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Suicídio: Informação é a chave da prevenção
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Suicídio: Informação é a chave da prevenção

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Além de denunciar o que está errado, o jornalismo precisa sinalizar perspectivas, apontar caminhos, ser vitrine de bons exemplos, enfim, inspirar as pessoas. É o que defende o jornalista André Trigueiro, autor do livro "Viver é a Melhor Opção - A prevenção do suicídio no Brasil e no Mundo". Há 19 anos estudando sobre o tema, André lembra que o suicídio é caso de saúde pública e defende que o tema seja mais explorado pela mídia, contudo, de forma responsável, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

 

Segundo o jornalista, no Brasil, ocorrem 32 casos, em média, por dia, perfazendo entre 11 mil e 12 mil óbitos confirmados por ano. Em 90% dos casos de suicídio, há intercorrência com algum tipo de doença mental. Depressão é o principal problema, mas uso de droga, bipolaridade, esquizofrenia, transtorno de personalidade também estão correlacionados.

 

Para além das patologias, Trigueiro elucida que o suicídio também tem causas sociais, como o machismo, preconceito sexual, de gênero e de raça. Em entrevista ao O POVO, durante seminário sobre o assunto no Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), André também alertou sobre o risco da polarização política para o desânimo da população, e critica proposta de liberação do porte de arma, uma vez que o acesso à arma de fogo precipita o risco suicida em pessoas fragilizadas psíquico ou emocionalmente.

 

O POVO: O silêncio que recai sobre o suicídio também é cultural. A própria terminologia nem sempre é empregada. Como ser objetivo diante desse assunto?

André Trigueiro: A recomendação é da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é o órgão máximo na área da saúde pública no mundo e que, há mais de uma década, produziu um manual dirigido a profissionais de imprensa, comunicadores em geral, reportando a necessidade da gente não replicar o tabu. É caso de saúde pública no Brasil e no mundo. Informação é a chave da prevenção para qualquer doença ou morbidade. E como reduz estatística? Com informação.

 

OP: Você já falou que não se preocupa muito com o lado polêmico do assunto, mas que sua preocupação é desmistificar o tema e colocá-lo no seu devido lugar. Você acha que a factualidade dos casos deve ser noticiada?

André Trigueiro: Não. Tem um jeito certo de falar sobre suicídio. O que se recomenda evitar? Primeiro, falar de qualquer suicídio. A gente não deveria ficar reportando no varejo casos de suicídio que acontecem, por exemplo, na grande Fortaleza.

 

OP: Quais cuidados devem ser primados na abordagem, uma vez que o efeito imitativo do comportamento suicida (Efeito Werther) é um risco real?

André Trigueiro: A OMS sugere que a gente tenha o discernimento de não achar que isso seja algo relevante do ponto de vista do noticiário. Às vezes é inevitável falar. Por exemplo, em 2014, o caso do ator norte americano Robin Williams foi uma comoção. Foi o assunto mais acessado no Google naquele ano. Não há como não falar sobre isso. Em sendo inevitável, como falar? Não abrir generosos espaços, manchetes, foto. Não descrever em detalhes o método empregado. Você não vai didatizar o suicídio. Recomenda-se não enaltecer as qualidades morais do suicida porque uma pessoa fragilizada psíquico ou emocionalmente, uma mente perturbada já com a ideação suicida, poderá ver ali nos elogios algo que possa reforçar a ideia.

 

OP: O tabu, inclusive nas redações, se mantém por uma leitura herética que a sociedade ainda faz da prática?

André Trigueiro: Com certeza. Nós somos um país muito religioso. As religiões, historicamente, construíram em torno do suicídio uma blindagem no sentido de não é pra falar, não comente, não quero saber se acontecer. Na época da inquisição destruíam os bens do suicida. Era uma coisa horrorosa. Os judeus não enterravam [o suicida] no cemitério judaico porque ele não podia ser enterrado em solo sagrado. Tudo isso mudou. Então a gente está vivendo um outro tempo. Mas não se muda cultura por decreto. Tem um delay. É algo que vai perpetuando um tema com enormes prejuízos na área da saúde pública. Eu tô há 19 anos estudando esse assunto. Você não faz ideia como a ausência de informação precipita o risco suicida. E você não faz ideia como a informação é "a bóia dos afogados".

 

OP: Por quê?

André Trigueiro: Quem tem depressão não acredita que haja luz no fim do túnel. Só quem já passou por isso sabe. Um mês atrás eu conheci o padre Fábio de Melo, fazendo uma reportagem para a TV Globo. Fizemos uma reportagem de quatro minutos, no auge do setembro amarelo, de prevenção do suicídio. Uma importante liderança sacerdotal, com muita empatia entre jovens. Um padre bonitão, que canta, aparece em televisão, tem milhões de seguidores em rede social. Por que eu quis falar com ele e ele topou? Porque ele tem depressão. Aí tem alguns estigmas. "Quem tem fé não pensa em suicídio". Falso. O padre confirmou isso.

 

OP: Quais outros fatores de risco, além da depressão?

André Trigueiro: A cultura patriarcal. Os valores machistas em que você não se permite reconhecer-se vulnerável. Estamos quebrando essa cultura. A opressão do macho, que se volta contra o próprio homem e causa transtornos às mulheres e pessoas com outras orientações sexuais, que não hétero. E aí temos grupos de risco, principalmente entre homossexuais, bissexuais e transexuais. Porque eles são estigmatizados em família, na escola, na faculdade, na rua, no trabalho. Do nada, surge uma agressão porque não os aceitam. Se construiu culturalmente o estigma. Essa pessoa não tem a sensação de pertencimento. Pronto. Colapsou. O tema do suicídio é amplo, alcança cultura, hábitos fortemente arraigados na sociedade. Tudo isso, em algum momento, dependendo dos fatores de temperatura e pressão, podem determinar o aparecimento de uma semetinha chamada ideação suicida. Em 90% dos casos de suicídio, há intercorrência com alguma patologia de ordem mental, principalmente, depressão. Mas também há com uso de droga, bipolaridade, esquizofrenia, transtorno de personalidade.

 

OP: Como o Brasil se comporta no tocante à abordagem do tema, tratando da prevenção, divulgação de fatores de risco?

André Trigueiro: Muito melhor do que há alguns poucos anos. O setembro amarelo é um exemplo disso. O (time de futebol) Ceará está de parabéns porque o goleiro entrou em campo com 188 nas costas, que é o número do CVV. O torcedor olha e se pergunta o que é 188. Aí o locutor das rádios ou das televisões vão ter que explicar. Isso é serviço de utilidade pública. Monumentos públicos iluminados de amarelo. "Tá assim por quê?" Sempre surge uma curiosidade. Caminhadas a céu aberto, debates. O Ministério da Saúde, de dois anos pra cá, passou a reportar, sempre em setembro, um relatório mostrando a situação do suicídio hoje no Brasil, de acordo com o último período apurado. Gênero, faixa etária, relacionado a que tipo de situação. Isso é informação que ajuda a gente a se posicionar melhor no tabuleiro.

 

OP: Que dados você teve acesso para produzir seu livro?

André Trigueiro: O suicídio é caso de saúde pública no Brasil. São 32 casos, em média, por dia, perfazendo entre 11 mil e 12 mil óbitos confirmados de suicídio por ano. Sendo que há o problema da subnotificação. Boa parte dos casos não é reportada. Em mais de 30% dos casos, segundo uma das mais amplas pesquisas já feitas no mundo, com 14 mil atestados de óbito, e todos eles relacionados a suicídio, detectou-se que mais de 30% dos casos havia intercorrência com depressão. Não é estado depressivo. Isso é da vida. Todos nós passamos e vamos continuar passando. Depressão é uma tristeza persistente. Existem vários tipos de depressão: leve, moderada, grave. E para cada uma delas há alguma rota terapêutica mais indicada. Outro tabu é que nós vivemos num mundo onde há a ditadura da eterna alegria. Temos aí um comportamento curioso, que revela quase uma obsessão pra você dizer "eu sou feliz". E quem não é? E quem está se sentindo destroçado? Não é feio procurar ajuda. É fundamental. Outra questão é orientar a família. Ela precisa saber como acolher e o que falar. A pior coisa que um depressivo pode ouvir de um familiar é uma bronca do tipo: "Você tem família. Tem trabalho. Tem o que comer. Não passa por nenhuma privação de ordem material. Tem amigos. O que você está fazendo aí? Levanta daí!" Parece que ele está daquele jeito por livre arbítrio. Não é preguiça. Não é fraqueza. Ele tem uma patologia de ordem mental. A bioquímica do cérebro está afetada. As sinapses cerebrais estão comprometidas.

 

OP: Passamos por um período eleitoral, fala-se muito em liberar o porte de armas? Como você vê o futuro do País diante dessa proposta?

André Trigueiro: Não é uma hipótese. Não é um chute. O acesso facilitado à arma precipita o risco suicida em pessoas fragilizadas psíquico ou emocionalmente. Quem tem o desejo de possuir uma arma, deve saber duas coisas. Primeiro, as estatísticas policiais. Mesmo que você tenha arma dentro de casa e havendo qualquer situação de invasão de domicílio ou risco, se você opta por se defender dessa forma, estatisticamente, o risco de haver ferimento ou óbito eleva-se exponencialmente. Segundo, temos o risco da pessoa, em episódios de acidente emocional, fragilidade psíquico ou emocional, achar que a arma é o recurso que vai usar para resolver aquele problema rapidamente. Quem tem política de liberação, de facilitar acesso à arma, tem que saber que, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o acesso à arma em boa parte dos estados é muito simples, não apenas os episódios envolvendo chacinas e massacres em escolas aumentaram, mas também o suicídio. São 30 mil casos por ano.

 

OP: Qual a estatística no Brasil?

André Trigueiro: Entre 11 mil e 12 mil casos. Alguém haverá de dizer que tem muito mais homicídio no Brasil. Foram 60 mil em 2016. Isso é mesmo verdade. A pergunta é: A solução é armar a população? Acho que esse debate precisa ser melhor construído. A gente pode até, em algum momento, chegar à conclusão que sim. Mas sem debate? É complicado.

 

OP: Você é espírita. A religião te influenciou a escrever seu livro?

André Trigueiro: Sim, porque existe uma ética da vida como princípio. Não é esta ou aquela religião e não precisa ser religioso pra gente entender a vida com um bem precioso e que a gente não pode banalizar o autoextermínio. O autoextermínio é uma violência. Atropelar o seu instinto de sobrevivência é forte. É um software inteligente da vida. Você vai atravessar a rua distraído, subitamente, registra o som de um carro se aproximando. Você não raciocinou, não elaborou. Você vai recuar. Depois que você vai se dar conta do que você fez. Portanto, a vida é um bem muito importante. Quantas pessoas que já realizaram tentativas e hoje não pensam mais em suicídio porque houve alguém perto que acolheu, que deu orientação e sugeriu o encaminhamento médico, profissional, psicológico, e essa pessoa conseguiu reconfigurar a vida, ressignificar a existência.

 

OP: Você mencionou os casos de subnotificação. O compartilhamento de informações na área de saúde é satisfatório?

André Trigueiro: Precisamos avançar. Porque pra organizar dados sobre qualquer doença ou morbidade você precisa ter uma aferição correta na entrada, na emergência do hospital, em qualquer posto de saúde. A gente precisa ter profissionais de saúde que façam o registro correto para que a gente tenha a resposta adequada para cada gênero de problema, inclusive tentativa de suicídio.

 

OP: Porque a violência, diferentemente do suicídio, ainda tem grande destaque na mídia?

André Trigueiro: Conteúdos apelativos e sensacionalistas na mídia sobre violência agravam o estado depressivo. Nós, involuntariamente ou voluntariamente, podemos estar sendo veículos de angústia, ansiedade, desesperança e pessimismo. Sem esperança você não levanta da cama. O jornalismo é corrido. Nem sempre a gente consegue fazer. Mas se você fala de uma comunidade oprimida pelo tráfico, onde as pessoas estão sofrendo há muitos anos com a violência, também vai mostrar que há uma liderança social que vai na contramão do consumo de drogas. Que o chefe do tráfico - essa história é real - tolera a presença dele porque o seu filho participa da obra social e porque ele não quer o filho viciado. Olha que história. Assim você está fazendo um certo equilíbrio dinâmico da história. Está dizendo que tem o lado sombrio, que é prevalente, que salta aos olhos, que é um absurdo, mas está mostrando, no meio da escuridão, luz. Acho que o jornalismo tem duas asas, sobre as quais ele se equilibra pra ir longe. A gente sempre vai denunciar o que está errado. Mas a gente não pode deixar de mostrar caminhos, saídas, soluções, ser vitrine de bons exemplos. A gente precisa inspirar as pessoas. Quanto maior a crise, maior a importância do jornalismo ser um sinalizador de rumo.

 

OP: Precisamos ter uma consciência de que somos co-responsáveis uns pelos outros?

André Trigueiro: Com certeza. Nós somos seres sociais, interdependentes. Émile Durkheim, um dos pais da sociologia, chegou a falar que nós somos produtos do meio. Sim. Todos somos responsáveis, em certa medida, pela cultura que a gente construiu. Essa polarização política no Brasil, essa onda de intolerância, não surgiu do acaso. Tem uma semeadura infeliz, que está vindo de uns anos, de líderes carismáticos que têm retórica, de ambos os lados, que foram ao segundo turno (das eleições), e que construíram um ambiente muito beligerante. É só olhar pra traz e ver como isso vem sendo construído. A gente precisa entender o que está acontecendo. O primeiro ponto é o diagnóstico, e ter a coragem de fazer as perguntas certas. Por que tem tanta gente se matando? Quem e em que circunstâncias? Aonde foi possível no Brasil e no mundo estabilizar e reverter as estatísticas? Por quê? E o que foi feito? Então, em resumo, eu diria que o tabu é contraproducente. Falar é a melhor opção. A gente precisa descobrir o jeito certo de comunicar esse assunto. Especialmente as mídias convencionais precisam disponibilizar sempre conteúdos alusivos a onde procurar ajuda, quais são os serviços disponíveis. CVV, CAPs, faculdades de psiquiatria que oferecem serviços gratuitos.

 

Palestra

ANDRÉ TRIGUEIRO esteve em Fortaleza, no último dia 20 de outubro, para ministrar a palestra "Vida em pauta: como tratar o suicídio na mídia". O evento foi promovido pelo Ministério Público do Estado do Ceará.

 

Meio ambiente

JORNALISTA André Trigueiro é conhecido também pela sua atuação em relação ao meio ambiente. Ele é professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-Rio, autor de livros sobre meio ambiente como "Cidades e Soluções - Como construir uma sociedade sustentável" (Ed. Leya, 2017)

 

Televisão

ELE É EDITOR-CHEFE do programa semanal "Cidades e Soluções", exibido na Globo News desde 2006. O livro "Viver é a Melhor Opção - A prevenção do suicídio no Brasil e no Mundo" foi publicado em 2015.
Conferencista espírita, André Trigueiro também realiza palestras sobre sustentabilidade e prevenção ao suicídio.

 

 

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