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"O prefeito tem que dar o exemplo"
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"O prefeito tem que dar o exemplo"

| SEGURANÇA PÚBLICA | Ex-secretário de Segurança de Bogotá, na Colômbia, Hugo Acero fala da importância de lideranças locais para combater a violência
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Secretário da Segurança de Bogotá no final dos anos 1990, Hugo Acero Velásquez operou verdadeiro “milagre”. Na época, a capital colombiana amargava posto alto entre as cidades mais violentas do mundo, com média de mais de 80 homicídios por 100 mil habitantes. Após décadas de estratégias ousadas de urbanismo, cultura cidadã e polícia, o cenário é outro. Nos últimos anos, taxa baixou para casa dos 20 homicídios a cada 100 mil, uma redução de 75%.


No coração das mudanças, menos repressão e mais ações inovadoras de urbanismo, educação e cultura cidadã. Ao invés de apenas armas e mais policiais, gestões priorizaram reforma de praças, construção de bibliotecas, urbanização de áreas periféricas e construção de equipamentos públicos de qualidade em favelas e bairros antes tomados pelo crime. No coração da atuação dos antigos cartéis de drogas, foram erguidas escolas, bibliotecas e terminais de ônibus de qualidade. As ruas, antes desertas, voltaram a ser ocupadas por milhões de cidadãos todos os dias.
 

“É preciso valorizar os espaços públicos. Uma cidade segura é uma cidade em que qualquer um pode caminhar”, doutrina Acero. Em passagem por Fortaleza na última quarta-feira para participar do Seminário Internacional sobre Segurança Pública da Assembleia Legislativa do Ceará, o ex-secretário conversou com O POVO sobre como Fortaleza pode aprender com Bogotá e os muitos desafios para se libertar uma cidade do terror.
 

O POVO – O Ceará vem experimentando um grande crescimento de índices de violência. Como reverter isso, o que é central em um projeto de Estado que busque uma redução da insegurança?
 

Hugo Acero - Como qualquer problema, o primeiro passo é se reconhecer que tem um problema. Funciona como uma doença: se acontece de você ter câncer, no começo você vai negar, porque não quer reconhecer que você tem, mas com isso você não vai se curar. Você só começa o processo de se curar a partir do momento em que reconhece que tem um problema grave. Esse é o primeiro passo. E isso não somente o prefeito, não somente o governador, mas sim todo um conjunto de autoridades, polícias, e a sociedade como um todo, devem reconhecer que há um problema grave acontecendo ali. Depois, é preciso se olhar com atenção para a cidade, para os territórios mesmo.
 

O POVO – Como, exatamente?
 

Hugo Acero – As cidades nunca têm esse problema de violência por todo o território. Sempre há alguns lugares em que isso se concentra. Digamos, na maioria dos casos, que até 10% da cidade concentra coisa de 70%, 80% de todos os problemas de violência dela. Então você tem que concentrar esforços nesses territórios. Com quem? Com as polícias, no plural. Tem que trabalhar em conjunto a polícia federal, porque temos aí questões de droga, delitos de ordem federal, com a polícia estadual, tanto nas investigações quanto na militar, e as guardas municipais, com o prefeito. Se não se trabalhar em equipe, fica difícil, do ponto de vista da segurança. E por outro lado, não vai bastar a justiça, a polícia trabalhando em equipe para solucionar, se nesses lugares onde há muita violência, seguirem existindo muitos outros problemas. São lugares que não têm iluminação, são lugares desordenados, há muito lixo, os parques estão abandonados, as escolas estão mal, as calçadas e ruas estão mal, os serviços para a população estão mal. Então você tem que ter um programa de desenvolvimento, de evolução social nesses territórios. Então há uma missão, uma intervenção, de segurança e justiça, para controlar os criminosos, para atacar os grupos criminosos, para garantir a segurança dos cidadãos, mas também há uma missão social, de trabalhar a comunidade, melhorar as escolas, melhorar a iluminação, melhorar os parques, coletar lixo, ordenar os espaços, criar postos de saúde. Enfim, é isso que é central.
 

Concentração
 

O POVO – Há um projeto em Fortaleza nessa linha. Temos três Cucas, centros que oferecem esporte e lazer aos jovens da periferia. É desse tipo de ação que a cidade precisa?

Hugo Acero – Uma inversão social requere mais, muito mais. Há toda uma situação muito grande de isolamento social que foi sendo feita no País por anos, então, para começar a inverter isso agora, tanto tempo depois, três Cucas não são o suficiente. Há de continuar trabalhando isso, criar mais e mais. Em Recife você tem a experiência dos “Compaz”, e me chamou a atenção, porque não são somente centros de cultura, de esporte, recreação, mas também existe uma atenção do município em serviços. É um lugar onde se resolvem conflitos, onde há atendimento de especialistas, psicólogos, médicos, e onde você consegue identificar os problemas de uma comunidade. 

 

Aqui em Fortaleza, tem que ter muito mais Cucas em toda a cidade, porque se requer essa inversão. Lembrando que você tem que fazer isso com a participação da população. Se não fazemos essas intervenções com a gente, com os cidadãos e as comunidades, a qualquer momento chega um novo governo e pronto, se acaba.
 

OP – Por conta da violência, muitas pessoas acabam deixando de sair de casa, ou preferem optar por espaços fechados que elas acham mais seguros, como shoppings. Bogotá tinha uma situação semelhante, mas reverteu. Qual o impacto disso na cidade?
 

Hugo Acero - A população, os cidadãos de maneira geral, está se fechando em grandes muralhas e cercas, grandes espaços fechados ou centros como shoppings centers, porque eles têm medo. Assim funciona o terror, acaba fechando todos em casa. Isso é prejudicial para a cidade como um todo, gera mais terror. Então você tem que trabalhar para voltar a recuperar o entorno urbano, o espaço público. Que as pessoas voltem a sair, que elas possam encontrar lugares para ir e também quem vá também aos parques, às ruas e nos espaços públicos. Mas com segurança. A única maneira é assim: uma cidade segura, ou pelo menos mais ou menos segura, é uma cidade onde se pode caminhar. Aqui em Fortaleza, eu fui caminhar pelo mar por vários quilômetros, fiquei três horas caminhando, não somente ali pela praia como três quadras adentro. E vi uma situação que chamou atenção, que era um cemitério colado em uma escola pública. Aqui está a escola, aqui está o cemitério. E vi logo que nessa escola faltava iluminação, um cuidado maior por aquele espaço público. Ali tinha de se fazer uma intervenção grande, para que ela não fosse tão lúgubre, ou tão triste, tão tenebrosa, quanto o cemitério bem ao lado. O cemitério é tenebroso, mas a escola também. Então tem que se melhorar os espaços. Digamos que estou a caminhar, seguramente não posso caminhar para qualquer lugar que eu queira, mas vou precisar que cada vez mais gente saia, que desfrutem dos espaços públicos. Não somente a praia, mas outros lugares em que as pessoas vão. Uma cidade segura é uma cidade onde qualquer um pode caminhar para onde quiser, quando quiser.
 

OP – Mas como fazer isso? Geralmente as pessoas acabam tendo muita resistência a essas mudanças. O atual prefeito de Fortaleza, por exemplo, sofreu inicialmente muitas críticas ao tentar implantar ciclofaixas na cidade.
 

Hugo Acero – Aumentou o uso da bicicleta? Perfeito. Vai ter alguma resistência no início, mas tem que fazê-lo, e não há melhor forma de estimular o uso desses meios alternativos, que enchem mais as ruas, como a bicicleta, que o exemplo. Em Bogotá, o governo de Peñalosa (Enrique, ex-prefeito de Bogotá), com quem eu trabalhei, se investiu muito em ciclovias. E ele, o prefeito, saía todo dia de sua casa de bicicleta até o seu escritório. E vários dos outros gestores, funcionários, do governo passaram a ir também. O prefeito tem que dar exemplo. Quando há exemplos, funciona, os estudantes mesmo todos começaram a usar. Passamos de ter 0,5% dos cidadãos se mobilizando por bicicleta até 5,5%. Então temos que investir nisto, mas temos também que caminhar. Há de se criar e ampliar espaços para isso. Inclusive, para evitar a falta de espaços de recreação, então temos que criar. Bogotá, aos dias de domingo, fecha vias para carros e, semanalmente, das 6h até as 14h, saem 2,5 milhões de pessoas para caminhar ou andar de bicicleta. Tomam a cidade em 4, 5 horas, a pé ou de bicicleta. Isso passando pelos setores mais ricos e mais pobres, por toda a cidade. Nessas questões se encontram os ricos e os pobres, todos.
 

OP – Há então, além da própria segurança, uma questão política a ser trabalhada com a população.
 

Hugo Acero – A democracia se fortalece nas ruas. Se começamos a nos fechar, há menos democracia. Há menos contato entre ricos e pobres, entre negros e brancos, entre amarelos e vermelhos (em referência às cores dos dois maiores partidos políticos da Colômbia), entre culturas diversas, de todo tipo. Todo mundo perde com isso, então há de se recuperar esses espaços.
 

OP – A população não costuma entender seu papel nesse processo e até resistem a mudanças comunitárias...
 

Hugo Acero – Não, é que geralmente as pessoas no princípio se opõem, mas, como digo, através de um exemplo isso vai mudando. Porque às vezes uma pessoa compra uma bicicleta ao seu filho e não pode deixá-lo sair, porque a rua não é segura, então não quer deixar ele ir nela, rapidamente já opta por um carro. Mas se ela tem um lugar para levar o filho a andar de bicicleta e vai, logo saem mais dois, mais três, isso vai crescendo. Nós em Bogotá começamos com duzentos ciclistas, fomos virando trezentos, quinhentos, mil, dois mil, e hoje temos 2,5 milhões de pessoas saindo todos os domingos às ruas fechadas para correr, andar de bicicleta. Isso é espetacular, é uma mostra de que é possível mudar.

Pessoas nas ruas


O POVO – O que o senhor conheceu de Fortaleza? O que achou do desenho da cidade?

Hugo Acero – Eu vim para Fortaleza de Recife, e me chamou a atenção, na terça-feira à noite, que vimos algumas pessoas correndo pela ciclovia, e as pessoas viam e diziam “não”, como por medo, e eu “sim, sim”. Se eles congregarem mais, logo vão ser duzentos, trezentos fazendo o mesmo. Nós necessitamos de espaço. Isso é natural, e não vamos encontrar sozinhos. Então o governo que se estimular, valorizar quem quer fazer isso, criar dias para esses outros modos de locomoção. Além desse domingo de bicicleta, fizemos também dois dias sem carros, no Natal, na época de dezembro. Sim, sem carros, não se utiliza carro nesses dois dias. Tem que se sair a pé, ou usando o transporte público ou a bicicleta. Esses dois dias foram uma forma de conscientizar as pessoas. No Natal, não há carros e as pessoas vão ao mercado e vão fazer coisas, ir para o cinema ou o que for nesses outros jeitos. De 365 dias, só dois. Não mata ninguém.
 

OP – Como deve ser o papel da polícia nessa transformação? O policial tem que ter papel de protagonista em um projeto que busque uma cidade mais ocupada, mais segura?
 

Hugo Acero – Em todo o tempo. O policial é o funcionário mais importante que uma sociedade tem. E te digo por quê. Porque é o único funcionário que você pode buscar as vinte e quatro horas do dia, nos sete dias da semana. Como médicos nos hospitais e postos de saúde, que também são importantes, é claro. Porém, um policial deve estar trabalhando sempre, nos 365 dias do ano, porque é um funcionário que nos dá não só segurança, tem toda uma rede de serviços, que fazem a população tranquila, ali. É só imaginar, por exemplo, se eu perco o meu filho, se ele desaparece, a quem eu procuro? A um policial, é ele que vai me ajudar a buscar a pessoa que eu mais quero. Não vou a um médico, não vou ao prefeito, governador, ou religioso, o que for. Eu busco um policial. Então esse agente é importante não só para que esteja perseguindo os criminosos, mas para que ocorra ordem, para que eu me sinta tranquilo de maneira geral. Então, o policial é fundamental para tudo. Em um show de música, vai ser ele que vai facilitar a ordem. Em um ato cultural, ele está lá para ajudar. Até em protestos ele deve estar lá, para que tudo ocorra bem, para que as pessoas possam protestar, garantir esse direito. Então, se é tão necessário, é preciso também profissionalizá-lo, o converter no melhor funcionário. Não só em capacitação técnica, mas também em cultura cidadã, em sobre como ele pode chegar para ajudar. E esse é um trabalho duro, longo.
 

Posto Policial

 
O POVO – No Brasil, há muitos casos onde a própria população, sobretudo a mais pobre, acaba tendo certa relação tensa com a atuação policial, por conta de agentes abusivos e de violações de Direitos Humanos. Como mudar?

Hugo Acero – Quando é uma região problemática, podemos perceber alguns territórios onde não se gosta da polícia, onde as pessoas não querem a polícia, onde se sabe de violações de Direitos Humanos. Enfim, não se quer polícia. Por que isso acontece assim, o que se pode fazer? Ir o estado, o governo, com outros serviços, diminuir os conflitos. Chegar nessas regiões com saúde, com educação, com lazer, com serviços, com transformação. Mas ao lado disso tudo, tem que estar a polícia. O policial é parte desse desenvolvimento. Um posto policial é tão importante quanto um posto de saúde, uma escola, um parque, ou como um Cuca. São tão importantes, então devem estar todos eles juntos. O que acontece é que nesses territórios geralmente quer se chegar só com a polícia. E isso não é possível. Tem que haver uma união em equipe, e tem que chegar um policial amigo. Um agente de transformação.

 

 

Palestra


EM FORTALEZA
para o Seminário Internacional sobre Segurança Pública da Assembleia Legislativa, Hugo Acero participou do painel “Cenário Urbano e Segurança Pública: violência, conflitos e territorialidade”.  

 

Sintonia


EM PALESTRA
no evento, o ex-secretário colombiano destacou o crescimento do crime organizado e a falta de sintonia entre as instituições governamentais como algumas das principais causas do aumento da violência na América Latina.  

 

Currículo


SOCIÓLOGO
por formação, Hugo Acero Velásquez comandou a Secretaria da Segurança Cidadã e Convivência do primeiro governo Enrique Peñalosa, entre 1998 e 2001. Durante sua gestão na pasta, começaram diversas das mudanças que contribuíram para a redução significativa dos índices de violência da capital colombiana. 

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