aqui no Ceará tem algum exemplo prático de como está acontecendo?

Marcel Fukayama - A Tal da Castanha. A Amêndoas do Brasil trabalha com exportação a granel da castanha, A Tal da Castanha é a castanha no varejo. É um alimento nutritivo alternativo para quem tem intolerância à lactose e está gerando impacto. É mais uma alternativa que se coloca ao cidadão para que ele faça a sua escolha nutricional para melhorar sua vida. Está gerando riqueza, impacto e transformado a vida das pessoas. Se for em um quiosque da Starbucks e pedir um leite vegetal vai abrir lá uma caixinha da A Tal da Castanha e que é feito aqui. A outra é uma investida da In3citi, a startup que empodera as mulheres dentro dos adensamentos urbanos e está sendo validado nos transportes públicos na questão do assédio sexual, que é o Nina. Olha como é interessante esta questão da política pública sustentada pela iniciativa privada. Sabe quanto dinheiro a Prefeitura ou Sindiônibus está investindo ali? Zero. Sabe quanto o cidadão está pagando? Zero. Tudo investimento nosso. No dia do lançamento, o aplicativo Meu Ônibus tinha 603 mil downloads, hoje, tem 715 mil. A startup é um instrumento de medição de uma política pública de combate ao assédio sexual. E está aí impactando, a pessoa disse ao jornal que o aplicativo Nina mudou a vida dela. Ou seja, ela já chama de Nina. É uma pessoa, mas já está mudando a vida dela.

OP - Em que medida o consumidor está atento a isso e valoriza este tipo de empresa?

Marcel Fukayama - Acho que a gente tem hoje uma percepção de que o consumidor está valorizando mais isso. Mas, por quê? Ele está mais informado, está vivendo várias dores, todas estas distorções e consequências ambientais ele está vivendo. E está buscando um consumo cada vez mais consciente e mais responsável. Então uma empresa B que é mais transparente mostra para aquele consumidor, dá mais informação para aquele consumidor qualificar a sua decisão de compra. Ele pode optar ou não por uma empresa B.

OP - Em uma economia como a nossa que ainda não decolou, ainda vive as dores de uma crise, em que medida o consumidor vai tomar uma decisão com base em valores como esses e não no preço?

Marcel Fukayama - Este é o nosso desafio. Mostrar que é possível fazer diferente, mesmo em uma economia em crise, mas ao mesmo tempo mostrar que aquela empresa mais do que querer engajar aquele consumidor, elas estão ofertando soluções de triplo impacto positivo. Não estão apenas buscando soluções para sobreviver e pagar a sua conta, estão querendo sim pagar sua conta, prosperar e gerar impacto positivo. Então este é o desafio que a gente tem.

OP - Mas o senhor já percebe que o consumidor pesa entre preço e valor?

Marcel Fukayama - O consumidor é pragmático e sensível a preço. Isso é fato. O que a gente precisa fazer é tornar o ambiente mais favorável para que estas empresas que não só tem boas intenções, mas firmaram compromisso de ser melhor para o mundo, tenham ambiente favorável para prosperar neste cenário.

OP - Quando a empresa que adere ao sistema, normalmente o faz movida pelo quê?

Marcel Fukayama - Três coisas: fortalecer a sua gestão e governança, ter métrica de triplo impacto, que hoje o empresário comprometido com esta nova economia precisa dessas métricas; e posicionamento, ele quer se posicionar para o seu colaborador, para o seu investidor, para um gestor público e para a sociedade. O selo endossa esse posicionamento.

OP - O que vem primeiro: vem naturalmente o negócio central da empresa e depois vem a compreensão de que ela pode seguir esta diretriz?

Marcel Fukayama - Eu acredito que tem negócios que já começam conectados com isso. É o princípio que a gente chama da intencionalidade. O empreendedor que tem a intencionalidade de gerar impacto positivo. Isso é um elemento importante que, no nosso caso, desdobra na nossa avaliação... Se vamos analisar só práticas ou práticas e modelo de negócio. O exemplo que mencionei há pouco é um tipo de negócio que a natureza dele já é de gerar impacto positivo. Agora temos uma série de empresas B que não necessariamente têm a intenção de gerar impacto positivo, mas as suas práticas geram impacto positivo em sua cadeia de valor, na sua comunidade e assim por diante. O princípio da intencionalidade é importante para saber se ela já nasceu ou não com este propósito.

OP - Há um segmento predominante?

Marcel Fukayama - Hoje na estratégia do Sistema B nós estamos buscando criar mais esta consciência de nova economia no setor de bens de consumo, porque é justamente onde o diálogo com o consumidor é mais presente. Então o consumidor é um elo importante nesta cadeia. Empresas B de consumo como Dengo, Amma, Natura, Fazenda da Toca, A Tal da Castanha, Jussaí, são empresas que estão conseguindo criar esta experiência de consumo mais responsável , mais transparente.

OP - É possível ser uma empresa B em um negócio e não no todo?

Marcel Fukayama - Acontece. Vou dar dois exemplos: Unilever e Danone. A Unilever não decidiu por ser uma empresa B, mas incorporou em sua estratégia a aquisição de empresas B. Hoje ela tem empresas como Ben & Jerry’s e Mãe Terra. Se você olhar a embalagem, vai estar lá que é uma empresa B e porque escolheu este caminho. A Danone fez um plano de dez anos para globalmente certificar as 190 subsidiárias. Desde 2015, estamos fazendo este processo. Já certificamos 30% da operação global da Danone que hoje é a maior empresa B do mundo, a maior subsidiária da América do Norte, US$ 6 bilhões de faturamento, 6 mil colaboradores e assim por diante. Então pode ser feito por etapas. O fato de 80% de o movimento global ser de empresas menores é porque elas estão sempre operando na fronteira da inovação, têm menos complexidade da implementação e assim por diante. Porém, desde dezembro de 2014, quando nós certificamos a Natura como a primeira empresa de capital aberto, lembrando que 39% da Natura está na B3 (Bolsa de Valores), 11 mil acionistas, imagina a complexidade para aprovar a mudança de estatuto, isso abriu um caminho para grandes empresas, multinacionais e de capital aberto. A Danone tem capital aberto. Ela não pode segmentar a certificação porque todas as subsidiárias levam o nome Danone. A certificação é consequência, começa a medir o impacto porque é online, gratuito.

OP – Onde o Sistema B está lançando comunidades?

Marcel Fukayama - O coração da nossa estratégia hoje se chama comunidades B locais. Já lançamos em Curitiba, lançamos, aqui, fizemos no Rio, Floripa, Porto Alegre. Das 145 empresas B hoje, 60% estão em São Paulo, 20 % no Rio de Janeiro e 20% espalhadas pelo Brasil. Se a gente quer criar um movimento, inclusive, distribuído, precisamos criar uma estratégia para isso e as comunidades B locais são a plataforma de expansão para considerar este movimento. Então é como se fosse a criação de um sistema B local. E a comunidade é formada por empresários B e aliados estratégicos locais para criação deste ecossistema B, então, estamos lançando a comunidade B Fortaleza e a gente espera com isso fortalecer e construir este ecossistema. No Nordeste é a primeira cidade, mas a gente espera em breve ir para Recife e Salvador.

OP - O sistema B veio para criar um padrão de métricas de impactos sociais. Hoje no Brasil existe mais propaganda do que ações concretas de impacto social?

Marcel Fukayama - Seria leviano da minha parte afirmar isso. Mas o que posso fazer é trazer elementos, instrumentos para mitigar isso, para não gerar incoerência. Existem 125 milhões de empresas no mundo. É irreal pensar que 100% estão agindo pela simples intenção de gerar impacto positivo. O que precisamos fazer é dar ferramentas para gerar esta transformação para que ela seja transparente, coerente e íntegra. Então, isso é um processo que estamos fazendo.

OP - E como o consumidor final identifica tudo isso?

Marcel Fukayama - A gente tem feito um esforço muito grande neste engajamento, em especial das empresas de bem de consumo, em como comunicar o porquê é uma empresa B. Senão o consumidor pode até ver o B na embalagem, mas do que se trata? E se tiver outros selos, fica ainda mais confuso. Então eu diria que este é o nosso desafio. Criar esta comunicação para que ela seja compreendida e gere percepção de valor ao consumidor. A gente dá o apoio, fizemos reuniões com varejistas para criar aquelas gôndolas de empresas B, como já fizemos nos EUA, porque aí você entende porque aquelas empresas são B. Agora no Brasil nós estamos construindo este processo. Se você for no Pão de Açúcar hoje, naquelas gôndolas de produtos sustentáveis e orgânicos, asseguro para você que 80% são empresas B certificadas, você consumidor não sabe disso. A certificação dura três anos, a validade. E a empresa passa pela recertificação.

OP - Quanto custa certificar?

Marcel Fukayama - Custa US$ 500 por ano para empresas de até US$ 2 milhões de faturamento ou até R$ 50 mil para empresas acima de US$ 1 bilhão de faturamento. Hoje grande parte das empresas no Brasil paga entre US$ 1 mil a US$ 2 mil por ano.

Certificação

PREÇO O custo da certificação é de US$ 500 por ano para empresas de até US$ 2 milhões de faturamento ou até R$ 50 mil para empresas acima de US$ 1 bilhão de faturamento. No Brasil, a maior parte das empresas paga entre US$ 1 mil a US$ 2 mil por ano.

 

Perfil

CURRÍCULO Marcel Fukayama é formado em Administração de Empresas, tem curso técnico de Informática, MBA e mestrado em Administração e Políticas Públicas. Declara-se apaixonado por tecnologia e empreendedorismo. É sócio da Dín4mo, empresa de consultoria em negócios de impacto. Nas últimas eleições, Marcel Fukayama se licenciou no Sistema B para ocupar o cargo de coordenador-geral da campanha presidencial de Marina Silva.

 

Ceará

EMPRESAS No Ceará, as primeiras empresas a se certificarem como B foram a In3citi, investidora social que fomenta a inovação; A Tal da Castanha, que produz alimentos naturais à base da Castanha de Caju; e a Selleltiva.

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